Há cada vez mais estrangeiros a escolher Portugal para viver e, para muitos, a compra de casa é obrigatória. São muitas vezes acusados de contribuírem para o aumento dos preços das casas e o Governo pôs fim aos Vistos Gold para a aquisição de imóveis no âmbito do Mais Habitação. Um recente inquérito realizado pela Imovendo revela que 16% dos inquiridos diz que a crise da habitação se deve à venda de imóveis a estrangeiros e há quem diga mesmo que “a venda excessiva de imobiliário a estrangeiros prejudica a população portuguesa”.
Segundo esse estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, “verificou-se um aumento da procura de habitação por parte de estrangeiros em Portugal”, destacando-se que esse investimento “é maioritariamente realizado por cidadãos europeus, que têm direitos estabelecidos e inalienáveis a nível nacional para aceder ao mercado, representando os Vistos Gold uma parte minoritária desse investimento”. E adianta que, no âmbito fiscal, entre 2009 e 2020, “houve um universo limitado de cerca de 52 mil beneficiários de redução de IRS através do estatuto de residente não habitual”.
O documento conclui que “a pressão dos estrangeiros nos preços da habitação é maior nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, mas o impacto desta procura no valor mediano das habitações parece ser globalmente limitado”.
Os dados mostram que, no caso dos estrangeiros que escolhem Portugal tanto para viver como para investir, “observou-se nos últimos anos um crescimento significativo do investimento em imobiliário, que em 2022 representava 13% do PIB, face a 4% em 2008”. E acrescenta que “parte significativa deste investimento provém de cidadãos com direitos comunitários constituídos para aceder ao mercado, nomeadamente os detentores de cidadania europeia, sendo o remanescente executado por cidadãos extracomunitários”.
A fundação Francisco Manuel dos Santos diz que é importante salientar que “os estrangeiros extracomunitários que recorrem ao programa de autorizações de residência para atividade de investimento imobiliário e que podem eventualmente não estabelecer residência em Portugal por legislação permissiva ao nível nacional são um universo limitado, tendo sido atribuídos, entre 2012 e 2022, cerca de 10 600 vistos, num investimento global de cerca de seis mil milhões de euros, e que em 2022 representou 0,2% do PIB”.
No que diz respeito aos vistos atribuídos aos nómadas digitais, beneficiaram 26 525 cidadãos entre 2018 e abril de 2023.
“Por outro lado, para este fenómeno de atração de não residentes contribuem medidas de natureza fiscal, como o programa de residentes não habituais, que atribuem a estes cidadãos vantagens na forma como os seus rendimentos são tributados”, acrescenta o estudo.
Já os dados da Confidencial Imobiliário revelam que, nos primeiros seis meses de 2023, os compradores internacionais adquiriram 770 imóveis residenciais na Área de Reabilitação Urbana de Lisboa (ARU), perfazendo 442,9 milhões de euros. No total, as compras foram concretizadas por investidores oriundos de 58 países estrangeiros. Esta atividade traduz uma quebra semestral de 19% em número de imóveis e de 18% em montante.
impacto do turismo
A pressão imobiliária é um dos impactos mais visíveis do turismo. Os preços das casas tanto para compra como para arrendamento não param de aumentar e a tendência é para se manter. Segundo um inquérito da Universidade de Munique, que reúne as previsões de mais de mil economistas, o preço das casas em Portugal irá voltar a aumentar mais de 8% por ano na próxima década.
Também Bruxelas, no passado, mostrou-se preocupada com a situação do aumento imparável nos preços das casas e com as suas consequências. A Comissão Europeia estava sobretudo atenta ao efeito que a explosão de procura de habitação teve em casas para preços acessíveis para grupos “socialmente vulneráveis”, nomeadamente em Lisboa e Porto.
Mas se, por um lado, há quem acuse o turismo de “roubar” a oferta no mercado, por outro, vários responsáveis do setor afastam essa responsabilidade e acusam o Governo e as autarquias pela falta de construção. Em entrevista ao Nascer do SOL, Carlos Abade, presidente do Turismo de Portugal admite que há menos oferta de casas face à procura e não é resultante da dimensão turística, referindo que “2008 e 2009 foram os últimos anos em que o nível de construção para a habitação foi o mais elevado, a partir daí os números desceram e mantiveram-se baixos, criando uma pressão muito grande da procura sobre a oferta”.
Um argumento que já tinha sido usado por Francisco Calheiros, presidente da Confederação do Turismo de Portugal. “Se for perguntar às empresas de construção se acham que o turismo é um problema vão dizer que não. Em 2022, as compras de habitação por estrangeiros terão andado à volta dos 5%, 6%, não é por aí. Temos um problema de habitação, mas é de falta de habitação. Nos últimos anos construiu-se o mesmo que se construía num ano há 20 anos. Esse é um problema que o Governo tem de atacar em força, principalmente depois de ter lido que temos em Portugal 700 mil fogos devolutos. Então se temos um problema de falta de habitação e temos 700 mil fogos devolutos convinha casar estas duas situações”.
Quanto ao alojamento local, os dois responsáveis chamam a atenção para o facto de o pacote Mais Habitação já dar resposta a esse segmento. Também Ana Jacinto, secretária-geral da AHRESP, chegou a afirmar ao nosso jornal: “O alojamento local não pode ser associado à falta de habitação, não tem nada a ver com a falta de habitação. O alojamento local sempre existiu e também sempre existiu a falta de habitação. Obviamente, que estamos muito preocupados com a falta de habitação”.
Por seu lado, o presidente do Turismo Porto e Norte, Luís Pedro Martins, confessou: “Não sou nem naïf, nem ingénuo, e muito menos pouco transparente. Se me perguntarem se o turismo só traz coisas boas? Não, não é verdade. O turismo tem impactos muito positivos, mas também tem alguns impactos negativos”.