A polícia britânica está a investigar uma inédita agressão sexual a uma rapariga de 16 anos: violação virtual. Esta é a primeira investigação deste tipo no Reino Unido. A rapariga estava a jogar no metaverso um denominado jogo imersivo de realidade virtual com os auscultadores indicados quando o seu avatar foi vítima de agressivos ataques e violação por um gangue de outros avatares. Nada de novo, tendo em conta que os videojogos estão cheios de violência e de objetivos que passam por matar e morrer. Sim, há uma grande novidade nociva: a diferença entre esta agressão e as “mortes” nos videojogos, é que estas fazem parte do jogo, enquanto que a rapariga de 16 anos não estava à espera da agressão de que foi vítima – uma vez que não há nenhum jogo online que tenha como objetivo violar pessoas, muito menos crianças ou adolescentes. A questão de isto poder acontecer no metaverso é aquilo que está a gerar polémica e a levar a que tenha sido aberta uma investigação judicial. A outra questão que se levanta é saber se a violação virtual é realmente uma violação. E esta é uma discussão que remota a 1993. Especialistas na altura levantaram a questão de as pessoas que davam vida aos avatares e eram agredidas sexualmente sentiam emoções semelhantes às das vítimas de violação física. O que não é a mesma coisa quando se perdem “vidas” nestes jogos. Mas foi o que aconteceu neste caso: de acordo com um investigador citado pelo Daily Mail “há um impacto emocional e psicológico na vítima que é mais duradouro do que quaisquer lesões físicas”. Além de que a “qualidade imersiva da experiência do metaverso torna ainda mais difícil para uma criança, em especial, distinguir entre o que é real e o que não é”.
Em 2021, uma investigação interna do próprio Facebook mostrou que a utilização do Instagram prejudicava a confiança e a imagem corporal das adolescentes. E no passado mês de outubro do ano passado, 30 procuradores intentaram uma ação judicial contra a Meta na Califórnia, acusando o Facebook e o Instagram de serem responsáveis por uma “crise nacional de saúde mental juvenil”. Dizem os investigadores britânicos citados pelo Daily Mail que o metaverso já “está repleto” de crimes sexuais, nomeadamente o popular jogo Horizon Worlds onde se registaram várias agressões sexuais e foi alvo de investigações. “Ao contrário do que acontece no mundo físico, no metaverso não existem regras claras e aplicáveis”, concluí uma pedopsiquiatra que participou neste trabalho. Prevê-se que a próxima geração de crianças passará cerca de 3 hora por dia – 10 anos da sua vida – imersa em realidade virtual.
O assustador mundo digital
O uso dos telemóveis e do acesso às redes está a deixar o mundo em polvorosa. Estudos, regulamentação, novas orientações estão em curso e a tentar marcar o passo com a evolução do mundo digital que parece cada vez mais descontrolada. Entre o conservadorismo da Europa, a liberalização norte-americana e o controlo que domina as sociedades asiáticas, o mundo da internet é uma rede que atravessa todas as fronteiras sem cerimónia. Redes socias que têm mais utilizadores que a população dos maiores países estão a transformar hábitos, relações, culturas, a dar nomes a novos crimes e a mudar de forma drástica as novas gerações. Os mais novos e a vulnerabilidade a que estão sujeitas são as grandes preocupações. E em Portugal, apesar de tudo demorar um pouco mais de tempo a chegar, não é exceção. Como no mundo das redes não se olham a nacionalidades, credos, idades ou condição económica, o medo do desconhecido e a necessidade de regulamentação do mundo digital já chegou.
Dados da ITU-International Telecommunication Union, no relatório Measuring digital development. Facts and Figures: Focus on Least Developed Countries (2023), citados pelo estudo publicado recentemente pela Universidade Lusíada e financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, como o nome Sroll, Logo Existo, permitem tirar uma radiografia do mundo digital global. Atualmente, cerca de 5,3 mil milhões de pessoas (66% da população global total) estão online, enquanto 2,7 mil milhões estão de fora. Quanto aos telemóveis, três quartos da população mundial com 10 anos ou mais possuía um telemóvel em 2022. Dizem os mesmos dados que os jovens com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos são os mais digitais: 75% dos jovens em todo o mundo são capazes de utilizar a internet. O consumo entre o resto da população é de cerca de 65%. “A universalidade, definida como mais de 95% de uso da internet, já foi alcançada entre a faixa etária jovem de 15 a 24 anos em economias com rendimentos mais elevados, correspondendo aos países desenvolvidos”.
Outro relatório promovido pela União Europeia em 2022 que analisa “Uma Década Digital para as crianças e os jovens: a nova Estratégia europeia para uma Internet melhor para as crianças”, adverte que “os níveis mais elevados de utilização da internet podem conduzir a um estilo de vida mais sedentário, com possíveis implicações para a saúde”. E avança que vários psicólogos alertaram para os problemas que podem surgir daqui omo défice de atenção por parte das crianças e a dificuldade de desligar. Diz este estudo que no futuro próximo, “a IA, a realidade virtual, aumentada e alargada, a internet das coisas, a criptomoeda e outras mudanças tecnológicas suscitarão novos desafios sociais e éticos (por exemplo, preconceitos, falta de equidade, falta de transparência na utilização da IA, interação com falsificações profundas, avatares e robôs)”. Acrescentando ainda que o mundo não está preparado para isto: “Tanto as crianças como os pais não estão sensibilizados para a ampla partilha de dados pessoais que pode resultar da utilização de serviços digitais, nomeadamente os que não têm pagamentos monetários”.
Sintomas de dependência
Um desses perigos é a dependência. O comportamento aditivo do uso da internet é definido como “a inabilidade que o sujeito possui para reprimir e controlar impulsos pela conectividade, provocando desconforto e sentimento de culpa. Tais comportamentos compulsivos podem gerar, inicialmente, um alívio de tensão perante a ansiedade, a depressão, a falta de habilidade social em comunicação face a face. Porém, trazem efeitos significativos sobre o estado psicológico e fisiológico, como alterações do ciclo vigília/sono, problemas relacionados às relações interpessoais, profissionais, sexuais entre outras”, segundo autores citados neste estudo da Lusíada. Por outras palavras, é um distúrbio comportamental, que impossibilita o controlo de impulsos muito semelhante ao jogo patológico. Este comportamento pode ter vários padrões. Pode ser passivo, como ver filmes, ou ativo, como jogar jogos de computador. O vicio da internet pode também ser considerado como “uma utilização desajustada da internet que provoca, diferentes níveis, de dificuldades sociais e funcionais nos utilizadores”.
Quais são os sintomas? Os especialistas têm já nomes para os sinais de alerta: Nomofobia, que é a sensação desagradável quando se tem o telemóvel longe; Síndrome do toque fantasma ou a falsa sensação de sentir o telemóvel a vibrar; Náuseas Digital, desorientação ou vertigem quando se está a usar a internet; Transtorno de dependência da internet, ou a vontade compulsiva em aceder à internet; Depressão de Facebook: verifica-se em função das interações sociais dentro da rede ou a falta dessas relações; Dependência de jogos online; Hipocondria digital, acreditar que se tem os sintomas de uma doença que leu na internet; e Efeito Google, tendência em reter menos informações.
Tudo isto é causado por conteúdos que nos causam prazer. Os jogos online, por exemplo, “proporcionam interação social, competição em tempo real, desafios, realização, hierarquia social e conteúdo estimulante, tal como um nível de recompensas muito sofisticado”. A lógica de recompensas é infalível: “A internet opera com um alto grau de imprevisibilidade e novidade, potenciando a sua atratividade. O fator de reforço/recompensa é o elemento que mais contribui para a natureza aditiva de internet e de outras tecnologias. A internet é aditiva, em parte, devido às suas propriedades psicoativas”. Ou seja, o prazer de clicar e encontrar (recompensa) tornam a internet aditiva, tal como scroll.
Por cá, tudo novo
O primeiro estudo em Portugal sobre este tema foi publicado no início deste ano. Financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e publicado pela Universidade Lusíada, o trabalho intitulado “Scroll, logo existo” teve como objetivo perceber como a “a internet e as redes sociais que surgiram para nos ajudar numa diversidade de funções, estão a tornar-nos seus servos. Esta adulteração do uso da tecnologia, que produz uma diversidade de comportamentos aditivos digitais, foi o ponto de partida para o desenvolvimento deste projeto de investigação”. E concluí: os resultados “deixam algumas inquietações sobre o uso excessivo dos ecrãs nos jovens portugueses e, de um modo geral, como as rotinas do quotidiano estão a ser moldadas por interações digitais com aplicações como o WhatsApp, correio eletrónico e uma diversidade de aplicações que se encontram instaladas no smartphone”.
Segundo o site Datareportal, “8,63 milhões de portugueses, já utilizam a internet (85%), sendo que 8,50 milhões são utilizadores de redes sociais. O Facebook é a principal rede social dos portugueses (5,95 milhões), enquanto o Instagram apresentava 5,40 milhões de utilizadores”. Em Portugal, no início de 2022, existiam cerca de dezasseis milhões de ligações de telemóveis, correspondendo a cerca de 158,3% de números ativos.
Os telemóveis são hoje a porta de entrada para o mundo digital, para a internet e para aceder às redes sociais. São uma necessidade primária dos portugueses e, segundo o estudo da Lusíada, “estão a acentuar a dependência tecnológica, que se reflete numa adição comportamental que gera situações de mudança de humor, ansiedade, isolamento, tolerância e recaída, mais preocupantes em quem está (ainda que momentaneamente) mais vulnerável ou numa situação de imaturidade emocional associada. Estas modificações comportamentais são transversais a todas as idades, géneros, situação face ao emprego, estado civil, habilitações escolares e rendimento”. E adverte: “Não há situações de impermeabilidade à transformação tecnológica”.
O tempo dirá como os portugueses irão navegar neste mundo digital: se seguindo os exemplos de quem vai à nossa frente, ou encontrando atalhos menos assustadores. Os alarmes, esses, estão todos a soar.