Sério, é preciso sê-lo e parecê-lo

Pedro Nuno Santos pode ter sido injustamente atacado na sua seriedade. Mas adianta-lhe de muito pouco afirmá-la. Um candidato a primeiro-ministro não tem só de sê-lo, tem também de parecê-lo. Aliás, como quem vive de atirar pedras aos telhados dos outros.

No debate de estreia como candidato a primeiro-ministro, frente a Rui Rocha, líder da Iniciativa Liberal, Pedro Nuno Santos fez questão de começar a sua intervenção com uma declaração prévia, face ao que classificou como acusações insidiosas de dirigentes do Chega e da IL a propósito de recentes notícias em que foi visado sobre ajudas de custo recebidas no passado enquanto deputado com morada declarada em São João da Madeira e o IMI que paga por uma casa que comprou por meio milhão de euros. E afirmou com solenidade: «Eu sou sério!». Rui Rocha nada quis acrescentar.

Pedro Nuno Santos sabe que só apregoa seriedade quem tem necessidade de o fazer. E se o fez é porque tem razões para isso. Porque não são apenas as notícias em que é visado, é a perceção da opinião pública. Pudera, com tudo o que temos visto!

Um estudo da Universidade Católica para a RTP, Antena 1 e Público permitiu ao jornal destacar na primeira página desta quinta-feira que, para os portugueses, Luís Montenegro é «mais competente» e «mais honesto», mas Pedro Nuno Santos está «mais bem preparado para primeiro-ministro».

O mesmo é dizer que, para os portugueses, a competência e a honestidade não são requisitos absolutamente indispensáveis ao bom exercício do cargo de primeiro-ministro. 

O que, porventura, até pode explicar muitos dos casos a que temos assistido na política portuguesa e não só.

No Brasil, por exemplo, ficou para os compêndios do marketing político o célebre slogan do antigo governador de São Paulo Adhemar de Barros, do PT: «Roubo, mas faço». O mesmo que, conta-se, perante uma multidão de apoiantes num comício de campanha, pôs a mão sobre o bolso das calças onde tinha a carteira e disse: «Nesse bolso, nunca entrou dinheiro sujo». Ao que a multidão respondeu entoando: «Adhemar tem calça nova, Adhemar tem calça nova».

Ainda assim, há uma diferença entre o presuposto na expressão brasileira ‘rouba, mas faz’, e as ilações que podem retirar-se do estudo da Universidade Católica.

No primeiro, a desonestidade é subvalorizada pelo povo, mas a incompetência não. Ou seja, o povo preferiria um governante desonesto mas fazedor e competente a um honesto mas sem obra nem competência. As duas coisas é que não – como permitem concluir as segundas.  

Claro que em países com culturas de rigor e exigência, em que os políticos não são todos metidos no mesmo saco, mais ou menos desonestos ou corruptos, mais ou menos incompetentes ou incapazes, a democracia deveria promover a ética e a qualificação – idealmente falando.

Ora, voltando ao estudo da Católica, o erro começa desde logo no enunciado: não se é mais ou menos honesto, nem se pode ser mais ou menos sério! Ou se é… ou não se é! Quem não é honesto, é desonesto. Não há meio termo.

Por isso, logo ao admitir-se que quem concorre ao cargo de primeiro-ministro pode ser ‘menos honesto’ do que outrem está a baixar-se a fasquia.

Mas é o que temos.

Veja-se o caso de Ana Gomes, comentadora televisiva e feroz defensora da perseguição sem tréguas e quase sem regras (ou não fosse a mais acérrima apoiante da absolvição de Rui Pinto pelos crimes cometidos para as denúncias públicas de casos como o chamado Futebol Leaks ou Luanda Leaks, como violação de caixas de correio e quejandos) a políticos corruptos ou prevaricadores.

A mais implacável e intolerante comentadora da televisão portuguesa ainda neste domingo ficou sem argumentos com o resultado das eleições nos Açores e não teve pejo em afirmar que «há rumores» e «até dizem que já existe» um «acordo secreto entre a AD e o Chega» para a viabilização do governo de José Manuel Bolieiro.

Pois é, o eleitorado açoriano tirou-lhe o tapete e nem assim desistiu.

Para Ana Gomes, tudo o que está à direita do PSé antidemocrático e tem de ser combatido com todas as armas possíveis.

Dizendo-se contra os extremismos e sempre à carga contra a direita fascista, Ana Gomes é mais radical do que muitos a quem aponta a mira e de democrata tem muito pouco ou mesmo nada.

Ainda que tenha toda a razão quando faz finca-pé contra os benefícios indevidos ou desconformes à lei de figuras públicas ou com responsabilidades na administração central, regional ou local.

É por isso que menos se compreende que a própria não tenha ainda posto ponto final no caso das obras ilegais na casa que herdou em pleno Parque Natural de Sintra-Cascais.

Já passou tempo demais para repor a legalidade e não lhe fica bem beneficiar de alguma maneira do que manifestamente é mais um caso de tratamento de favor ou de exceção por parte das autoridades camarárias, ambientais e do Estado. 

Ana Gomes não precisa disso para nada e, no seu caso, faz toda a diferença.

Porque, como Pedro Nuno Santos, não lhe chega afirmar a seriedade ou a honestidade.

É preciso sê-lo e parecê-lo. 

Tanto para quem quer ser candidato a primeiro-ministro como para quem vive de atirar pedras aos telhados dos vizinhos.