Rádios. Um peso pesado obrigado a inovar e a reinventar-se

Foi através da rádio que se ouviram as senhas que deram marcha ao 25 de Abril. Mais tarde houve o boom das estações piratas que obrigaram o Estado intervir. Atualmente depara-se com o desafio da digitalização e dos novos meios de comunicação.

Longe vão os tempos em que a rádio ditava costumes e acima de tudo era o principal meio de companhia. Há programas que marcaram gerações. E se no início ficou conhecida por passar radionovelas rapidamente ganhou espaço para passar comédias, discos pedidos, entre muitos outros programas. Mas ao longo de décadas foi obrigada a modernizar-se e até mesmo a reinventar-se.

Foi através da rádio que se ouviram as senhas que secretamente deram o sinal para a saída das tropas dos quartéis na madrugada do dia 25 de Abril de 1974. Por volta das 22h55 horas do dia 24, João Paulo Dinis, na antena dos Emissores Associados de Lisboa, pôs no ar E depois do Adeus, de Paulo Carvalho, música vencedora do Festival da Canção desse ano. Meia hora depois, na Rádio Renascença, seria Grândola Vila Morena, de Zeca Afonso, a confirmar o arranque da revolução. E foi também aqui que se ouviram as primeiras notícias sobre os acontecimentos e as reações das populações que acompanhavam a revolução.
A importância da rádio foi posta de lado com o aparecimento da televisão, primeiro a preto e branco, até chegar aos dias de hoje. No início do ano, um estudo da Havas Media Network concluiu que os canais de televisão abertos e motores de busca continuam a liderar a tabela de meios usados pelos portugueses para se informarem, sendo os meios tradicionais vistos como mais credíveis.
Ainda assim, ganhou terreno em programas que ouvem a voz do ouvinte. A fórmula é simples: dar a oportunidade aos convidados e ouvintes de trocarem ideias entre si, programas que conseguem ultrapassar os restantes media nacionais, fazendo valer o princípio igualitário da opinião. E, de acordo com vários estudos, está provado que estes programas estimulam a comunicação política e promovem a livre expressão, nomeadamente para assuntos de teor cívico e político.
Também nas campanhas eleitorais, a rádio foi ganhando importância. Desde 2015, o último debate dos candidatos é feito neste meio. E esta campanha às legislativas não é exceção. O encontro está marcado para o próximo dia 26 de fevereiro.

Desafios E no dia em que se comemora o Dia Mundial da Rádio, este meio continua a deparar-se com vários desafios. A 5 de fevereiro foram publicadas em Diário da República as alterações à Lei da Rádio, em que quota mínima de música portuguesa na rádio fica fixada nos 30%, deixando de estar sujeita à aprovação anual por parte do Governo. Está ainda previsto a obrigação dos operadores de rádio prestarem, mensalmente à ERC, os elementos necessários à fiscalização das quotas de difusão de música portuguesa.
 A lei dizia, até aqui, que as rádios tinham de reservar, pelo menos, 25% da sua transmissão para a música portuguesa, percentagem muito contestada pelos artistas. Em vigor desde 2009, a quota mínima obrigatória subiu em 2021 para 30% como uma resposta aos efeitos da pandemia, mas “ultrapassado esse período”, regressou aos 25%.

Até aos dias de hoje A primeira rádio oficial que surgiu em Portugal foi em 1935 com a Emissora Nacional de Radiodifusão, atual Antena 1. Um ano mais tarde começam as emissões experimentais da Rádio Renascença. Após o 25 de Abril houve uma nova reviravolta e são todas nacionalizadas, com a exceção da Renascença e, em 1976, a Emissora Nacional passa a chamar-se Rádio Difusão Portuguesa (RDP). 
Na década de 80 assistiu-se ao boom das chamadas Rádios Piratas, que tomaram de assalto as frequências e rapidamente conquistaram o interesse dos ouvintes. A sua qualidade não era a melhor, mas também não era esse o seu objetivo. Nos liceus, dava-se o embrião das famosas rádios piratas, com as associações de estudantes a passarem músicas que dividiam opiniões, mas animavam os intervalos. Muitos deles acabaram por se profissionalizar.
No entanto, perante a situação caótica da radiodifusão, o Estado foi obrigado a intervir e legislou sobre as rádios livres, num processo longe de ser pacífico ao deixar muitas para trás, dando, na altura, a maior frequência à rádio do Correio da Manhã em detrimento da TSF. Processo que fez correr muita tinta. Mas que acabou por ditar o seu futuro: temos centenas delas que se veem agora a braços com novos desafios e foram obrigadas a reinventarem-se.
Entre apostas em formatos digitais e investimentos em podcasts vale tudo para atrair e fidelizar ouvintes. Graças às novas tecnologias, a rádio está a disseminar-se em novas formas e em novos dispositivos, o que facilita ainda mais a portabilidade. Nesta edição, fazemos uma viagem aos programas que marcaram as gerações mais antigas, damos voz a uma das vozes da rádio, António Sala, e falamos dos desafios do éter.
Curiosamente, nos dias que correm, algumas televisões copiam o modelo das rádios e o relato de jogos de futebol, com comentadores em estúdio, sem imagens do jogo, são um sucesso.
Longe vão os tempos em que se sonhava com o rosto da voz que saía da rádio. Hoje, os jornalistas e comunicadores são quase tão conhecidos como os seus colegas da televisão. Televisão que não matou a rádio, como se chegou a apregoar, e que, como foi dito, até copia o modelo radiofónico.