Coragem é ir com medo, Navalny e os portugueses

A defesa da Justiça, e do seu papel central numa República e como garante do Estado de Direito, passa pelo reconhecimento da sua importância.

Em agosto de 2020, o ativista russo Alexei Navalny sentiu-se mal durante um voo entre a Sibéria e Moscovo. Depois de dois dias internado num hospital em Omsk, foi transferido para o histórico hospital ‘Charite’, em Berlim, onde foi tratado por um envenenamento com um agente nervoso, Novichok. Ficou na Alemanha até ao início de 2021, quando regressou à Rússia.

O regresso de Navalny surpreendeu o mundo. Poderia ter um exílio confortável como oferecido pela Alemanha e França. À chegada foi detido para cumprimento de uma pena de prisão que passara de suspensa para efetiva, exatamente para impedir o retorno.

O falecimento de Alexei Navalny na prisão causou comoção no ‘ocidente’, com manifestações públicas e tomadas de posição por parte dos governos. Em sociedades de conforto, nas quais quase ninguém está disposto a sacrificar quase nada, seja o conhecido pelo desconhecido, e mesmo que tal seja o que ‘o coração mande’, o exemplo de alguém que morre pelo que defende tem de causar paixão.

Navalny não é exemplo único. Há, um pouco por todo o mundo, exemplos de pessoas comuns capazes de se elevar acima do medo. O problema é serem exceção. Veja-se como, no nosso país, a cobardia da generalidade dos políticos (salvo honrosas exceções), impede de afirmar que os últimos meses retiraram qualquer autoridade moral à Procuradora-Geral da República.

As decisões recentes dos juízes de instrução, que recusam fazer ‘corta e cola’ das promoções do Ministério Público, apenas chocam os que estiveram durante anos (muitos anos) distraídos com os abusos que põem em causa o Estado de Direito Democrático. Louva-se a coragem do ex-procurador-geral, Cunha Rodrigues, que tem dito como ‘o Rei vai nu’. Talvez assim se perceba a importância dos senadores numa República!

Não podemos admirar o exemplo dos corajosos e ‘ficar nas encolhas’ perante a prepotência na nossa casa. A Justiça é o recurso dos fracos perante a prepotência dos fortes, não podemos permitir que as instituições judiciais se tornem reduto de prepotentes.

A defesa da Justiça, e do seu papel central numa República e como garante do Estado de Direito Democrático, passa pelo reconhecimento da sua importância. A defesa da Justiça, e da sua independência, faz-se através da transparência e do escrutínio das suas decisões por quem lhe confere poder: o Povo. No caso, através da Assembleia da República, a casa do Povo.
Nenhuma República moderna subsiste sem cumprir uma regra mínima de transparência e escrutínio das suas decisões. Os tempos da Justiça não podem ser desculpa para violação desta regra. Os poderes públicos são por natureza escrutináveis.

Nas últimas semanas um presidente de Câmara esteve detido sem culpa formada durante 6 dias, saindo sem qualquer medida de coação. Os arguidos da ‘Madeira’ vieram transferidos para a ‘Metrópole’ em avião militar e estiveram 21 dias detidos sem culpa formada. Isto não é admissível e não é suportável que não seja explicado.
Churchill dizia que «a coragem é a maior das qualidades humanas, pois é ela que garante todas as outras». Coragem não é não ter medo, é avançar com medo.

Os candidatos a primeiro-ministro podem arranjar as desculpas que quiserem para não discutir aprofundadamente as matérias de Justiça nesta campanha. A maior razão para tal reside na cobardia. Tudo o que menos precisamos é ter um primeiro-ministro cobarde.