As Armas e os Barões

Em Portugal o fazer mau serviço, ou mesmo o quebrar a lei, não implica o fim da vida pública.

Queridas filhas,

Assim começa o poema épico mais importante da literatura portuguesa. A mensagem é clara: a conceção e lançamento de um dos maiores projetos de exploração da história da humanidade partiu das elites portuguesas do século XV. E o povo corajoso, nelas confiou e construiu o período mais glorioso da nossa história. Onde estão essas elites hoje? Onde estiveram nas últimas décadas? Nos últimos séculos?

Há duas particularidades da sociedade portuguesa que me intrigam e que não encontrei nas restantes sociedades em que vivi. Primeiro a abundância de talentos individuais contrasta com o deserto de organizações portuguesas de excelência internacional. Temos Ronaldo, Horta-Osório, Francisco Veloso, António Simões… Mas onde estão as mega-empresas portuguesas? A queda da Farfetch foi o último exemplo disto. Segundo, em Portugal, por mais décadas que passem, os nomes das elites são basicamente os mesmos. Mesmo as pessoas que caem em condições difíceis, Santana Lopes, Sócrates, Ricardo Salgado… continuam a fazer notícias e em muitos casos a dar opiniões. Em Portugal o fazer mau serviço, ou mesmo o quebrar a lei, não implica o fim da vida pública.

Contrastemos isto com outros bastiões da história. No império romano, qualquer servidor público tinha que ter obra feita em prol do império para prosperar e sobreviver. Julio Cesar percebeu isso bem quando dedicou tanto tempo a escrever a sua propaganda da conquista da Galia. Mesmo cargos mais técnicos tinham incentivos claros: os engenheiros civis responsáveis tinham que estar debaixo da obra quando os andaimes de suporte dos arcos eram retirados. Se a obra ruísse, eles seriam os primeiros a sofrer. E muitas obras romanas ainda hoje estão de pé. A marinha do Império Britânico tinha um princípio semelhante: o capitão de qualquer barco que se perdesse nunca mais poderia ser capitão de outro barco. Mesmo que o acidente fosse totalmente fora do seu controlo. Nunca outra força foi tão dominante nos oceanos.

Parece-me que em Portugal temos um problema de incentivos e cultura. Dada a pequena dimensão do país, a mediocridade é aceite nas elites. E estas estão mais interessadas em manter o status quo do que em servir o país e os portugueses. Lembro-me da OPA da Sonae sobre a Portugal Telecom que foi baseada em valores meritocráticos, mas combatida pelos interesses instalados liderados pelo Grupo Espírito Santo. A vitoria dos últimos prejudicou o país, os consumidores, e os próprios acionistas da PT. Mas talvez o maior prejuízo foi a mensagem de uma sociedade ossificada com várias ‘bocas para alimentar’ e fechada a novas ideias de empreendedorismo a uma escala maior.

Estes anticorpos das elites portuguesa têm raízes de séculos. Expulsão dos Judeus, expulsão dos Jesuítas, perseguição da Igreja (primeira república). As nossas elites depois dos descobrimentos sempre privilegiaram proteger os seus interesses em prejuízo do país. Bastava ter olhado para os EUA para ver que um país aberto a todas as religiões, ideias e povos prosperava e ultrapassava o próprio império britânico como líder mundial.

Em breve seremos chamados a votar num novo governo e as opções são fracas. A continuidade parece um insulto aos nossos filhos e netos dada a trajetória e clientelismo atual. A maior alternativa inspira pouco, pela falta de ambição e coragem, apelando antes ao reforço de políticas sociais para comprar o voto sem apresentar um projeto de criação de riqueza audaz baseado nas melhores práticas anglo-saxônicas. As alternativas de direita estão no bom caminho, mas pecam por falta de coesão, profundidade do ‘banco’. Todas as alternativas têm muitos poucos líderes do mundo empresarial e corporativo. Entendo que o incentivo para estes não seja alto. Mas o serviço publico é a parte mais importante da cidadania. E as ‘Armas e os Barões’ de hoje serão julgados por gerações futuras pelo que não fizeram.