Vá pelos seus dedos

Essenciais no tempo em que não havia internet e em que, para encontrar um Hospital, um serviço ou simplesmente para encontramos um local para jantar, se recorria ao calhamaço imenso das páginas coloridas de amarelo.

Querida avó,

Ainda sou do tempo das Páginas Amarelas (não estou a falar de livros, ou revistas, amarelecidos pelo tempo), mas sim da lista telefónica de empresas e serviços, internacionalmente conhecido pela cor amarela.

Claro que os mais novos devem pensar que nascemos “no tempo dos Reis”… mas, verdade seja dita, nos anos 1970/80 poucos eram os que tinham telefone fixo em casa, quanto mais listas telefónicas.

Tantas foram as vezes em que fui aos Correios (CTT/TLP – Correios e Telecomunicações de Portugal, na época) ligar para a minha mãe, que estava no trabalho. Já com a minha avó tínhamos que marcar um dia/hora na mercearia que ficava perto da sua casa.

Quando a maior parte dos portugueses começou a ter telefone em casa, criaram as listas telefónicas (para particulares) e as páginas amarelas (para empresas). Essenciais no tempo em que não havia internet e em que, para encontrar um Hospital, um serviço ou simplesmente para encontramos um local para jantar, se recorria ao calhamaço imenso das páginas coloridas de amarelo.

Muitos restaurantes usavam as listas telefónicas para dar altura para as crianças chegarem às mesas. 

Hoje tudo isto desapareceu! Com a chegada dos motores de busca conseguimos pesquisar o que queremos, em qualquer parte do mundo. As listas telefónicas caíram em desuso, as telefonistas deixaram de existir, as cabines telefónicas desapareceram e a maior parte das pessoas já nem sequer usa o telefone fixo.

Ainda cheguei a ver as folhas das listas telefónicas serem usadas para cartuchos onde se colavam castanhas assadas. 

Para muitos era um “bicho-de-sete-cabeças” tentar procurar um determinado número na interminável lista mas para outros era um sinal de destreza e rapidez. Até havia a frase “Vá pelos seus dedos”. De A a Z encontrávamos tudo. Desde as empresas que precisávamos até aos nomes mais bizarros.

Bjs

Querido neto,

Tu és muito jovem, mas ainda te lembras do jeito que nos fizeram as páginas amarelas. Ali tudo dividido por profissões, lojas, restaurantes, etc, poupava-nos imenso trabalho. Ter telefone em casa, já era muito bom!

Mas quando me recordo disto, sorrio, porque me lembro logo de situações bem mais complicadas…

Quando eu era miúda, os médicos a quem os meus tios me levavam (sabiam que eles eram ricos) descobriam logo em mim doenças terríveis (assim recebiam mais dinheiro pelas vezes que iam lá a nossa casa…). O que eu passei, caramba!

Mas, muito de vez em quando, lá vinha uma coisa boa: um dia descobriram que eu estava mal dos pulmões e precisava de apanhar o ar da serra. Vai daí fui passar uma temporada para as Penhas da Saúde, na Serra da Estrela. Eu adorava estar lá, sobretudo quando, ao fim da tarde, apareciam as cabras com o pastor que as ia pôr no redil. Ainda hoje estou para perceber porquê, as minhas tias chamavam-lhes “as meninas da Covilhã”!

Mas o pior – num tempo onde ainda ninguém sonhava com telemóveis e num lugar onde só os Hotéis, a Casa de Turismo, ou restaurantes muito caros é que tinham telefone – era receber chamadas.

Então cada casa recebia um número (nunca me esqueci que o nosso era o 14…) dado pelo Turismo. As chamadas iam todas para o turismo. Então um empregado de lá vinha cá para fora com um apito e apitava tantas vezes quantos os números das nossas casas. Vá lá que o nosso era só o 14 – mas tínhamos de estar sempre atentos porque tínhamos logo de começar a contar a partir do primeiro apito! Agora imaginem os desgraçados que eram o 25 ou o 30 (parece-me que havia 30 casas naquele lugar)! Mas todas as casas estavam cheias e ninguém deixava de ir para lá viver por causa disso!

Como é que as pessoas aguentavam…

Agora lembrei-me da Maria José Valério e da canção A Menina dos Telefones, ainda nem eras sonhado, quanto mais nascido.

Velhos tempos, realmente.

Bjs