Prometi há semanas aos meus leitores fazer um texto sobre o que previsivelmente acontecerá na política portuguesa depois de 10 de março.
E na semana passada escrevi que a AD deverá ganhar as eleições, por uma razão ‘histórica’: nenhum partido cujo líder renunciou, se demitiu ou foi demitido de primeiro-ministro conseguiu vencer as eleições seguintes: o PSD perdeu depois da saída de Cavaco Silva, o PS perdeu depois da demissão de António Guterres, o PSD perdeu depois de Santana Lopes ter sido demitido, o PS perdeu depois da demissão de José Sócrates.
Desenvolvamos, pois, o cenário de uma previsível vitória da AD.
Tendo Pedro Nuno Santos dito – embora de forma confusa e atabalhoada, em três declarações diferentes sobre o mesmo assunto – que não obstaculizará um Governo da AD se a direita tiver mais votos do que a esquerda, o apoio do Chega não será necessário para esse Governo passar.
Com os votos a favor do PSD e do CDS, se o PS se abstiver, o Executivo de Montenegro será viabilizado – mesmo que o BE, o Livre, o PCP e o Chega se juntem para votar contra.
Nem a Iniciativa Liberal será necessária para esta solução – embora seja plausível um posterior acordo de Governo entre o PSD, o CDS e a IL, para reforço da maioria e dar ao Executivo uma imagem mais jovem, urbana e inovadora.
Sabendo-se que o PSD perdeu eleitorado jovem e urbano, a entrada da IL no Governo poderá compensar um pouco esse défice.
André Ventura tem feito muita força para participar numa plataforma de acordo que envolvesse também o Chega, mas tal não acontecerá. Nem o Chega teria vantagem nisso.
Toda a afirmação deste partido e do seu líder tem sido feita através do protesto, da indignação, do ataque político, e caso o Chega passasse a fazer parte do ‘sistema’ perderia todo o appeal.
Ou então tornar-se-ia um permanente fator de instabilidade, ficando com um pé no Governo e outro fora, com Ventura a criticar certas opções governativas e a fazer propostas inaceitáveis pelos outros parceiros, para não perder o protagonismo.
Por mais esforços que façamos, é difícil ver André Ventura no papel de homem bem comportado, a respeitar obedientemente a disciplina de voto.
E se o fizesse condenava-se a si próprio.
Mas atenção: ficando fora do Governo, André Ventura também não poderá votar sempre contra a maioria governamental.
E porquê?
Porque Pedro Nuno Santos prometeu que não inviabilizaria à partida um Governo de direita – mas não prometeu mais do que isso.
O Partido Socialista não será nunca uma muleta da AD.
Assim, se o Chega se juntar a ele para votar repetidamente contra o Governo, constituir-se-á uma ‘maioria negativa’ que, na prática, impedirá o Governo de governar (e, a prazo, o fará cair).
Mas, nesta hipótese, os dois partidos seriam fortemente penalizados, sobretudo o Chega.
Se se juntasse ao PS para derrubar um Governo de direita, o Chega cairia a pique.
Recordo o Executivo minoritário de Cavaco Silva em 1985, que enfrentou uma maioria hostil formada pelo PS e pelo PRD – e cuja queda determinou o fim deste partido e a primeira maioria absoluta do PSD.
Agora poderia acontecer o mesmo.
Tendo em conta o que ficou escrito, é de prever que, depois de 10 de março, o PS será o principal partido da oposição, e o Chega será o ‘fiel da balança’ do sistema.
André Ventura poderá fazer maioria quer com a AD quer com o PS, e nele estarão por isso focadas todas as atenções.
Para Ventura, será a prova definitiva.
Se for um simples troublemaker, perderá a sua oportunidade e comprometerá o seu futuro político.
Se, pelo contrário, conseguir jogar com isso para levar a água ao seu moinho, para levar o país para onde mais lhe convenha, aprovando certas leis e chumbando outras, reforçando a tendência conservadora e bloqueando as propostas radicais das esquerdas, poderá aumentar o seu capital político, fortalecer a sua imagem e surgir no futuro como um candidato plausível a um lugar no Executivo.
Mas isso exigirá muita cabecinha, muito talento e muito tato.
Que teoricamente não faltarão a Ventura.
A inteligência emocional é que o poderá trair.