Luís Mira: ‘O próximo ministro da Agricultura tem de ter peso político’

O secretário-geral da CAP lamenta a lentidão de Bruxelas a concretizar as alterações à PAC, o que está a provocar o descontentamento dos agricultores. E deixa vários recados ao próximo Governo.

Assistimos recentemente aos protestos espontâneos dos agricultores por todo o país. A CAP não se juntou e disse que preferia dar prioridade às negociações com o Governo. Esta sexta-feira vai haver uma marcha lenta dos agricultores algarvios na Estrada Nacional 125. Vão dar apoio?

Os agricultores algarvios são nossos associados e continua a haver iniciativas de associações locais a fazerem os seus protestos. Na vaga de protestos europeus, a CAP negociou com o Governo o pagamento da compensação do corte previstos para a agricultura biológica e para a produção integrada, no âmbito do Plano Estratégico da Política Agrícola Comum [PEPAC] e conseguiu o que pediu. Depois de termos conseguido não nos iríamos manifestar porque era curto o valor. Outra razão estava relacionada com o facto deste fenómeno que se observou à escala europeia ter sido realizado fora das organizações – inorgânico como chamam – e em Portugal disseram que não queriam nem partidos, nem organizações. Não fazia sentido associarmo-nos a uma coisa quando não nos queriam lá. Acredito que tenha havido associados nossos que tenham participado, 80% dos agricultores em Portugal estão ligados a associações filiadas na CAP. Temos um passado de manifestações, não é por haver um movimento que faz uma manifestação que temos de ir a correr atrás dele. Quando a CAP considerar que é importante fazer uma manifestação lá estaremos e apoiaremos sem nenhuma reserva.

Houve um efeito de contágio em Portugal?

Pela primeira vez na Europa, 17 países manifestaram-se no mesmo dia. Isso nunca aconteceu na história da Política Agrícola Comum [PAC] com mais de 50 anos. A razão, na minha opinião, deve-se ao facto de haver uma nova forma de as pessoas se contactarem, as chamadas redes sociais, como o WhatsApp ou o Telegram que são muito eficientes para a mobilização. Os agricultores portugueses começaram a receber imagens de França, da Alemanha com coisas a arder, com toda a excitação que isso representa, provocando um efeito de contágio que teve expressão a nível nacional.

Assistimos ao bloqueio da ponte da Chamusca…

Sim, assim como nas fronteiras. Somos uma organização com quase 50 anos de história e primeiro esgotamos a via negocial, só quando está esgotada então faz sentido protestar. Protestar primeiro e negociar depois não é a forma como funcionamos, porque a nossa preocupação é conseguir compensações para os agricultores.

A CAP acabou por integrar uma manifestação em Bruxelas

Foi convocada pela nossa congénere europeia, o COPA – COGECA. Existe um conjunto de questões europeias que têm de ser mudadas e houve uma abertura por parte da presidente da Comissão para fazer essa alteração que ainda não foi concretizada. Há uma lentidão muito grande neste processo europeu em termos de decisões. Depois do anúncio da presidente da Comissão Europeia ainda vai ao Conselho Europeu no dia 21 de março para ir depois ao Conselho de Ministros da Agricultura, no dia 26. Com isso já passou um mês e tal. Nestas situações de emergência tem de se arranjar uma forma mais célere para resolver os problemas.

Que alterações estão previstas?

Primeiro tem de haver uma flexibilidade nas questões ambientais. A presidente da Comissão já admitiu que as metas ambientais eram muito radicais e exigentes, apesar de não serem para perder de vista, são para dilatar no tempo. Esta é uma questão de princípio, além disso é necessário fazer um estudo do impacto dessas decisões, o que não foi feito. Uma das metas era a redução de 50% dos agroquímicos, os pesticidas, mas não se sabia qual era o ano de referência ou se era em toneladas ou se era em perigosidade. E para reduzir em 50% tenho de ter uma alternativa. Não posso dizer vou reduzir em 50% e depois o que é que faço? É a mesma coisa que dizermos que não queremos medicamentos e que agora só nos tratamos com chá e ervas, mas quando houve a covid todos esticaram o braço para um produto geneticamente modificado e poucos pessoas levantaram questões. Na agricultura é a mesma coisa. Sim senhor, não queremos estes produtos então qual é a alternativa? Não há alternativas, então não pode ser.

Sem essa alternativa não é possível fazer essa produção em massa?

Não, porque cai a produção. Vamos pôr o mundo à fome? É isso que pretendemos? O mundo não, porque os outros países estão-se borrifando para isso. Vamos pôr a Europa de joelhos perante o resto do mundo, sem autonomia alimentar?

E pôr em causa a própria soberania…

Com uma redução de 50% dos medicamentos para tratar doenças e para combater as ervas, a produção caía brutalmente. Isso são desejos e anseios de Frans Timmermans [vice-presidente da Comissão Europeia que pediu demissão em agosto de 2023]. O Green Deal [Pacto Ecológico Europeu] não é mais do que um conjunto de anseios da Comissão, alguns deles concretizaram-se nas políticas. Para atingirmos um objetivo temos de definir como é que se lá chega, não é dizer 50%. Porque é que é 50 e não é 35%? Porque é que é 35 e não é 27%? É preciso ter um estudo de impacto sobre essas decisões e dizer claramente como é que chegamos a essa meta, caso contrário ficamos sem comida. A Europa não se pode dar a esse luxo. Outra questão está relacionada com as condições para aceder à PAC que, entretanto, sofreram alterações.

Penalizando os agricultores…

Na anterior PAC, os agricultores recebiam 30% da verba se cumprissem determinadas condições, o que esta nova PAC trouxe foi: ‘Continuas a fazer o mesmo, mas dou zero. Cumpres as condições todas, compensação zero’, por isso, é que as pessoas se revoltaram em toda a Europa. O ambiente é muito importante e não há nenhum outro setor que trabalhe mais com ambiente do que a agricultura, mas não podem ser os agricultores com o seu dinheiro a suportarem os anseios climáticos e ambientais da população. O agricultor quando vem à cidade e vem dormir tem de pagar um hotel. Se as pessoas da cidade querem ter toda essa preocupação ambiental tem de haver uma compensação, aliás, como tinha e que foi retirada. E, ao mesmo tempo, que exigem regras tão duras do ponto de vista ambiental, depois deixam importar produtos que não têm essa preocupação. Ou seja, aqui proíbem-nos em nome da segurança alimentar, mas depois deixam importar produtos que não cumprem nada disso, como é o caso de Marrocos. Isso está a matar a agricultura europeia e os números estão à vista, entre 2010 e 2020 desapareceram na União Europeia três milhões de explorações, dá mais ou menos 35 explorações por hora. Eram 12 milhões e são agora nove milhões. E esta PAC foi concebida antes da guerra, antes da covid, antes do conflito no Médio Oriente, logo tem de ser ajustada, o cenário não é o mesmo. Não estamos contra uma agricultura mais sustentável e mais ambiental, outra coisa é o agricultor suportar toda esta situação e já para 2030.

Com estas paralisações há risco de haver falta de alimentos nas prateleiras?

Isso não se coloca. A Europa tem uma capacidade produtiva muito grande. Toda esta política Agrícola Comum não está minimamente focada no aumento da produção e na manutenção, mas nas questões ambientais e na sustentabilidade ambiental.

Os agricultores portugueses são mais prejudicados em relação aos agricultores europeus?

Somos mais prejudicados porque a nível nacional temos outro patamar de problemas. Primeiro porque houve uma destruição do Ministério da Agricultura. Não é possível implementar uma política nacional e que foi apresentada à Comissão Europeia com um ministério completamente inexistente. Tem de haver uma cadeia de comando que seja capaz de agir igualmente no território. Isso não é compatível com a existência de CCDR´s [Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional] a executar. Isso é um descalabro. É um nonsense total, não se consegue executar um programa nacional depois de se ter vendido às CCDR’s a ideia que cada uma pode fazer a sua política e fazer o que quiser. Não é verdade. Não foi isso que se entregou a Bruxelas, não é essa a PAC portuguesa, aquilo que o Governo vendeu aos presidentes das CCDR’s é errado.

Essa política poderá ser revista depois das eleições?

Não sabemos quem é que vai ganhar as eleições, mas espero que haja uma mudança e que essa mudança traga o recentrar das direções regionais com uma cadeia de comando direta. Não tenho garantia que isso vá acontecer, no entanto, se não acontecer é muito mau para a capacidade de execução da PAC em Portugal.

Mas nos últimos meses tivemos uma ministra em gestão…

Agora? A ministra nunca foi ministra. É um período horribilis da política agrícola, da agricultura em Portugal, não só pela sua aplicação, mas pela destruição do Ministério. As florestas têm de voltar ao Ministério da Agricultura. Nas florestas da Serra do Marão, as vacas pastam por baixo, portanto, a agricultura e a floresta estão juntas. Nos montados pastam vacas, ovelhas, porcos, logo a floresta não é uma coisa completamente separada da agricultura. Foi um erro. Todos os índices do INE relativamente à floresta caíram a pique, nunca houve memória de estarem em níveis tão baixos. Mas são necessárias mais alterações. Precisamos de ter um ministro com experiência política, com peso político e com ligação ao primeiro-ministro, porque o setor agrícola que ocupa mais de 90% do território português não se resume à pasta da Agricultura. Tem de envolver o Ambiente e tem de haver uma parceria, um entendimento, uma atuação em conjunto entre a agricultura e o ambiente que nunca houve. O ambiente tomou as rédeas dos seus assuntos e meteu a agricultura numa posição insignificante. Ponham a indústria, o comércio ou o turismo na tutela do ambiente e vão ver o que é que acontece. O que queremos é criar um Ministério do bom senso. Tinha um professor que dizia que havia uma vitamina difícil que era a vitamina BS, a vitamina do bom senso. Falta aqui bom senso e falta de peso político para dizer isto não pode ser assim.

Mas a CAP tem vindo a falar nos últimos tempos com o primeiro-ministro e não com a ministra da Agricultura…

O que interessava falar com a ministra que não tem peso político nenhum, que não consegue resolver nada? A CAP assinou um acordo de concertação para um pacto de redução dos fatores de custo, o IVA zero e as negociações foram feitas diretamente com o primeiro-ministro, a ministra da Agricultura nem nunca apareceu. O próprio Governo nunca a colocou nas negociações porque tinha consciência da sua realidade. Mesmo nesta reta final, nesta reposição dos cortes, o compromisso foi feito com o primeiro-ministro, a ministra não tinha capacidade, nem credibilidade para fazer este tipo de acordos. E em relação aos acordos espero que o próximo Governo não os vá rasgar. Imagine se todos os acordos que foram feitos com as várias empresas não fossem respeitados? Temos uma outra expectativa que o próximo Governo cumpra, até porque o acordo aponta para isso, que sejam feitas as alterações ao modelo da Política Agrícola Comum e que os pagamentos anuais de Bruxelas tenham um valor superior. Outra necessidade que a CAP tem vindo a referir diz respeito à necessidade de haver um investimento estrutural no uso eficiente da água com uma rede nacional de distribuição. O que pretendemos é que haja uma obra estrutural. Já existem planos desde a década de 50, portanto não há falta de planos, mas é preciso que seja concretizada uma rede que permita distribuir água de onde ela existe para onde não existe. E com isto não estamos a dizer que vamos retirar água aos do Norte para dar aos do Sul, vamos retirar a água ao mar para dar aos outros que não têm.

Como assim?

 Não vamos retirar a água às pessoas. Vamos retirar a água ao mar e, em vez de correr para o mar, corre para aqueles que têm mais necessidade. Esse é um fator de coesão territorial e de sustentabilidade ambiental. Lamento profundamente que este Governo não tenha aproveitado o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para fazer isso. Teve duas hipóteses. Na primeira não fez, na segunda, quando Bruxelas deu um adicional de 1.634 milhões poderia ter tido um rebate de consciência, mas como o Governo estava completamente obcecado e focado em utilizar essas verbas na despesa corrente no orçamento suplementar que tinha não optou por isso. Na minha modesta opinião, grande parte do resultado que tivemos no défice foi porque estes dinheiros foram todos utilizados em despesa corrente. Foi isso que nos ajudou, além da inflação, obviamente. Mas vamos pagar caro a médio prazo, quando os outros países, nomeadamente a Espanha, tiverem a aplicação desse dinheiro em investimentos produtivos e nós não tivermos nada. Depois há outro problema em relação à questão da segurança. É necessário existir um sinal claro, porque os roubos de cortiça, de azeitona e a destruição dos postos de transformação são uma realidade. Não é possível pôr um Guarda Nacional Republicano ao pé de cada equipamento.

Esses furtos sempre existiram ou agora acentuaram-se?

Houve uma vaga de furtos há dez anos, depois esteve mais ou menos parado, no entanto, nos últimos oito, dez meses, voltou a aparecer uma grande vaga. Tem de haver mais policiamento junto das entidades recetoras desses materiais que são conhecidas, por outro lado, devia-se apostar na tecnologia e colocar alguns marcadores, como fez, por exemplo, o Multibanco para evitar roubos, em que é largada tinta e as notas ficam inutilizadas. Não sei que tecnologia poderá ser feita, mas é necessário ver com as autoridades uma solução para o meio rural que está cada vez mais despovoado.

A CAP falou recentemente em perdas superiores a um milhão de euros nos furtos de postos de transformação nas explorações agrícolas…

Só nos equipamentos, porque se fizermos depois as contas à cultura, se estiver a regar é muito pior. Aí também a moldura penal teria de ser agravada, porque as pessoas que são apanhadas são soltas no mesmo dia, como a multa é de 1.500 ou dois mil euros nem sequer vão para a prisão. Assim não conseguimos resolver o problema. Mas não queria deixar de dizer que, relativamente ao acordo de redução do custo dos fatores de produção do IVA zero, o Governo não pagou ainda a totalidade das verbas. É vergonhoso e inaceitável.

Não havia um timing para isso?

Os timings foram todos ultrapassados e ainda falta pagar cerca de 20 milhões. Estou a ver que o Governo vai acabar e não vai pagar. Essa é uma marca que ficará para sempre: um Governo que não cumpre e que não honra os seus compromissos. Também é um Governo que não cumpriu o prazo no que disse respeito à campanha de 2023, demorou mais tempo do que nunca. Os pagamentos em toda a Europa foram antecipados para outubro, em Portugal foram adiados para janeiro e depois em janeiro foram cortados. Além de não cumprir os prazos não foi capaz de honrar os compromissos, mesmo atrasados. É um período horribilis para a agricultura nestes meus mais de 30 anos na CAP.

Estes 20 milhões poderão ser pagos pelo próximo Governo?

Espero que sim, mas foi um acordo, não foi um contrato.  É claro que a CAP irá protestar sobre essa matéria.

Qual era o prazo limite para fazer esse pagamento?

O prazo está mais do que ultrapassado, era para ser cumprido durante a vigência do acordo e este acabou em outubro. O Estado na agricultura é uma pessoa sem palavra, uma pessoa sem credibilidade. E é por isso também que existe esta indignação dos agricultores que se sentem maltratados, sentem-se vigarizados. Mas a ineficácia também se verifica no Programa de Desenvolvimento Rural (PDR), em que estão mais de 800 milhões para pagar. A CAP tem vindo, ano após ano, a chamar a atenção para isso e o próximo Governo vai ficar com esta pesada herança.

Sente que a agricultura está fora do debate político?

O tema da indústria, do comércio e do turismo teve destaque? Também não teve. O que vejo nesta campanha em todos os partidos é que há uma grande onda de coisas que não são verdadeiras e os verdadeiros problemas do país não são tratados. A questão da água, do PRR, a utilização eficiente das verbas comunitárias, a guerra na Europa e da alteração que isso vai trazer para todos os cidadãos e a questão da energia, que é a coisa mais importante para um país, a seguir à alimentação, não vi a ser falado. Leio os vários programas dos partidos para a agricultura e são um deserto.

A AD conta com Eduardo Oliveira e Sousa que é ex-presidente da CAP …

Eduardo Oliveira e Sousa é independente, não foi ele que fez o programa da AD e ele é que saberá em que condições é que aceitou.

Recentemente atacou o “ambientalismo radical” e falou em milícias armadas nos campos o que originou várias críticas…

Era o que me faltava virem dizer que a CAP é negacionista relativamente às alterações climáticas. Isso dá-me vontade de rir. E o próprio Eduardo dá-me vontade de rir. E uma coisa que é uma conversa de agricultores não é aceitável nesta fase. Quanto às milícias, não é que o Eduardo as defenda, agora que os agricultores se sentem espoliados e roubados e não veem nenhuma reação é verdade e em conversa de café poderão ter dito qualquer coisa como: ‘Temos de fazer milícias’ e a alusão dele é para evitar que isso aconteça.

Se a AD vencer o nome de Eduardo Oliveira e Sousa tem sido apontado como um dos possíveis ministros da Agricultura…

Há que ver o resultado das eleições e o que posso dizer é que o ministro tem de ter as características que já apontei: uma pessoa com experiência política, com peso político dentro do Governo e com uma grande proximidade ao primeiro-ministro, porque a agricultura não se extingue, nem se resume ao Ministério da Agricultura. Tem de envolver o Ambiente, a Administração Interna, as Finanças, a Segurança social. É preciso uma pessoa para resolver os problemas que neste momento existem na agricultura, no mundo rural, a existência de um Ministério da Coesão Territorial só aparece para um Governo que quer aniquilar a agricultura. Vamo-nos focar naquilo que é essencial, vamos focar-nos em darmos condições para que haja um verdadeiro desenvolvimento do mundo rural e do setor agrícola. Se tivermos um ministro que seja o último da hierarquia do Governo, os problemas vão-se aprofundar e vão trazer consequências muito negativas para o setor e para o mundo rural e para mais de 90% do território português e isso é grave. O que é que se tem falado na campanha? Funcionários públicos, saúde e impostos. É necessário no dia 10 alterar as coisas, porque não é na continuidade que vamos resolver os problemas. E não é credível que o Partido Socialista, se ganhar as eleições, vá mudar alguma coisa em relação a todas estas asneiras acumuladas durante este tempo. Um líder que foi ministro e não servia para estar no Governo, agora serve para primeiro-ministro?