A questão de quem ganhou as eleições de 10 de março tem muitas respostas. Quase todas são aritméticas, que são as mais importantes para formar o governo. Quase nenhumas são sobre ideias, que são as mais importantes para transformar o país.
Um dos pontos salientes dos resultados é a existência de uma clara maioria estatista, ou seja, que defende um papel ativo do estado na economia e na sociedade. Esta maioria é multifacetada. Mais extremados, o PCP e o BE defendem a renacionalização de empresas em setores como a banca, os correios e a energia e um controlo da ‘ameaça fascista’. O PS deseja uma política industrial ativa – em que o estado defina e proteja setores e investimentos considerados estratégicos ligados, sobretudo, à economia do conhecimento e à 4.ª revolução industrial –, enquanto que a sua mutação ‘trabalhista’ se aproxima dos grupos mais à esquerda em matérias referentes ao papel do estado na habitação, saúde e educação. O Chega (CH) afirma a necessidade de proteger empresas que, como a TAP, considera necessárias à salvaguarda da soberania e defende um reforço geral da capacidade repressiva e punitiva do estado. Ao todo são 139 deputados dos 226 eleitos até à data em que escrevo: 61,5%!
Destes, o CH o PCP e o BE (e, quem sabe, a ala trabalhista do PS e alguns conservadores da AD) são antiglobalistas, acreditando que os custos da abertura internacional superam os benefícios, preferindo colocar a nação primeiro lugar, social e economicamente. Interessantemente, estas contas complicam-se na imigração, pois o PCP e o BE, a que se juntam o Livre, o PAN e o PS, são profundamente liberais quando se trata da abertura a imigrantes. Estimando, apenas o CH e AD se poderiam entender sobre uma política de imigração pró-ativa e mais restritiva. Já as contas relativas às inclinações atlantista e europeísta são claras, formando o PS e a AD uma ampla maioria.
Resisto a chamar iliberais a estes grupos e deputados estatistas e antiglobalização, pois o liberalismo é uma casa muito grande que alberga muitas e diversas opiniões, que não se esgotam na questão de mais ou menos mercado. Estimaria que cerca de 25% dos deputados pertencem a grupos iliberais (CH, PCP e BE), porquanto disputam a primazia moral do indivíduo sobre quaisquer grupos identitários. Não obstante o que a esquerda afirma, os neoliberais, com o seu radicalismo antiestado, constituem uma clara minoria que se encontra representada principalmente nos oito deputados da IL.
E quanto à moral e costumes? Existe no Parlamento uma clara maioria social e culturalmente liberal, defendendo a tolerância e o respeito pelas escolhas e preferências feitas na esfera privada de cada indivíduo, e que exclui apenas o CH, o PCP e uma minoria conservadora da AD. Esta maioria tem expressão, por exemplo, no apoio ao direito ao aborto e à eutanásia ou ao casamento de pessoas do mesmo sexo. Contudo, o ‘wokismo’ ou o ‘identitarismo’ militantes são esposados apenas por uma minoria dos eleitos em números que, estimo, rondarão os 30 deputados (BE, Livre, PAN e, talvez, um quarto do grupo de PS).
Onde é que isto nos deixa? A palavra que me ocorre é moderação. Ou, remetendo para a conclusão de Francis Fukuyama em O liberalismo e os seus descontentes, onde se recorda que os gregos antigos tinham em «nada em excesso» uma máxima que consideravam uma das virtudes cardeais. Pena é que a aritmética das ideias não se traduza na aritmética dos números.