‘Temos umas dezenas largas de ordens de despejo por incumprimento’

Ricardo Leão revelou que ia despejar quem não pagasse a renda camarária e a câmara de Loures viu reduzir a taxa de incumprimento de 50 para 30% e recuperou 700 mil euros.

Anunciou que a câmara iria avançar com ações de despejos por falta de pagamento das rendas camarárias. Já há dados concretos?        

Vamos fazer esse balanço durante este primeiro semestre. Ainda não fez um ano de implementação do programa, mas já há dados interessantes. Por exemplo, a taxa de incumprimento que superava os 50% hoje já anda nos 30%. Em 2023, em relação ao ano de 2019, já recuperámos cerca de 700 mil euros.

Com medo de serem despejadas começaram a pagar?

Se há ilação que se tira deste último ato eleitoral, em que as pessoas ficaram muito preocupadas com os resultados do Chega, é que temos de ter direitos e deveres iguais para todos. Tenho essa consciência no meu concelho e sou do PS. Sou daqueles que acredita piamente, ainda mais este ano que comemoramos os 50 anos do 25 de Abril, que a maior parte dos portugueses tem consciência que parte dos seus impostos é para ajudar o Estado Social, mas é para ajudar quem mais precisa e o que acontece, em muitos casos, é que há quem se aproveite da falha do sistema, da falha de fiscalização. Isso irrita as pessoas por saberem que os seus impostos estão a ser pagos não para ajudar quem precisa, mas quem se aproveita deles. Por isso é que tomámos medidas. Foi duro? Foi e ainda continua a ser, mas as pessoas sensibilizaram-se e ou cumprem ou há ordens de despejo. Temos 2.500 fogos de habitação municipal, em que metade não pagava. Quando chegámos à Câmara, a dívida acumulada era de 14/15 milhões.

Com rendas na ordem dos 9 euros…

Eram rendas de 4,5 euros, porque a lei que permitia a atualização do valor para 9 euros e qualquer coisa é de 2014, no entanto, a anterior câmara de gestão da CDU nunca atualizou, mesmo sabendo que estavam em incumprimento. A grande fatia dos 50% de incumpridores residia nos 4,5 euros e agora reside nos nove euros e tal.

A_CDU fechou os olhos…

Fechou os olhos. Mas não queremos despejar pessoas, por isso, é que fizemos um plano de pagamentos que pode ir em casos excecionais até às 60 prestações. É notório e nítido que não houve nenhuma intenção da Câmara em despejar por despejar. As pessoas têm aderido, ainda assim, estamos com um conjunto de ordens de despejo.

Quantas já foram emitidas?

Temos umas dezenas largas de ordens de despejo. Constatámos aquilo que todos falamos: ocupações de casas, casas ocupadas de forma sazonal que depois levam a alugueres e a subalugueres, isto é, a negócios paralelos. Este tipo de ilegalidades comigo não. Esses são os primeiros que estão a receber ordens de despejo. Depois há casos, como por exemplo, de uma mãe que tinha dois filhos, o contrato estava em seu nome, faleceu e os filhos não têm para onde ir. Passámos o contrato para um dos filhos obviamente, claro que se houver dívidas terão de ser pagas.                                                       
É feito um contrato com novos valores?

Aí depende do rendimento. Se a mãe tinha um determinado rendimento e a renda que lhe era atribuída era de 10 euros, mas se o filho trabalha e de acordo com os cálculos deve ter uma renda de 80 ou 90 euros então tem de pagar esse valor, mas pelo menos, existe um contrato novo. Agora ocupações ilegais de casas, pessoas que nem responderam ao pedido por parte da câmara, pessoas que estão nas casas de forma sazonal para efeitos de negócio são alvo de despejo. E sabe porquê? Porque temos uma lista de espera de mil pessoas que querem casas e que querem pagar. Tem de haver direitos e deveres iguais e quando chegar ao fim do meu mandato é isso quero deixar no concelho de Loures. Outra questão é a água. É compreensível que nos 2.500 focos que existem de habitação municipal só houvesse 700 contadores ativos? Então os outros mil e tal viviam sem água? Havia roubos de água. Todos sabiam que isso acontecia, mas não se atuava. O que fizemos? Foram atribuídas novas competências aos municípios na área da educação, da saúde e na área social e é possível que os autarcas assim o queiram e, eu estou a fazê-lo, definir quem tem direito ao Rendimento Social de Inserção (RSI). Apliquei uma regra que é legal, os moradores de habitação social se não vierem à Câmara entregar a fatura da água em dia e a renda da casa municipal paga ou o plano de regularização da dívida em dia, a gente faz uma cruz e não recebe RSI.

Já aconteceram muitos casos?

Está a acontecer e aumentaram as filas na SIMAR [Serviços Intermunicipalizados de Águas e Resíduos dos Municípios de Loures e Odivelas] para colocar contadores de água.

Já foram recusados quantos RSI?

Neste momento não tenho os dados, mas já tem acontecido.

E no caso de regularizar pode voltar a receber o RSI?

Se cumpriu a sua obrigação tem o direito de receber RSI. Onde é que está o mal nisso? Dou outro exemplo. Num dos grandes bairros do nosso concelho, a antiga Quinta do Mocho, agora Urbanização Municipal Terraços da Ponte, vamos reabilitar as casas, utilizando parte da bazuca financeira do PRR. Tivemos a capacidade e a inteligência, ao contrário do anterior executivo da Câmara, de fazer essa intervenção, porque o senhorio que é a câmara também não estava a fazer o seu papel. Já ninguém sabia quem era quem, a Câmara não fazia as obras, as casas estavam indignas de se viver, chovia dentro das casas e o senhorio está a honrar com o seu compromisso. Podem-me dizer que é à custa do PRR, mas respondo que fomos inteligentes, agarrámos essa verba e estamos a reabilitar os fogos na Quinta do Mocho, na Quinta da Fonte, etc. Estamos a reabilitar as habitações não só no exterior, a pôr janelas duplas, mas também no interior. Isso também permite às pessoas dizer que o senhorio está a cumprir e agora é a sua vez. As pessoas hoje perceberam que no concelho não há hipótese de duas coisas: uma de incumpridores e outra de construção de barracas. A primeira barraca que for construída é demolida imediatamente. O tempo em que se chegava aqui, fazia-se a barraca, já foi. Quando fizermos o balanço desses dados vamos provar que a população do concelho de Loures sabe que aqui funcionam deveres e direitos iguais para todos e isso é algo que o país e o Governo, seja ele qual for, deveria repensar, porque é isto que irrita as pessoas, é saber que desconta e depois há uns que se aproveitam disso. Aqui não, até porque era injusto para os 50% que pagavam. E posso dizer que tive uma excelente votação nos bairros de habitação municipal.

Parte do PRR não vai ser usada para a construção de casas novas?

Vamos construir 421 fogos novos.

Insuficiente para os pedidos…

Sim, porque já que temos uma lista de espera de mil, mas é um passo importante. Mas também não sei quanto é que destes 2.500 fogos vamos aliviar. É provável que se consiga chegar a uma boa resposta.

Em relação à Jornada Mundial da Juventude disse que 80% do investimento ficaria no concelho. Já é visível?

Comprometemo-nos a apresentar as contas quando a Fundação da Jornada Mundial da Juventude as apresentar. Tínhamos previsto gastar cerca de 10 milhões de euros e foram gastos sete milhões e pouco, grande parte dessa verba foi para a infraestruturação do parque. Uma pequena parte, mas necessária foi para alugueres das casas de banho, etc., e o que disse é que a grande fatia ficaria na reabilitação de todo aquele espaço que neste momento está a ser intervencionado para se fazer o tal parque verde. O Governo está a fazer um investimento de quatro milhões para dotar aqueles 35 hectares de zona verde e que vai contar com espaços de restauração, equipamentos desportivos e será designado, espero que a Câmara assim o aprove, o parque Para Francisco. Assumimos esses resultados positivos seriam distribuídos em projetos para a área da juventude. Vamos fazer um programa de Orçamento Participativo Jovem para que os jovens nos deem ideias onde querem que esse dinheiro seja investido.

Outra dor de cabeça é o hospital Beatriz Ângelo e até chegou a dizer que o ministro da Saúde era uma desilusão…

Não disse que era uma desilusão, disse que estava desiludido por uma matéria em concreto. Houve uma reunião onde estive, em que houve um compromisso e este não foi concretizado e quem me conhece sabe que penso pela minha cabeça e tive que manifestar o meu descontentamento. Tem-se falado muito do hospital Beatriz Ângelo e que o presidente da Câmara tem defendido as PPP. Desde o início que tenho duas posições: ou o Governo iniciava um processo claro, legislativo de transição para um modelo de gestão hospitalar que desse mais liberdade orçamental e de contratação aos gestores hospitalares ou se não fosse essa a visão do Governo então que iniciasse rapidamente uma parceria público ou privada. O Governo optou pela criação das unidades locais de saúde, em Loures temos duas, a de São José que abrange toda a zona oriental e o Beatriz Ângelo a parte norte. É neste último que reside o maior problema. Comprometi-me, e estamos a fazer, a criar uma boa rede de saúde primária: centros de saúde e unidades de saúde familiares. Estamos a fazer um investimento nunca antes visto. Estamos a construir o novo centro de saúde do Tojal que em princípio será inaugurado em junho. Vou iniciar ainda este ano a obra do novo centro de saúde da Bobadela e recebi recentemente a autorização e vou lançar concurso para se iniciar a obra do centro de saúde de Camarate. São cerca de 20 milhões de investimento nos centros de saúde que o município de Loures está a fazer, além dos 2,5 milhões de requalificação dos atuais centros de saúde. Porquê este investimento? Porque acredito piamente que uma boa rede de saúde primária vai trazer vantagens. Primeiro, as unidades saúde familiares passarão todas a modelo B – têm mais liberdade e a remuneração passa a estar dependente do desempenho de cada um – e, a par de criar melhores condições de oferta, pelo menos, físicas, aos utentes e aos profissionais, também é importante do ponto de vista remuneratório. A decisão do médico ficar no SNS passa em muito pela questão remuneratória, mas também pelas condições que lhes são dadas em termos de trabalho. Tínhamos no concelho de Loures centros de saúde que eram de fugir, sem dignidade nenhuma, em que chovia lá dentro. Com este investimento estamos a criar condições e é mais um fator de atratividade para o médico se fixar no concelho. O centro de saúde do Tojal funcionava numa vivenda sem condições nenhumas, os médicos estavam a sair em debandada, quando assumimos que íamos fazer um novo centro imediatamente colocámos contentores que tinham muito mais dignidade e isso significou termos mais dois médicos. Por outro lado, a nova unidade local de saúde vai ter novos horários, mais alargados para que essa rede de saúde primária funcione verdadeiramente e que possa aliviar as urgências do hospital Beatriz Ângelo.                                                      
Para deixar de entrar em rutura…

Com esta rede de saúde primária e com o investimento que estamos a fazer acredito que muitos deixem de ir às urgências, tal como acontece agora, porque o utente passa a ter respostas. Espero que o Governo que venha não recue, porque já não estamos em fase de experimentalismos.

Nos últimos anos, o Ministério da Saúde tem vindo a reforçar as verbas para a saúde, mas os problemas continuam…

O problema são os médicos e se há profissão que tem de ser bem paga é a de médico. O médico para ficar no SNS precisa de ter condições de trabalho atrativas. O hospital Beatriz Ângelo é um hospital novo e tem todas as condições de trabalho. Os centros de saúde também vão ter. Estou convicto que com estas unidades locais de saúde vamos dar um passo muito significativo naquilo que é a resposta em termos de médicos. Temos 50 a 60 mil utentes no concelho de Loures sem médico de família e é deste ponto que temos de partir. Falou no investimento feito nos últimos anos, mas não nos podemos esquecer que tivemos uma situação pandémica. Aliás, esta parceria público privada, por muito que se possa dizer o contrário, acabou, mas não foi por vontade do Governo. Nessa altura, era Marta Temido ministra e a parceria acabou porque o privado não a queria renovar, pois entendia que o Governo tinha que comparticipar à volta dos 30/40 milhões de prejuízos hipotéticos que tiveram no âmbito do combate à covid. O Governo entendeu não o fazer e até disseram que de forma legal dificilmente o poderiam fazer. O Governo até pediu para renovar por mais um ano para preparar um caderno de encargos para uma nova parceria público privada.

Não foi uma questão ideológica?

O Governo não teve disponibilidade para ter um caderno de encargos pronto para o lançamento do novo concurso porque estava centrado no combate à covid e a salvar vidas.              

A AD defende as PPP…

Não tenho nada contra as parcerias público privadas. Para mim, o modelo que funcione melhor e que sirva melhor a população do concelho de Loures está bom. Não tenho qualquer reserva ideológica sobre qualquer modelo, longe de mim, isso é uma questão para o Bloco de Esquerda e para o PCP.

Estava à espera do resultado destas eleições?

Não estava à espera deste volume, em termos de votação, aliás, Loures foi dos concelhos que mais participação teve, chegámos aos 70%, o que para um presidente de Câmara é um motivo de satisfação.

O PS foi o partido mais votado em Loures…

O PS em Loures teve uma votação acima da média nacional: quase 32%. A segunda força política foi o PSD com cerca de 21% e o Chega teve 19%, depois a CDU baixou para os 5,4%.

Em relação às eleições, Pedro Nuno Santos assumiu nessa noite a derrota sem esperar pelos resultados finais…

Pedro Nuno Santos disse de forma clara que não há tempo a perder, o Partido Socialista está na oposição e é nessa oposição que quer ficar. Neste período deve perceber os erros que foram cometidos e, acima de tudo, reconhecer que há um eleitorado que votou no Chega que é PS e há que recuperá-lo. É um eleitorado do PS que ficou descontente e votou no Chega como um voto de protesto, mas que quer voltar a votar PS. Não estamos a falar de um eleitorado de 1,1 milhões que concorda em 100% com as ideias do Chega. Tivemos um Governo do Partido Socialista durante oito anos, tivemos crises pandémicas, guerra na Ucrânia, taxas de inflação que não se registavam há 20 anos e as crises são tradicionalmente os palcos preferidos dos extremistas, dos populistas. Os populistas alimentam-se do quê? Dos momentos de crise, mas em nenhum momento o Governo do PS, liderado por António Costa, deixou alguém ficar para trás. Na crise sanitária, e as pessoas não têm de ter memória curta, se houve um Governo na Europa que esteve ao lado das pessoas foi o Governo do PS. Se houve Governo na altura da crise pandémica que esteve ao lado das microempresas e das empresas pequenas foi o de António Costa. Se as pessoas foram aumentadas como foram foi devido ao PS. O PS nunca deixou de cumprir e de honrar os seus compromissos. Na minha opinião, o que aconteceu foi demasiados casos e casinhos e uma má gestão comunicacional por parte do Governo nestes casos e casinhos. Por outro lado, tivemos taxas de crescimento acima da média da Europa, vimos a dívida pública a baixar e temos hoje condições financeiras que não tínhamos e que se deve ao Partido Socialista e que permite agora ao novo Governo optar por o que quiser. Agora uma coisa é certa, o PS geriu mal os casos e casinhos que foi tendo ao longo do tempo. Digo com toda a frontalidade geriu mal, muito mal e provocou desgaste, mas para com este desgaste até digo que o resultado nem foi mau. O da AD é que foi péssimo. Então a AD não teve tempo para se preparar? Então depois de um Governo com estes casos e casinhos, o PS quase que empata as eleições? A AD não teve a capacidade de se descolar. Para mim, nitidamente o vencedor destas eleições foi o Chega, gostemos mais ou gostemos menos.

André Ventura disse numa entrevista ao i que estava a seguir o exemplo dele, até porque viu os resultados que o Chega tem tido…

As propostas que tenho avançado, tenho-as feito com convicção, que é assim que se resolve muitos dos problemas – e de repor o lema que tenho: direitos e deveres iguais para todos. Fiz isto, mas sou do PS. Há gente dentro do PS que concorda com esta postura? Não concorda. Há muita gente do PS que já me veio dizer isso, mas tenho de dar uma resposta à população do concelho de Loures e é para eles que tenho de trabalhar. Não deixo de ser menos do PS e não deixo de defender a ideologia do partido. Até pelo contrário, estou a defender aquilo que é o Estado Social, mas para quem precisa.

A líder do Bloco de Esquerda pediu reuniões a todos os partidos esquerda. Acredita que é para concertar posições?

É como esta moção de censura do PCP. Acho que isto são provas de sobrevivência que o Bloco e o PCP neste momento estão a querer fazer. É completamente extemporâneo estas tomadas de posição, quer do Bloco, quer do PCP. Pedro Nuno Santos foi claríssimo. Não aprovamos moções de censura, mas também não nos provoquem nas questões das moções de confiança. Neste momento, a AD tem de se entender com quem realmente tem de se entender. Tem à direita uma panóplia de opções que tem de tomar.

Depois de António Costa se ter demitido chegou a dizer que não acreditava que havia uma agenda política escondida no Ministério Público. Ainda acredita nisso?

Continuo e quero continuar a achar que não há nenhuma agenda escondida do Ministério Público. O Ministério Público faz o seu trabalho.

Em agosto mostrou-se disponível para liderar lista da Federação do PS de Lisboa. Continua disponível?

Estou disponível e vou-me candidatar. Com as eleições legislativas e europeias, as eleições para as federações do país devem ocorrer em princípio em outubro e em outubro lá estarei para ser candidato a presidente da Federação de Lisboa.

Haverá uma lista única?

Os militantes são livres de tomar as suas opções. Tenho falado e tenho conversado com todas as estruturas e concelhias e, em princípio, será lista única.