Comissões. “Tem falhado a autorregulação dos bancos e a supervisão”

O valor das comissões bancárias não tem subido, mas também não tem caído. Deco Proteste alerta que há muitas que nem fazem sentido e que ainda há muito a fazer para que o consumidor não seja prejudicado.

As queixas de quem está cansado de pagar comissões bancárias – ou com preços elevados – são muitas. E as vozes que alertam ao ‘abuso’ das mesmas também se têm feito ouvir.

Ao i, Nuno Rico, especialista em assuntos financeiros da Deco Proteste – uma das associações que mais tem apelado à redução da cobrança das comissões – revela que estas “são uma forma de os bancos obterem receitas pelos produtos e serviços disponibilizados”, defendendo que o principal problema é que “uma boa parte delas são injustificadas ou de valor desproporcional para o serviço efetivamente prestado”. Nesta análise, adianta ainda o especialista, “não nos podemos esquecer que, na relação comercial entre o banco e o cliente, este último disponibiliza o seu dinheiro para que a instituição financeira possa obter legitimamente rentabilidade com o mesmo através de financiamentos, por exemplo, cobrando os respetivos juros”, acrescentando que, nos dias de hoje, o cliente “disponibiliza o capital dificilmente é ressarcido, através de juros recebidos, por esta cedência do seu capital”.

Questionado sobre o que tem falhado para que as comissões continuem com valores elevados e sem grandes mudanças nos últimos anos, Nuno Rico, não tem dúvidas: “Tem falhado a autorregulação dos bancos e a supervisão”.

O responsável atira que durante o período dos juros baixos, as instituições bancárias “argumentaram que subiram as comissões para compensarem a redução da margem financeira, mas agora que as taxas subiram de forma muito significativa nos dois últimos anos, não assistimos a qualquer movimento de descida das comissões, apesar dos apelos do governador do Banco de Portugal”.

Nuno Rico atira ainda que os resultados da banca em 2023 “mostram precisamente isso, enquanto a margem financeira aumentou cerca de 70%, as comissões reduziram-se cerca de 2%, derivado exclusivamente de proibições ou limitações introduzidas recentemente pela legislação”. Do lado da supervisão, acrescenta, “temos assistido a uma certa passividade ao longo do tempo”. E dá como exemplo a lei que, desde 2015, “impõe que uma comissão só pode ser cobrada por um serviço efetivamente prestado”. No entanto, até ao ano passado, “o regulador permitiu que uma comissão tão bizarra e injustificada como a de processamento das prestações continuasse a ser cobrada”, lamenta.

A verdade é que as comissões têm estabilizado nos últimos anos. No entanto, também não têm descido, o que as mantém em valores elevados. “Os responsáveis dos principais bancos alegam que nos últimos tempos não têm aumentado as comissões nos seus preçários, mas não as baixaram, depois de uma subida muito significativa ocorrida na última década”, acusa Nuno Rico, lembrando que existem até movimentos contrários, como é o caso do Novo Banco, que, no início deste ano, aumentou em mais de 25% o custo mensal da sua principal conta à ordem. “Além disso, temos assistido à utilização de outros estratagemas, algo perversos, para aumentar a receita com comissões, nomeadamente através da redução das isenções ou dificultando o acesso às mesmas”, acusa o mesmo responsável.

Preços não devem descer e há comissões desnecessárias O i tentou ainda perceber junto da Deco Proteste se existe alguma possibilidade de os preços das comissões bancárias descerem. “Uma tendência para descer não nos parece expectável”, considera o responsável, adiantando que “a estabilidade agora ocorrida deve-se essencialmente à subida das taxas de juro. Assim que estas voltem a descer, certamente que os bancos vão-se voltar novamente para as comissões”.

E, afinal, quais são as comissões que mais penalizam os clientes? Nuno Rico é perentório: as de manutenção de conta, “pelo valor e injustificação”. “Ter uma conta bancária é, hoje em dia, essencial. Não só devido à crescente desmaterialização do dinheiro, como até para nos relacionarmos com as Finanças ou Segurança Social, por exemplo”, começa por lembrar. Por isso, “suportar cerca de 70 euros anuais apenas por possuir uma conta, tendo ainda que pagar por todo e qualquer outro produto e serviço que utilizemos não tem qualquer justificação”, defende. Além de que, “nas contas à ordem, dificilmente recebemos qualquer retribuição por disponibilizarmos o nosso capital ao banco, sendo o cliente assim duplamente penalizado”, diz o especialista em assuntos financeiros da Deco Proteste, lembrando que ainda existem outras comissões “cujo o valor se pode considerar excessivo, como por exemplo, as comissões iniciais num processo de crédito à habitação que rondam os 900 euros em média”.

Questionado sobre qual o género de comissão que considera mais desnecessária, o especialista da Deco Proteste diz que, além da manutenção da conta, está a comissão de transferência interbancária quando realizadas através do homebanking. “Pagar, em média, 1 euro por uma operação em que todo o trabalho e risco pertence ao consumidor parece-nos injustificado”, acrescentando que o montante cobrado pelas anuidades dos cartões “também nos parece de difícil justificação, tendo em conta aquilo que eles permitem poupar aos bancos”. Mas, desde o ano passado, adianta Nuno Rico, “que várias comissões completamente desproporcionais ou injustificadas deixaram de existir graças a um longo trabalho de denúncia das mesmas efetuado pela Deco Proteste e que o legislador decidiu finalmente transformar em lei”. Em causa estão, por exemplo, a comissão de processamento da prestação, da alteração de titulares, habilitação de herdeiros, depósitos de moedas ou fotocópias.

Além disso, muitos bancos têm reduzido o prazo de validade dos cartões de crédito e de débito. O i questionou Nuno Rico se considera que este seja um ‘truque’ para cobrar mais comissões. “Há mais de uma década, os bancos cobravam as comissões relativas aos cartões apenas no momento da emissão ou renovação do mesmo”, disse,a adiantando que desde há muitos anos a esta parte, “decidiram alterar esta comissão para uma anuidade, independentemente do cartão só ser renovado a cada 3 ou 5 anos, criando assim um custo fixo pela utilização deste meio de pagamento”.