O Chega veio para ficar

Os partidos tradicionais nasceram para a mera gestão quotidiana e não para refundar. E é esse o cerne da questão.

De início, quando o Chega tinha um deputado no Parlamento e representava cerca 30.000 eleitores, o Chega era um partido irrelevante de nazis e fascistas, certo, mas que desapareceria na primeira esquina da História, ou seja, no seguinte ato eleitoral. Mas, dois anos depois, o Chega elegeu 12 deputados e reuniu cerca de 480.000 eleitores. Dado ser improvável existirem tantos nipo-nazis-fascisto-salazaristas, o Chega virou, um partido ‘racista, xenófobo e misógino’. Mais dois anos, o Chega reúne um milhão e duzentos mil votos e senta no Parlamento 50 deputados. Ora, na impossibilidade de existirem tantos misóginos, racistas e xenófobos, as luminárias do sistema aceitaram, pela primeira vez, bater (moderadamente) no peito e dizer ‘bom, algumas culpas tivemos nisto, não estamos a governar bem, temos de mudar e, se mudarmos, o milhão e tal de descontentes e de zangados regressam ao redil e esse Ventura é devolvido ao futebol’. Nas próximas eleições, quando o milhão e duzentos mil de zangados se transformarem em dois milhões e quinhentos mil furiosos é que as luminárias do sistema descobrirão, finalmente, que desde há dezenas de anos que seguem as políticas erradas as quais, por cobardia política e custos de curto prazo se recusam a alterar avançando, para tal, com as tão famosas reformas estruturais de que todos falam mas às quais ninguém se arrisca a meter ombros.

Porque a questão é precisamente essa: a gestão de curto prazo deste desastre deslizante que tem sido e cada vez mais é, a governação de Portugal. Todos conhecem o diagnóstico da doença. Todos sabem quais os medicamentos para curar de vez essa doença. Mas ninguém quer assumir os custos políticos de curto prazo exigíveis para pagar a cura.

André Ventura e o Chega sabem tão bem quanto os outros líderes partidários e os demais partidos qual a doença e qual o método de cura. Mas têm, sobre esses outros líderes e esses outros partidos, uma vantagem determinante e decisiva: têm a coragem política e a energia mais do que necessárias para meterem ombros à tarefa.

Alterar profundamente a máquina do Estado transformando-a num todo funcional, organizado e eficiente vai confrontar-se com inúmeras resistências oferecidas por uma imensa teia de interesses instalados ao longo de décadas, mas é essencial fazê-lo para que a vida de todos seja mais leve e a Economia volte a crescer de forma significativa e constante. Alterar profundamente as políticas públicas de Saúde, Educação e Segurança Social irá defrontar-se com resistências ideológicas, rotinas adquiridas e uma miríade de interesses financeiros entrelaçados com mais ou menos sofisticadas redes de grande e pequena corrupção. Mas é uma tarefa urgente e indispensável para devolver aos cidadãos uma saúde pronta e eficaz, uma Educação livre e rigorosa e um mínimo de bem-estar.

Retirar o Estado de onde não deve estar para o reforçar onde ele é indispensável é devolver aos portugueses a liberdade perdida.
Finalmente, a baixa acentuadíssima de impostos que as reformas acima referidas permitiriam representará devolver aos portugueses a propriedade privada de que hoje já pouco usufruem e as rédeas do seu próprio destino.
Mas isso não o conseguem fazer os partidos tradicionais: nasceram para a mera gestão quotidiana e não para refundar. E é esse o cerne da questão.