Estratégias políticas de adaptação e a lógica das Guerras

Os próximos meses de verão com a possível ofensiva militar russa, poderão ser dramáticos para a soberania da Ucrânia e aumentar assim a insegurança na Europa.

Numa altura em que se comemora oficialmente o 75º aniversário da Aliança Atlântica, a Europa vive um momento político e estratégico algo estranho. Tudo tem acontecido de forma acelerada e onde a a expetativa impera. A guerra na Ucrânia e as atitudes expansionistas da Rússia vieram reconfigurar o pensamento e a estratégia da NATO. Ao ser colocada em causa a segurança europeia, ainda que percecionada de forma diferente pelos países europeus, novos desafios e prioridades se colocam no horizonte.

O continente europeu e em especial a União Europeia têm vivido estas décadas com elevado pragmatismo, e numa geopolítica de constante adaptação. Em dois anos a principal potência económica europeia a Alemanha, que alinhou a sua estratégia industrial energética com a Rússia, através do grandes projetos como o Nord Stream (gás natural), viu-se obrigada a reformular completamente esta dependência. Só o conseguindo com êxito e sem grandes roturas estruturais e sociais, pela sua enorme capacidade económica e de realização. Por outro lado os modelos europeus de desenvolvimento económico e financeiro sustentado, os equilíbrios sociais, do trabalho e das empresas, os programas de integração europeia, o reforço das instituições e dos apoios à igualdade, da democracia a da liberdade, foram sempre vetores indissociáveis e únicos da realidade sempre complexa do projeto europeu.

As políticas ambientais e climáticas emergentes e os consequentes desenvolvimentos estruturais energéticos de baixo carbono e energia limpa, a par da transição digital, todos eles exigiram estratégias claras de adaptação e configuração aos modelos em curso na sociedade europeia. A paz e a segurança dos Estados e do espaço europeu surgiam quase sempre como um bem adquirido de longa duração. Se bem que as ameaças e o espaço conflitual fossem reduzidos, a NATO e os EUA foram sempre ao longo das últimas décadas, o elemento estruturante da garantia da segurança e da defesa europeia. Desta forma toda a visão geopolítica foi passando quase sempre pelo posicionamento estratégico de ajustamento e muitas vezes de alheamento. Ou seja um tempo propício à elaboração de cenários geoestratégicos com objetivos indefinidos e vagos no seu alcance, face aos desenvolvimentos geopolíticos em que o sistema internacional é pródigo.

Em todos os grandes temas a Europa foi criando e desenvolvendo, modelos, pacotes, roadmaps, plataformas, planos e estratégias, quase todas eles prevendo os cenários mais prováveis onde as prioridades seriam quase sempre modelos de adaptação. Foi assim nas crises financeiras, energéticas, climáticas, da inflação, da autonomia da defesa europeia, do Covid, e também na perceção dos populismos extremistas. Muitas destas estratégias foram no entanto realizadas, diga-se, com inegável sucesso, como foi o caso do combate à pandemia do Covid.

O problema é que a guerra na Ucrânia pode ser um tema e uma preocupação bem mais complexa e de consequências imprevisíveis para o futuro. Exige mesmo uma articulação geopolítica que possa ir além das normais estratégias de adaptação. Exige certamente um pensamento e um modelo de rotura com os pressupostos anteriores. O mesmo também se aplica à própria NATO, que agora em processo de consolidação do seu alargamento, terá de redefinir e clarificar objetivos. Também a atual Administração dos EUA, em véspera de eleições, parece navegar em cenários de intervenção pouco esclarecedores e consolidados. Todas estas hesitações originam as várias vozes e os muitos desalinhamentos e dissonâncias que percorrem o espaço político europeu e dos EUA.

Este é um tempo de difícil perceção e alcance, onde as estratégias de ajustamento e de rotura também elas se entrecruzam. As duas guerras que assistimos em direto no espaço mediático, são conflitos de elevado risco no sistema internacional e que contrariam qualquer modelo de simples ajustamento e continuidade. No caso da guerra entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza, e a instabilidade no Sul do Líbano, que se pode estender perigosamente a outros pontos da região, exigiria dos EUA e das grandes potências um verdadeiro e coerente plano de paz e de segurança para Gaza e para a região. Em boa verdade, nada de substancial existe e é colocado em cima da mesa, com a exceção das continuadas negociações sobre os reféns e prisioneiros e um eventual período de cessar-fogo entre as partes.

No caso da Rússia a realidade não é muito diferente. Os próximos meses de verão com a possível ofensiva militar russa, poderão ser dramáticos para a soberania da Ucrânia e aumentar assim a insegurança na Europa, em especial nos Estados vizinhos. A satisfação dos pedidos urgentes da Ucrânia, reafirmados nesta Cimeira da NATO, de sistemas de defesa antiaérea (Patriot) e outros sistemas, munições de artilharia e meios de combate, para garantir em tempo a defesa da Ucrânia, são um patamar estratégico de decisão. As fragilidades, a dissonância e as hesitações, por norma não favorecem a segurança, a defesa e a desejada procura da paz no espaço europeu.

Eduardo Caetano de Sousa – Coronel e especialista em geopolítica

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