O discurso de campanha e a margem com que foram ganhas as eleições legislativas, colocam no atual primeiro-ministro, Luís Montenegro, e apenas sobre ele, uma enorme responsabilidade. No seu exaltado e repetido discurso de campanha, foram feitas inúmeras críticas ao desgastado governo do Partido Socialista e foram feitas muitas promessas a variados setores da sociedade portuguesa. As críticas obrigam-no a uma total distância e alergia às práticas que tanto culpou. As promessas obrigam a mais despesa, mais talento e melhor organização. A credibilidade e sustentabilidade do primeiro-ministro depende efetivamente da capacidade de honrar a promessa feita, de honrar a palavra dada aos portugueses.
Agora, chegou a oportunidade e o momento da verdade. Tem agora a possibilidade de provar aos mais duvidosos das suas capacidades executivas, grupo onde me incluo, que as reservas eram injustificadas. Quanto a resultado… A mais magra margem de sempre em eleições legislativas coloca precisamente a sustentabilidade do governo na capacidade que este terá de provar fazer bem feito. Tenho, por isso, muita dificuldade em acompanhar o raciocínio do primeiro-ministro quando coloca a responsabilidade da sustentabilidade do Governo nas forças da oposição. À oposição, por definição, cabe criticar, propor alternativas e escrutinar. Se o governo fizer bem feito e tal for reconhecido pelos portugueses, não há oposição que se atreva a votar maioritariamente uma moção de censura. Os 4,5 anos que o primeiro-ministro reclama, dependem essencialmente da sua competência e quase nada da disponibilidade dos adversários para o efeito. Pedir, no discurso de tomada de posse, que o deixem trabalhar quando ainda nada fez, soa-me a queixume desprovido de legitimidade.
Luís Montenegro só está refém de si próprio. Conseguiu a proeza de juntar um conjunto muito respeitável de competências no Conselho de Ministros. O Governo é indiscutivelmente, do ponto de vista das personalidades que o constituem, muitíssimo superior ao anterior governo socialista. Tem como presidente da Assembleia da República um seu aliado e alguém em quem confia, e como líder do grupo parlamentar o seu mais próximo aliado, que reúne todas as competências para executar a missão em grande estilo. Ou seja, Luís Montenegro tem condições únicas para executar a missão que se propôs executar.
Tem agora de reorganizar o país; o excesso de burocracia cujo único responsável é precisamente o Estado que agora gere. Tem de resolver a desorganização do sistema de saúde, do sistema de justiça, da educação e da segurança social. Tem de definir a estratégia de desenvolvimento da economia portuguesa, idealmente alinhada com os investimentos em investigação e desenvolvimento, nomeadamente do ecossistema científico público. Tem de assegurar a defesa oceanográfica, a rede de água, a rede e sistema energético. Sem criação de riqueza não há desenvolvimento, não há qualidade de vida, não há democracia funcional. Vai ter de encontrar forma de travar a saída de jovens qualificados, vai ter de promover o desenvolvimento da habitação pública, vai ter de rever os modelos laborais e idealmente, se quiser ser verdadeiramente reformador, o sistema político.
Luís Montenegro ocupa agora o cargo que faz décadas ambiciona. Apesar da margem mínima, foi capaz de convencer um grupo de eleitores maior que qualquer dos adversários. Com um governo de qualidade muito superior ao que seria de esperar, apenas está refém de si próprio.
Aguardemos para confirmar ou retirar as desconfianças e reservas que a falta de provas provadas em fazer bem feito, e a ausência de um projeto e duma estratégia para o país, teimam em manter.