Pais mais que imperfeitos

Nós, pais, temos o direito e até o dever de sermos verdadeiramente imperfeitos e exigir que eles sejam melhores. É para isso que servimos. No fundo não somos exemplo, somos teoria.

Os pais querem que os filhos leiam, mas os pais não leem. É assim como fumar, beber álcool, insultar os condutores do lado, arrumar os quartos, fazer desporto, não passar horas no scroll do telemóvel, deitar cedo, comer legumes e tantas outras incoerências. Este é um dos grandes problemas que nos assola quando somos pais. A incoerência. Pai que é pai, não educa à sua imagem e semelhança. Isso é com Deus. Nós, tristes mortais imperfeitos, apenas tentamos fazer dos nossos filhos aquilo que os nossos pais quiseram fazer connosco: o melhor possível. Sem sucesso, obviamente. Tentamos cumprir uma espécie de cartilha de boa educação, mas sabemos, ainda antes de a abrir, que não vai ser cumprida. Nem por eles nem por nós.

É com isto que temos de aprender a viver. Quando descobrimos que não faz mal nenhum dizer uma coisa e fazer outra, experimentamos uma vivência mais feliz, mais descontraída e até mais saudável. Se queremos viver com verdade, temos primeiro de assumir a mentira. Faz o que eu digo e não ligues ao que eu faço: é um lema válido e verdadeiro para pais. É óbvio que a maioria dos pais teve más notas, mentiu aos pais e até roubou o carro da mãe. Beberam álcool, fumaram às escondidas e sei lá mais o quê. Mas isso não nos retira o direito de exigirmos que eles não façam o mesmo. Aliás, até reforça a ideia. Os nossos erros (ou simplesmente experiências) ajudam-nos a perceber até onde os nossos filhos podem ir e como é. As nossas más notas são só nossas, são intransmissíveis. Não servem de exemplo para nada. Nem as boas, nem as más. Aquilo que exigimos aos nossos filhos é irracional mas faz todo o sentido. A nossa incoerência é uma incoerência coerente. É o que nos diferencia deles. Os pais podem desarrumar a cozinha, deixar copos sujos na sala e até deixar a cama por fazer. Eles não. E porquê? Porque a cozinha, a sala e a cama são deles. Assim como a casa toda. Nós podemos, eles não. Autoridade também é isto.

Além do mais temos direitos. Nós, por sermos pais, temos o direito de fazer as coisas que não nos deixaram fazer quando éramos só filhos. Vivemos toda uma vida às ordens dos nossos pais e quando conquistamos a nossa independência não há o direito de passarmos a viver às ordens dos nossos filhos. E só por uma questão de coerência. Não é justo.

Dizem que os filhos se educam pelo exemplo. Era bom, mas não resulta. Os nossos filhos só nos consideram um exemplo enquanto não crescem, quando são crianças. Depois disso é uma lotaria. Há amigos, professores, pais de amigos e outros seres estranhos à família que são escolhidos injustamente pelos nossos filhos como exemplo em vez dos pais. Se não fosse assim, os filhos de pais desonestos seriam desonestos e o contrário também se aplicaria. Pais leitores, teriam filhos leitores. Mas não: não há regras absolutas. Nós, pais, temos o direito e até o dever de sermos verdadeiramente imperfeitos e exigir que eles sejam melhores. É para isso que servimos. No fundo não somos exemplo, somos teoria.