Rumo à Revolução

Em 1974, tal como este ano, o dia 25 também era quinta-feira.

Querida avó,

Finalmente chegou o, tão desejado, horário de verão. O novo Governo e respetivos Ministros já tomaram posse. Agora é esperar, pacientemente, pelos belos dias de Primavera.                                  

Este mês, em que celebramos 50 anos de Abril, julgo que podíamos recordar algumas personalidades, e enquadramentos históricos, que não podem, nem devem, ser esquecidos.

Como dizes, frequentemente, a Democracia não pode ser dada como garantida! Cada vez mais vemos as extremas direitas a ganharem força.

Como tal, julgo que devemos recordar como era Portugal antes de 1974, e personalidades como: Luís Sttau Monteiro, Maria Lamas, José Dias Coelho, Catarina Eufémia; Ary dos Santos, Maria Barroso e outros que contribuíram para a Liberdade que vivemos hoje.

Em 1974, tal como este ano, o dia 25 também era quinta-feira.

25 de Abril de 1974, Quinta-Feira é precisamente o nome da belíssima exposição fotográfica de imagens capturadas pelo fotojornalista Alfredo Cunha, que está patente na Sala-Galeria Carlos Paredes (SPAUTORES). Estas fotografias retratam os acontecimentos históricos que culminaram na Revolução dos Cravos, um evento crucial na história de Portugal que deve ser recordado por novos e velhos.

Tu, que trabalhaste em diversos jornais antes e depois da censura, deves ter imensas histórias para partilhar sobre a madrugada que muitos esperavam (e outros julgavam impossível de acontecer).

Quando vieres a Lisboa vamos visitar as exposições do Alfredo Cunha e As Mulheres de Maria Lamas, que está patente da Gulbenkian. Aproveitamos e vamos ao Teatro Maria Matos ver a peça A madrugada que eu esperava. O elenco tem a Bárbara Tinoco a Carolina Deslandes, o Diogo Branco (neto do teu amigo José Mário Branco), entre outros.

Vamos a isso?

Bjs 

Querido neto,

Claro que aceito o teu desafio para falarmos de personalidades que nos levaram Rumo à Revolução, bem como os teus convites.    

Já te falei inúmeras vezes dos homens da minha vida, mas poucas vezes da minha prima Maria Lamas que foi uma inspiração para mim. Na minha infância e na idade adulta.

Um dia não aguentei mais – a família a mandar em mim, a censura, a Pide, o Mário Castrim, o homem que eu queria, nunca mais a decidir-se se vinha ou não viver comigo – fugi de casa, meti-me num avião e fui para Paris. Lembro-me de ter saído do avião e sentar-me num banco a pensar, ‘e agora, para onde é que eu vou?, o que é que eu vou fazer?’

Depois lembrei-me que a minha prima Maria Malas vivia lá, mas só sabia a morada (onde é que ainda vinham os telemóveis!) mas nem sabia onde é que isso ficava. Lá fui perguntando e lá lhe bati à porta. Ela recebeu-me de braços abertos, havia um quarto vago no hotel mixuruca onde vivia, e lá fiquei. E digo sempre que aquela é que foi a minha verdadeira universidade. Ela era muito conhecida e todos os que iam a Paris, iam lá vê-la. Foi assim que eu conheci o Jorge Amado, o Pablo Neruda, o Nicolás Guíllen e também o António José Saraiva e a Teresa Rita Lopes.

E foi então que o Maio de 68 nos caiu em cima. Ainda por cima vivíamos na Rue Cujas, muito perto da Sorbonne, onde tudo rebentara. Aquilo é que foi uma alegria! A deitarmos pedras aos polícias, a insultá-los. Até que a minha prima me disse que era melhor eu voltar para Portugal. Até porque era na nossa terra que devíamos lutar – já que ela não podia: se pisasse solo português, a Pide levava-a. Além disso o Mário Zambujal tinha-me ligado a dizer que o Mário andava doente, já tinha saído de casa. Meti-me no primeiro avião e vim para Lisboa

A Maria Lamas foi uma mulher muito à frente no seu tempo.

Que bom foi tê-la na minha vida.

Bjs