Onde estava e o que fazia no 25 de abril de 1974?
No dia 25 de abril de 1974 era estudante no Liceu D. Dinis, em Lisboa.
Como analisa, cinco décadas depois, a contribuição das Forças Armadas (FFAA) para o processo de democratização do país?
Cinco décadas depois, a contribuição das Forças Armadas para o processo de democratização de Portugal é, globalmente, vista como crucial. Após o 25 de abril de 1974, as FFAA desempenharam um papel fundamental na transição para a democracia, garantindo a estabilidade política e a segurança do país.
No entanto, a participação das FFAA no processo democrático, foi envolto em algumas controvérsias e desafios, particularmente no que diz respeito à sua relação com o poder político e a sociedade em geral.
Não obstante a instabilidade vivida, as FFAA conseguiram afirmar-se como um fator de estabilidade, também sanando divergências internas, aceitando e respeitando os novos quadros legais, mormente a subordinação ao poder político, nomeadamente através da implementação da Lei de Defesa Nacional em 1982.
Hoje em dia, a importância das FFAA na democracia portuguesa, está plenamente entendida e reconhecida, mas a sua dimensão e as suas tarefas são constantemente reavaliadas e adaptadas às novas necessidades de uma sociedade em permanente mudança.
Como estão as nossas FFAA 50 anos depois?
As FFAA portuguesas, designadamente o Exército, passados 50 anos estão organizadas, disciplinadas e focadas na missão. Neste meio século foram renovadas e passaram por muitas mudanças, nomeadamente:
• Reestruturação e modernização: O Exército foi reestruturado e modernizado para melhor atender às necessidades de Defesa Nacional e da conjuntura internacional, incluindo a aquisição de novos equipamentos e a adoção de novas doutrinas e tecnologias, no sentido de assegurar um produto operacional interoperável e de elevada prontidão;
• Redução e Profissionalização: decorrente da modernização do Exército, os seus efetivos foram reduzidos e, com o fim do serviço militar obrigatório em 2004, passou a contar exclusivamente com militares profissionais, estando ainda, aos dias de hoje, a ajustar-se à realidade de uma necessidade de recrutar e reter efetivos que garantam os níveis de prontidão e dimensão definida;
• Internacionalização, através da participação em missões internacionais, de apoio à paz, no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) e das Organizações Internacionais que Portugal integra: desde a década de 90, Portugal tem participado ativamente em operações de paz e em missões internacionais de manutenção da paz, com relevantes prestações, alvo de reconhecimento internacional, tornando-se um ator importante neste domínio;
• Para além da sua missão principal de participar, de forma integrada, na defesa militar da República, as FFAA passaram a conduzir operações de apoio civil, tendo como objetivo comum a segurança e o bem-estar das populações, como seja o caso do apoio às autoridades civis em resposta a emergências e catástrofes. No caso concreto do Exército, este Ramo tem tido uma participação extremamente ativa na prevenção e combate aos fogos rurais, mas também, no cumprimento de tarefas relacionadas com a satisfação das necessidades básicas e melhoria da qualidade de vida das populações, executando, por exemplo, a beneficiação de vias de comunicação, e tarefas nem sempre visíveis, nomeadamente a realização trabalhos de informação geográfica com aplicação militar, tendo em vista a contribuição, neste domínio, para a atualização do levantamento cartográfico nacional e prestação de outros serviços geográficos.
Com a falta de efetivos, pensa que as missões portuguesas estão em risco? Neste momento há mais oficiais e sargentos do que praças…
A falta de efetivos tem sido uma preocupação para as FFAA, pois condiciona os níveis de ambição, que são judiciosamente definidos.
No entanto, apesar das dificuldades, as FFAA têm conseguido cumprir as suas missões e os compromissos assumidos, graças à dedicação e abnegação dos seus militares e à eficiente adaptação às diferentes circunstâncias de emprego.
Não negando, antes pelo contrário, a crítica situação de efetivos na categoria de Praças, importa também destacar que a crescente sofisticação tecnológica que o Exército vem introduzindo requer um número cada vez maior de Quadros, pelo que, no futuro, os rácios, entre Quadros e Praças tenderão a esbater-se mais.
A existência de mais oficiais e sargentos do que praças decorre da falta muito significativa de efetivos nessa categoria, onde as FFAA não têm tido capacidade para competir com o mercado de emprego civil.
Com a abertura do Regime de Contrato Especial e do Quadro Permanente de Praças do Exército, espera-se que esta tendência se vá progressivamente atenuando, conforme se tem verificado na adesão às candidaturas, nomeadamente de militares provenientes da reserva de disponibilidade.
Esta transformação, há muito pensada, insere-se também no âmbito da modernização e profissionalização das FFAA, visando aumentar a sua eficácia e a sua capacidade de resposta.
Todavia, quer o Regime de Contrato Especial, quer o Quadro permanente de Praças, serão medidas mitigadoras, dado que estas duas vias de prestação de serviço destinam-se a prover 30% do efetivo autorizado, e destinam-se na essência para suprir cargos mais técnicos e de formação mais prolongada.
As FFAA têm mesmo meios e capacidade para honrar os compromissos assumidos com a NATO?
O Exército tem definido qual a sua contribuição para o Sistema de Forças Nacional. Este exige uma alargada renovação e substituição de equipamentos que, em parte, se pretendia suprir com a atual Lei de Programação Militar (LPM). Enquanto tal não acontece, o Exército tem que efetuar um exaustivo estudo de capacidades e disponibilizar à NATO, com realismo, qualidade e oportunidade.
Portugal tem demonstrado um forte empenhamento com os compromissos assumidos no seio das Organizações e das Alianças de que faz parte, nomeadamente com a NATO, apesar das suas limitações de recursos, constituindo-se como um relevante mecanismo de ação externa do Estado.
As FFAA têm participado em várias missões da NATO, tendo atualmente empregue uma Força Nacional Destacada na Roménia, no quadro da missão da NATO – enhanced Vigilance Activities, que representa o firme compromisso da Aliança Atlântica com a defesa de todos os seus Estados membros, em prol da capacidade de dissuasão e do reforço da segurança da fronteira Leste da Europa. Está ainda planeado, para 2024, a projeção de um Pelotão de Carros de Combate, para a Eslováquia, no âmbito da NATO.
Além disso, Portugal tem investido nos seus meios militares e na capacitação das suas forças, para assegurar que elas estejam bem equipadas para cumprir os compromissos assumidos.
Em resumo, apesar de algumas limitações, Portugal continua a honrar os seus compromissos com a NATO e a desempenhar um papel importante na defesa e na segurança coletiva da Europa.
A ‘tropa’ portuguesa é bastante enaltecida em países estrangeiros devido à sua participação em zonas como a Bósnia ou a República Centro Africana. Acha que em Portugal tem o mesmo reconhecimento?
Constitui-se, de facto, um fator de orgulho e motivação, ao verificarmos que somos reconhecidos internacionalmente, na medida que mostra que o trabalho que desenvolvemos diariamente é bem feito.
Este reconhecimento internacional tem sido notório nas contribuições do Exército para as missões em zonas como a Bósnia, Kosovo, Iraque, Líbano, Afeganistão, Lituânia e, mais recentemente, na Roménia e na República Centro Africana.
O Exército tem vindo a divulgar o apreço internacional pela dedicação, coragem e espírito de sacrifício demonstrados pelos militares no âmbito da sua contribuição para a paz e segurança global, de modo a contribuir para cultivar uma cultura de Defesa Nacional na sociedade portuguesa, nomeadamente nos seus jovens.
Como analisa a situação da segurança na Europa?
A situação da segurança na Europa é complexa e enfrenta vários desafios, nomeadamente:
• A Guerra na Ucrânia: a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 trouxe instabilidade à região e implicou um aumento de tensões entre a Rússia e a Europa Ocidental, além de elevar o risco de escalada do conflito;
• O Terrorismo: o terrorismo continua a ser uma ameaça à segurança da Europa, particularmente depois dos ataques terroristas de Paris, Londres e, muito recentemente, na Rússia. Não devemos negligenciar, de igual modo, os fenómenos de terrorismo ocorridos no Norte de África e Sahel, com particular afetação para o Sul da Europa, ao qual Portugal não pode ficar alheio. A situação de instabilidade securitária interna nessa região propícia às atividades de vários grupos terroristas e milícias armadas e as interligações crescentes que se têm observado entre movimentos terroristas e diversos tipos de tráfico e crime organizado, são preocupantes. A Europa e, em particular a Península Ibérica, encontram-se cada vez mais ameaçados por estes desenvolvimentos;
• A Migração: a crise migratória na Europa continua a ser uma questão controversa, com milhares de refugiados e migrantes a procurar asilo e melhores oportunidades no continente europeu, o que cria tensões sociais e desafios de integração;
• As alterações climáticas: estas alterações têm produzido com maior frequência eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas prolongadas e inundações devastadoras, que poderão destabilizar regiões inteiras. Estes fenómenos conduzem a uma maior competição por recursos, como água e alimentos, a um aumento da pressão sobre as infraestruturas e os serviços públicos, bem como à deslocação de populações, criando potenciais tensões sociais e políticas, que poderão exponenciar os fenómenos migratórios.
• A proliferação de armas de destruição em massa: que representam uma ameaça significativa para a segurança na Europa, aumentando a complexidade e o risco dos desafios de segurança, bem como do poder destrutivo dos potenciais conflitos.
Todos estes fatores, concorrem para um ambiente natural de apreensão nos europeus, apesar de ser sentido com diferentes intensidades, dependendo da latitude de cada país.
Pode identificar as principais carências de armamento do seu Ramo? E das FFAA em geral?
As principais carências nas capacidades do Exército Português são as seguintes:
• Forças Pesadas: O Exército Português tem uma frota de 34 Carros de Combate LEOPARD 2A6, que necessita de alguma manutenção para estar completamente operacional. Tendo em conta a sua idade e há luz dos novos requisitos NATO, as viaturas Infantry Carrier Vehicle (ICV) M113, do Exército Português necessitam de substituição por Infantry Fighting Vehicle (IFV), para assegurar capacidades adequadas á atual conflitualidade, com meios convencionais e que requerem maior poder de proteção, choque e fogo. É, por isso, que estamos a analisar diversas possibilidades para esta substituição, designadamente através do diálogo com países amigos sobre as modalidades para a sua aquisição;
• Falta de sistemas de artilharia (de Campanha e de Defesa Aérea): é necessário adquirir novos sistemas de artilharia, face à obsolescência dos sistemas que equipam o Exército Português, designadamente nas vertentes, sistemas de armas e sistemas de comando e controlo.
Temos que reparar, renovar e adquirir equipamento. Reparar os Carros de Combate LEOPARD 2A6, renovar as viaturas PANDUR e a Artilharia de Campanha, bem como adquirir sistemas que respondam às necessidades do atual quadro conflitual: Artilharia de Campanha, Artilharia Antiaérea, Unmanned Aerial Systems, Intelligence Surveillance Targeting Acquisition Reconnaissance, entre outros sistemas.
Só deste modo conseguiremos atingir o escalão de Brigada que nos é exigido na NATO e que constitui o único escalão em que interagimos diretamente com o comando tático daquela organização.
Relativamente aos outros Ramos das FFAA, não me posso pronunciar acerca das carências do seu armamento principal.
Como vê a condição socioprofissional das FFAA?
A situação mais preocupante para as FFAA são as tabelas remuneratórias dos militares, nomeadamente o distanciamento comparativamente à tabela de vencimentos em vigor na Guarda Nacional Republicana, decorrente dos subsídios e suplementos em vigor nessa entidade (e.g.: de fardamento, de comando, de transporte, de escala, de risco).
Mas são também importantes a condição militar e o apoio social, em quantidade e qualidade.
Justifica-se revisitar o debate sobre o Serviço Militar Obrigatório?
A questão do Serviço Militar Obrigatório (SMO) é um assunto que tem sido debatido periodicamente em Portugal, mas, com a situação geopolítica atual, o debate tem sido intensificado.
Os argumentos a favor do retorno do SMO incluem a necessidade de aumentar os efetivos, a oportunidade de proporcionar treino e disciplina aos jovens portugueses e o potencial para promover o espírito de cidadania e serviço público.
Mantendo o atual quadro de prestação do serviço militar, o Exército tem a expectativa de conseguir um aumento dos seus efetivos através do Regime de Contrato Especial e do Quadro Permanente da categoria de Praças.
A reintrodução do SMO justifica-se ser estudada e avaliada, sobre várias perspetivas.
Não pode ser vista como uma possibilidade para resolver, no curto prazo, o problema de efetivos do Exército, que exige pessoas qualificadas e com o adequado treino, o que requer atingir um tempo mínimo de permanência nas fileiras, e também rentabilizar essa permanência.
Não é solução para integrar em unidades que combatam no cenário mais exigente e não é solução para manter sem alteração das condições dos militares em RV/RC.
O que pensa do protagonismo dos militares comentadores, alguns dos quais com posições muito próximas da Rússia?
Os militares têm o dever de reserva quando se encontram no ativo e não temos militares na situação de ativo como comentadores.
Os militares na situação de reforma podem expressar as suas opiniões pessoais, contribuindo para o debate público.
De um modo geral trazem conhecimento acrescido e prestígio para o Exército e contribuem para o conhecimento de uma realidade terrível que é guerra.
Há muitos oficiais a passarem à pré-aposentação e à reforma muito cedo. A que se deve este desencantamento?
Atualmente tem-se verificado um aumento do abate ao quadro, nomeadamente de jovens oficiais, e não de pré-aposentação e de antecipação da reforma.
O principal motivo que concorre para esta tendência é a procura de melhores vencimentos: Os salários dos Oficiais e Sargentos são, geralmente, mais baixos em comparação com outras profissões que requerem as mesmas competências, o que pode levar a um sentimento de falta de valorização.
Outros motivos são também a degradação/redução do apoio social complementar por parte do Instituto de Ação Social das Forças Armadas (IASFA) e também do Exército, por falta de continuado investimento, nomeadamente nos apoios aos militares deslocados, em termos de alojamento, subsídios, e em outros apoios, como na saúde, no lazer, entre outros.
Contudo importa referir que a situação se encontra identificada e que o Exército, dentro da sua capacidade de atuação, se encontra a procurar formas de inverter esta tendência.