O mundo dos data scientists

O mais certo é que se Aristóteles ou Tolkien – só para citar os extremos – tivessem nascido no século XXI, estariam a tomar Ritalina e em sérios riscos de abandono escolar. Este saber ocupa lugar: é um peso.

Um filho que nos diga que se quer especializar em línguas, filosofia, geografia, antropologia, história ou em qualquer outra área das ciências sociais é como se nos informasse que quer ser surfista e viver disso o resto da vida. O que nos causa, no mínimo, nervosismo e ansiedade. O único curso fora das ciências exatas e da economia que os pais aceitam com alguma serenidade é o curso de Direito. Direito dá acesso a uma profissão, tudo o resto dá direito a um diploma e nada mais, dizem os nossos instintos paternais. Um desgraçado que tenha a infelicidade de embirrar com a matemática desde pequenino, está mesmo desgraçado. É uma espécie de voto de pobreza anunciado aos 18 anos. Se souber de tecnologia, já pode ser surfista à tarde e trabalhar de manhã para o mundo inteiro. É um descanso. Caso não tenha essas aptidões, a sua salvação são os cursos profissionais ou aprender a navegar no mar das cunhas. E se conseguir ingressar no aparelho do Estado, está safo. Mas as hipóteses de sucesso que o consigam levar ao sustento, são francamente reduzidas. Por isso, quando lá pelo 9.º ano, um filho nos informa que quer fugir da matemática como se estivesse a ser perseguido por um assassino, é uma má notícia. Quer dizer que tanto ele como nós corremos risco de pobreza.

Portugal já não é um país de doutores. É de uma especialidade específica. Data scientists: decorem o nome desta profissão e vão pesquisar na internet o que isso é. Mas para aquilo que nos interessa como pais, basta saberem que é a versão “trabalhar na Nova Rede” dos idos anos 80/90. É isto que o mundo procura e que nós, pais, não fazemos ideia o que seja. Miúdos formados em gestão, matemática, informática ou engenharia, são todos data scientists. Uma espécie de computadores em forma humana que sabem traduzir números em linguagem técnica. O versão word é dispensável.

Em Portugal, e desconfio que em grande parte do mundo, não se paga a ninguém para pensar, para estudar ou para saber coisas sobre o mundo, o pensamento ou História. Todo o conhecimento tem de ter obrigatoriamente uma aplicação material e é essencial que produza valor. Ou seja, que valha dinheiro. O mais certo é que se Aristóteles ou Tolkien – só para citar os extremos – tivessem nascido no século XXI, estariam a tomar Ritalina e a correrem sérios riscos de abandono escolar. O saber ocupa lugar: é um peso. Não se paga a ninguém para ler e pensar. Nada disso é contabilizado nem existe CAE nas finanças para este efeito. Se as Finanças criassem um CAE para filósofos, o sistema dava erro e os computadores seriam bloqueados. Passámos a ter de ser produtivos. Só produtivos. É assim que se afere o valor das pessoas e, por isso, dos nossos filhos.

Diz-se que os miúdos não leem, não conhecem História, não têm cultura. Diz-se que os nossos filhos só sabem o que lhes aparece nas redes e deixaram de ter espírito crítico. E faz sentido: não há mercado para mais que isso e ninguém lhes paga para mais por isso. Data scientists: é isso ou couves, literalmente. Até ao dia em que chegamos ao precipício de uma guerra e as versões literárias sobre uma breve história de História esgotam. Rezemos para que a geração dos data scientists nos salvem e se salvem.