Os ativistas climáticos em Portugal têm-se feito ver e ouvir. Com protestos, manifestações e até atos de vandalismo, os jovens têm como objetivo que o país alcance as metas do fim da utilização de combustíveis fósseis até 2030 e da transição para uma “eletricidade 100% renovável e acessível até 2025”. Estes são os principais pedidos. Mas serão viáveis? Depende. É que, ainda que sejam desejáveis, os prazos pedidos são curtos. Pelo menos é esta a visão de Francisco Ferreira, presidente da Associação Ambientalista ZERO.
“Estes pedidos – quase exigências – feitos não são realmente realistas”, diz ao i, destacando os dois mais conhecidos e que mais têm dado que falar: não haver uso de combustíveis fósseis em 2030 e ter um total da eletricidade renovável em 2025.
No que diz respeito a este último, o presidente da ZERO diz que “em relação a termos eletricidade completamente renovável em 2025, temos períodos em que estamos lá perto. Mas no total do ano, termos apenas eletricidade renovável, por agora ainda é muito difícil porque tudo depende muito das condições meteorológicas e climáticas”.
Francisco Ferreira destaca que, neste momento, até estamos com percentagens de renováveis muito altas, o que se justifica com o facto de termos tido muita chuva, ainda existir muito vento e agora começarmos a ter sol. “Temos um bom mix de renováveis mas, por exemplo, se a hídrica falhar, que já falhou com a seca que tivemos em 2022 e 2023, aí não conseguimos atingir 100% de renováveis”, adianta, acrescentando que só vamos conseguir atingir 100% de eletricidade de pontos renováveis, “diria, por volta de 2030 ou mesmo depois disso. Em 2030, diria que vamos conseguir estar muito próximo, será possível estarmos bastante próximos, mais do que estamos agora em termos anuais”. Mas, alerta, “haverá ainda períodos ou alturas em que não seremos abastecidos apenas por eletricidade renovável”. E, um dos motivos para essa situação, é simples: “Precisamos de mais armazenamento”. “Armazenamento entre dias, entre meses e, portanto, para isso, precisamos de hidrogénio verde, de mais eficiência energética”, defende.
Francisco Ferreira destaca o facto de Portugal se estar a aproximar desta meta dos 100% de eletricidade por fontes renováveis, “mas o difícil não é chegarmos a 90 ou 95%. O difícil vai ser depois os pontos percentuais finais porque tem muito a ver com a gestão do sistema que, no caso de Portugal, é ainda mais complicado porque não estamos no meio da Europa, isso passa por gerirmos muito as ligações com outros países e, na prática, no nosso caso, significa que estamos quase como numa ilha porque só temos fronteira com Espanha”.
Fim dos combustíveis fósseis No caso da exigência do fim dos combustíveis fósseis até 2030, a situação não é tão sorridente. “É completamente impossível”, lamenta.
O presidente da associação ambiental defende que essa deve ser a tendência a seguir mas “infelizmente, não é isso que se passa”, alertando que em determinados setores como o rodoviário ou o aéreo, “estamos a ter maior uso ou maior procura de viagens de avião ou estamos a utilizar mais o carro. Aí até estamos bastante em contramão”.
E recorda que “a queima de combustíveis fósseis é a principal razão das emissões de gases com efeito estufa e das consequentes alterações climáticas mas a sociedade está tão dependente dos combustíveis fósseis que precisaremos de mais tempo”. Para Francisco Ferreira, seis anos “não são de forma alguma suficientes para o fazer, até por razões económicas e sociais. Como é que garanto que de um momento para o outro deixa de haver veículos a combustão? Precisamos de mais tempo mas é claro que esse deve ser um objetivo crucial não apenas para Portugal mas à escala mundial, sendo que não estamos a ter grande êxito”.
Preocupações legítimas Já Artur Patuleia, sócio sénior do centro de investigação europeu E3G, diz ao i que, de forma geral, “o ativismo climático tem conseguido trazer para a discussão pública as preocupações legítimas com os impactos das alterações climáticas”, acrescentando que “a destruição provocada pelo incêndios e os impactos económicos na agricultura ou no acesso à água do turismo algarvio, são apenas um prenuncio dos efeitos das alterações no clima em Portugal”. O responsável diz ainda que “a ciência é bastante explícita sobre o curto espaço de tempo que existe para tomar medidas que permitam evitar consequências mais danosas”.
Para Artur Patuleia, o tema da viabilidade é importante, “mas a discussão de metas climáticas deve-se situar em primeiro lugar ao nível da análise dos impactos e deve refletir o tipo de sociedade e economia que se pretende construir em linha com as recomendações científicas mais atuais”, que foi uma das bases do Pacto Ecológico Europeu. “Portugal tem nas energias renováveis um sério fator de competitividade para a atração de investimento, criação de emprego qualificado e reforço da sua influência geopolítica”. E, por isso, questiona: “Não fará sentido uma aceleração do investimento em renováveis, descarbonizando o setor elétrico? O congestionamento automóvel das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto é um fator que condiciona a produtividade e tem graves impactos na saúde pública. Não fará sentido apostar na transição acelerada para um modelo de mobilidade e de planeamento do território que reduza a dependência do automóvel?”.
Falta de vontade política? Questionado sobre se o facto de estas metas não poderem ser cumpridas dentro dos prazos pedidos pelos ativistas climáticos estão relacionados com falta de vontade política, Francisco Ferreira diz que sim, mas não só. O responsável defende ser fundamental ter planos, lembrando até que existem planos que vão para discussão pública, como é o caso do Plano Nacional de Energia e Clima para 2030, “que está neste momento a ser revisto” ou o Roteiro para a Neutralidade Carbónica em 2050.
Por isso, “agora tudo depende das medidas que aí tenham e vai depender muito da vontade política”.
Na sua opinião, muitas das medidas, para serem concretizadas, “dependem de termos uma administração com capacidade de resposta para implementar muitas das medidas”, dando o exemplo das renováveis. “Um dos problema é que, para licenciar muitos projetos na área das renováveis, o problema nem são as restrições ambientais, é a incapacidade de resposta de departamentos do Estado, direções-gerais do Estado que não conseguem acompanhar o ritmo necessário. Ou então não temos uma rede elétrica preparada para ter mais renováveis”, destacando também a questão e infraestrutura e questões administrativas “que impedem essa aceleração”.
Por isso, é claro que estes desenvolvimentos dependem da vontade política “mas também depende muito da aceitabilidade das pessoas”. E a aceitabilidade das pessoas “tem a ver com as próprias medidas que venham a ser tomadas ou não. Ou seja, se proibirmos praticamente o uso de automóveis nos centros das cidades, ou se pusermos portagens à entrada das cidades, vamos ter fortes objeções das pessoas e das autarquias”. Ainda assim, Francisco Ferreira defende que é com medidas desta natureza e também medidas de caráter fiscal “que se calhar se deveriam estar a implementar para conseguir inverter o aumento que estamos a ter nomeadamente no caso dos transportes rodoviários”.
E deixa mais um exemplo: “Retirarmos o aeroporto de Lisboa para outro local, se temos projetos enormes de expansão do aeroporto, isso vai traduzir-se obviamente em mais emissões. Há aqui uma responsabilidade grande, sem dúvida, dos políticos mas também das empresas e também das pessoas”.
Para Artur Patuleia é certo que “o papel inerente de qualquer Governo é ouvir os diferentes interesses na sociedade, desenhar opções políticas e tomar decisões”. Neste sentido, “será importante manter o diálogo com a sociedade civil, considerando os seus contributos e promovendo a sua participação no debate público”.
Para o responsável, no nosso país, os governos “têm sucessivamente aumentado a ambição a nível nacional e apoiado maior ambição a nível internacional”. Uma evolução que, no seu entender, “acaba por aproximar a ambição política de recomendações científicas e das posições da sociedade civil”.
O sócio sénior do E3G adianta ainda que as diferenças existentes “acabam por resultar de um conjunto de incertezas na governação ao nível da capacidade de implementação e monitorização de políticas públicas e a falta de uma maior coordenação e planeamento entre diferentes setores da administração pública”.
E deixa um exemplo: “A existência de uma estratégia industrial verde, tal como prevista na Lei de Bases do Clima, permitiria ter melhor conhecimento sobre o tipo de medidas, necessidades de investimento e financiamento necessários para a descarbonização da indústria, criando as condições para maior ambição”. Em sentido positivo, defende, “a redução de custos de tecnologias essenciais à redução de emissões, como as renováveis ou os veículos elétricos, tem contribuído para maior confiança dos Governos em assumirem metas mais ambiciosas, aproximando-os das posições da sociedade civil”.
Artur Patuleia finaliza que será importante “operacionalizar o Conselho para a Ação Climática, previsto na Lei de Bases do Clima, que permitirá a tomada de decisões políticas com base em conhecimento técnico e independente”.