A tropa-fandanga do SMO

A melhor homenagem que se pode prestar aos militares 50 anos depois de Abril é rever sem mais demoras o seu estatuto remuneratório e investir na modernização de equipamentos e recursos. O Serviço Militar Obrigatório não é solução para nada. A especialização sim.

As entrevistas com as principais chefias das Forças Armadas que o Nascer do SOL_publicou nas últimas semanas, a propósito da passagem do 50.º aniversário do 25 de Abril, são reveladoras do estado de alma dos nossos militares. Que não podia ser outro. Nas últimas décadas, a condição militar e a instituição Forças Armadas têm sido profundamente desconsideradas pelo poder político, com evidência gritante no estatuto remuneratório dos militares e consequente incapacidade de recrutamento, que se junta às insuficientes condições para servir a República com uma degradante falta de equipamento e de material.

Em qualquer dos três ramos – Exército, Marinha e Força Aérea –, Portugal está muito longe dos mínimos indispensáveis para dar resposta aos exigentes desafios que se colocam num mundo às portas de uma guerra global.

Só com muito esforço, engenho e brio, os militares portugueses têm honrado os compromissos decorrentes da Aliança Atlântica, continuando o Estado português, porém, muito aquém nas obrigações de investimento em defesa e em segurança assumidos perante a NATO.

O programa de Governo da AD tem consagrada a revalorização do estatuto remuneratório dos militares.

E é unânime entre os partidos com assento parlamentar que essa é uma prioridade, a par da reavaliação das condições salariais e de progressão na carreira de outros servidores do Estado, trabalhadores da Função Pública em setores básicos como a Saúde, a Educação ou a Justiça.

Neste quadro, revisitar o debate sobre as vantagens e desvantagens do Serviço Militar Obrigatório (SMO) pode parecer oportuno, dada a escassez de recursos humanos, designadamente entre os praças, mas é apenas uma manobra de diversão ou de ilusão do problema.

No contexto em que as guerras no Leste da Europa e no Médio Oriente ameaçam escalar para patamares inconcebíveis, o SMO_não é resposta para coisa nenhuma.

A história está repleta de autênticos massacres de exércitos de soldados sem experiência, impreparados e mal armados.
Se, em Aljubarrota, o quadrado do Condestável chegou para contrariar a superioridade numérica dos desgraçados espanhóis, La Lys, na Primeira Grande Guerra, é um desses casos de má e triste memória para os portugueses, verdadeiramente transformados em carne para canhão.

Ora, se assim era nas guerras ditas convencionais, muito menos sentido faz nas de agora, da era pós-moderna, em que o avanço tecnológico até já tornou corriqueiros os ataques com drones não tripulados.

Não foi pelo número de soldados que a Ucrânia conseguiu resistir ao primeiro impacto da invasão russa. Foi pelos erros dos estrategas da operação russa e pelos meios que os aliados do Ocidente colocaram ao dispor de Zelensky como escudo e travão das forças às ordens de Putin.

O que está a acontecer no Médio Oriente é também a prova de que as guerras do século XXI se travam com tecnologia, informação e especialização. E não pelo número de efetivos de infantaria.

As exigências dos combates não se compadecem, por isso, com exércitos feitos de voluntários com mais patriotismo do que razão ou com recrutamentos forçados de gente sem preparação.

Ou seja, a recuperação do SMO de pouco mais servirá do que para dar alguma vida e ocupação a instalações militares quase desertas ou mesmo devolutas, que podiam ter muito maior utilidade com outro destino.

O caminho mais curto para reganhar Forças Armadas capazes de honrar compromissos externos e cumprir as missões internas é o da revalorização da condição militar e do estatuto remuneratório dos militares, acompanhada de investimento nas condições de trabalho e no desenvolvimento tecnológico dos meios disponíveis, para aumentar a atratividade e incrementar o recrutamento de uma tropa especializada.

As Forças Armadas estão há demasiados anos a rapar o fundo do tacho do Orçamento do Estado.

E ficaram a anos luz dos seus aliados internacionais.

Passámos, por exemplo, pela vergonha de vermos Kiev agradecer mas rejeitar carros de combate ou helicópteros que Portugal se predispôs a enviar para ajudar na contenção das tropas invasoras russas. ‘Inúteis’, disseram eles.

Entre material bélico obsoleto ou inativo, ainda conseguimos contribuir com uns quantos tanques que tiveram de ser reparados antes de receberem guia de marcha para a Ucrânia. E bastaram umas semanas para a Rússia anunciar tê-los neutralizado a todos.

No atual estado das coisas, de crescendo da ameaça global, total impotência das Nações Unidas e seus mecanismos de pacificação e tantas incertezas quanto ao futuro próximo – com eleições nos Estados Unidos antes do final do ano novamente entre Joe Biden e Donald Trump – o melhor para um pequeno país como Portugal é queimar etapas.

Quando esta semana reuniu o Conselho de Defesa Nacional – na sequência do aprisionamento de um navio com pavilhão português no estreito de Ormuz –, o Presidente da República, em vez de se limitar a constatar a óbvia incapacidade das Forças Armadas portuguesas para reagir ao que quer que seja, deveria ter lançado o desafio coletivo para o desenvolvimento de um processo de recuperação das FFAA.

Que tem de passar pela aposta na profissionalização e especialização das nossas tropas e pelo apetrechamento com meios de ação e reação eficazes, de vanguarda tecnológica.

Isso implica um investimento maior, que tem de ser estruturado e aplicado com escrupuloso rigor.

Tudo o resto, como o regresso ao SMO, é atirar dinheiro fora, brincar com os militares e reforçar o convite à emigração dos nossos jovens.