Considere, leitor, as duas frases seguintes:
A – «O governo aprovou uma alteração ao código do IRS introduzindo uma descida das taxas até ao 8º escalão, que vai perfazer uma diminuição global de cerca de 1500M de euros nos impostos do trabalho dos portugueses [face ao ano passado].»
B – «O governo aprovou uma alteração ao código do IRS que alarga até ao 8º escalão a redução das taxas já prevista no OE2024, propiciando um alívio adicional que estimamos em cerca de 200M de euros nos impostos do trabalho dos portugueses.»
A frase A, excetuando o italicizado, foi proferida pelo primeiro-ministro (PM) no dia 11 na Assembleia da República (AR). O parêntesis é o acrescento constante na nota da Presidência do Conselho de Ministros (PCM) do dia 13. A frase B é da minha autoria. A frase B é, indiscutivelmente, mais clara. Contudo, com o acrescento da PCM, as duas frases têm essencialmente o mesmo espírito e informação.
A omissão de ‘face ao ano passado’ por Luís Montenegro constitui um embuste? Existem duas dimensões a considerar: a da campanha eleitoral e a da discussão do programa de governo. Será que Luís Montenegro mentiu ardilosamente aos eleitores durante a campanha e que estes agora se poderão sentir defraudados? A resposta a esta questão é negativa. Os ‘1500 M euros’ não foram um argumento eleitoral nem, salvo erro, foram alguma vez mencionados. Na campanha e no programa eleitoral da AD as propostas de alteração de taxas do IRS têm sempre como referência as taxas de 2023 e diferenciam-se das do OE aprovado sobretudo na abrangência até ao 8.º escalão. Não penso, pois, que os resultados eleitorais tenham sido influenciados por qualquer promessa de uma duplicação dos cortes de impostos face à fatura do ano passado. Também não acho que o PM tenha tentado deliberadamente enganar a AR. Qual seria o objetivo dessa eventual mentira? Dias depois, quando a proposta de alteração do código de IRS fosse apresentada formalmente o pretenso ardil ruiria.
Não, não se tratou de um embuste. Foi, antes, ligeireza e falta de rigor. Mas no que toca à ligeireza e falta de rigor na comunicação o governo não está sozinho, estando, antes, bem acompanhado pela comunicação social e por todos os outros partidos. (O meu artigo da semana passada sobre as ‘contas certas’ ilustra como sound bites sem suporte lógico e interesse prático acabam infetando todo o debate público.)
Neste incidente não foi só primeiro-ministro que esteve mal. Estiveram também mal o maior partido da oposição e a comunicação social, especialmente aquela que fez manchetes com uma pretensa duplicação da redução do IRS (e que, depois, se justificou com a uma crença ingénua nos maiores da nação). O facto da IL o ter feito, demonstra que a imprecisão de Luís Montenegro era detetável por quem soubesse do que fala. Um trabalho sério de escrutínio teria revelado que algo não batia certo na interpretação precipitada em que os cortes de 1500M somavam aos 1300M do orçamento de Fernando Medina, quanto mais não fosse pela magnitude top total dessa redução (equivalente ao excedente orçamental de 2023).
O país precisa de um governo competente, de uma oposição competente e de uma comunicação social competente. Ninguém o foi. Contudo, o empolamento contínuo deste episódio lamentável, mas, no fundo, inconsequente, a ninguém aproveita, exceto àqueles que lucram com o desprestígio das instituições. Melhor seria se, ao invés, se discutisse com rigor qual a política fiscal mais adequada para promover o trabalho, a poupança e o investimento.