Democracia. O que é imperativo mudar

O Instituto Adelino Amaro da Costa desafiou várias personalidades a analisar o que estava bem e o que era necessário mudar 50 anos depois do 25 de Abril. Manuel Monteiro diz que ‘a democracia não pode ser vista como dado adquirido’.

Estamos melhor depois do 25 de Abril, mas não sinto uma satisfação total. Em alguns aspetos poderíamos ter ido mais longe. Não tanto nos temas relacionados com a liberdade e democracia, bem consolidadas, mas no que concerne ao desenvolvimento do país. Nessa medida estou insatisfeita». A declaração é de Leonor Beleza à revista Democracia e Liberdade do Instituto Adelino Amaro da Costa (IDL) numa reflexão sobre os 50 anos do 25 de Abril, lembrando que «temos de estar mais atentos daqui em diante relativamente ao nosso desenvolvimento, ao bem estar social e económico, temos de voltar a comparar-nos com os países que estão mais perto de nós».

A par de Leonor Beleza, a edição desta revista conta com colaborações de personalidades como a de Pedro Passos Coelho, Marçal Grilo, Pedro Ferraz da Costa, entre outros. Ao Nascer do SOL, o presidente do IDL, Manuel Monteiro, refere que o desafio desta publicação é perceber o que mudou de bom e de mau em 50 de anos de liberdade e o que é necessário mudar de forma urgente. «A grande virtude da democracia é fomentar a própria crítica à democracia. Não nos podemos fechar na perspetiva de que tudo está bom porque não reconhecer as falhas e não reconhecer os erros pode ser fatal para a própria sustentabilidade do regime democrático».

O antigo líder do CDS reconhece ainda que existem nos dias de hoje «uns guardiões do sistema que não deixam respirar a própria democracia, querem tapá-la de tal forma que não permite que respire e uma democracia que não respira é uma democracia que pode sufocar».

E não hesita: «A democracia e a liberdade são um bem que permanemente precisa de ser reinventados, contrariando a ideia totalmente errada que parte do princípio de que a democracia veio e agora é um dado adquirido».

Causa pública

Na mesma publicação, Leonor Beleza recorda os tempos em que esteve no Governo de Cavaco Silva, a satisfação que houve quando Portugal ultrapassou a Grécia em termos de desenvolvimento per capita, e lamenta o facto de haver politização em áreas onde entende que não deveria existir. «As pessoas podem ter as ideias e as cores que quiserem mas o que importa é o serviço ao país e o serviço aos outros. Acho detestável a politização da administração pública», salienta na mesma revista.

 E, apesar de recordar o seu envolvimento  em cargos governativos que entende «que normalmente só acontecem numa outra fase da vida» e de defender que «cada um de nós tem obrigação de numa fase da vida dedicar-se à causa pública», considera que esse envolvimento político tem atualmente custos muito elevados: «Temos de perceber como é que contornamos este custo tão elevado que em muitos casos envolve as famílias, os amigos, todos os que estão próximos… Tem de haver regras éticas muitíssimo estritas em relação a este assunto mas, por outro lado, o envolvimento não pode ser um susto para todos».

Já Pedro Passos Coelho, no seu artigo, aponta o dedo a «algumas imperfeições», referindo que a mudança de regime político «não veio de modo automático» e implicou «um processo carregado de tensões, riscos e custos económicos e sociais, estes últimos a perdurarem muitos anos na vida da jovem democracia».

Por outro lado, o antigo primeiro-ministro elogia a construção do Estado Social, apesar de chamar a atenção para o facto de, em muito poucos anos, «a proporção de despesa social ter-se aproximado da dos restantes países europeus e, tanto no plano da saúde, da educação, da habitação ou da segurança social, para falar dos mais relevantes em termos económicos, as políticas públicas iniciaram um fortíssimo processo de convergência, transportando uma promessa de sociedade de bem-estar muito poderosa».

No entanto, refere que esse aumento da despesa social foi feita em contraciclo «muito penalizador para as contas públicas» e, ao mesmo tempo, foi acompanhado nos últimos anos por «uma dissimulada desgraduação da aposta nas ofertas sociais e a consequente deterioração dos sistemas públicos, com muitos serviços públicos a apresentarem sinais de rutura que preocupam os cidadãos, atirando-os cada vez mais para a procura de soluções privadas, isto apesar da elevada carga fiscal e do ainda maior esforço fiscal suportado pelas famílias». Uma situação que, no seu entender, criou «riscos sociais associados às elevadas assimetrias de rendimento e de riqueza, nomeadamente o risco de pobreza (antes e depois da atribuição de apoios sociais) que permanecem como um fator negativo em si mesmo e face a muitos dos países com que gostamos de nos comparar, mostrando a ineficiência e distorção dos sistemas redistributivos implantados e a forte e crescente dependência das pessoas face ao Estado assistencialista».

Daí Passos Coelho admitir que a emigração se mantenha como uma característica da nossa sociedade e de haver dificuldade em fixar os recursos humanos mais jovens e, em particular, os mais qualificados, aproveitando também para deixar uma palavra ao processo de resgate financeiro de 2011. «A troika e o ajustamento, que o país corajosamente enfrentou e superou, voltaram a recordar que não basta ser democrático e partilhar soberania com os mais ricos para que milagrosamente tudo esteja resolvido sem esforço e sem estratégia».

Aspetos a melhorar

Por reconhecer que há «um cansaço de uma parte substancial das pessoas em relação à forma como o sistema se apresenta», ou seja, por o sistema político se ter fechado dentro de si próprio, Manuel Monteiro defende que para refrescar a própria democracia devia ser dada a possibilidade de cidadãos independentes poderem concorrer à Assembleia da República fora dos partidos, assim como listas de cidadãos independentes possam concorrer às autarquias locais.

«Isso seria um modo de mostrar que na democracia sendo necessário os partidos não se esgota neles», refere ao nosso jornal.

Por outro lado, lamenta a existência de um sistema eleitoral que não convida as pessoas a conhecerem os seus representantes, como existe em França e em Inglaterra, em que os cidadãos de um determinado círculo eleitoral sabem qual é o partido que votam e sabem quem é o deputado. «Esta teimosa de não permitir que isso aconteça é profundamente negativo ao fim de 50 anos. As pessoas não conhecem os deputados, o que faz com que as pessoas olhem para o Parlamento e pensem que é um órgão dispensável. Isto convida a um afastamentos dos cidadãos em relação ao seu Parlamento ou a uma hostilização desses mesmos cidadãos em relação ao próprio Parlamento», salienta o presidente do IDL.

sonia.pinto@nascerdosol.pt