No espaço de um mês, o Governo suscitou três situações que não deveriam ter acontecido nos termos em que foram desencadeadas. Governar é um exercício complexo e exige decisões justas, ponderadas, acertadas e justificativas aos olhos da opinião pública. É um caminho difícil que tem que ser percorrido com transparência e sem deixar rasto de que as lógicas partidárias se sobrepõem à cultura de mérito tão pouco valorizada em Portugal, nomeadamente no que respeita à máquina do Estado.
Primeiro, foi a questão do IRS, uma promessa eleitoral. Foi criada a perceção de que estaria em curso uma descida do imposto que mais impacto tem no bolso dos portugueses. Permitiu-se que os cidadãos mais atentos pensassem que essa descida era quantitativamente significativa. Tal perceção não tinha adesão à realidade. O Governo não quis intencionalmente enganar os portugueses. No entanto, ficou a sombra de que a expectativa criada não iria ser realizada. Pouco interessam as acusações em sede parlamentar sobre quem baixa mais ou menos o IRS ou se o executivo não soube comunicar ou ainda se à custa do IRS temos a primeira coligação negativam aliando o PS e o Chega. O que há a sublinhar é a necessidade de o Governo comunicar e agir com verdade e de forma cristalina.
A segunda questão está relacionada com a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde. Em rigor, nunca foi explicada devidamente a lógica de uma estrutura que foi percecionada como rivalizando em competências e decisões estratégicas com o Ministério da Saúde. Para o bem ou para o mal, a direção executiva do SNS foi criada, dirigida por um médico e gestor conceituado, Fernando Araújo. Conhecidas que eram as divergências da atual ministra da Saúde com Fernando Araújo, a demissão do médico iria acontecer. Para sorte do Governo, foi ele próprio a afastar-se. Porém, fica mais dois meses em funções a preparar o Plano de Emergência para a Saúde com que o Executivo se comprometeu na campanha eleitoral. Ora, este é o ponto. Se a ministra não partilha das ideias de Fernando Araújo e da sua equipa como explicar então que delegue nos demissionários a promessa eleitoral mais importante da AD? Aguardemos.
Esta semana, surgiu com estrondo a demissão de Ana Jorge e restante equipa à frente da santa casa da misericórdia de Lisboa. Basicamente, o Governo acusa a antiga ministra da Saúde, socialista, de negligência grave. Em causa está a gestão ruinosa da Santa Casa que vem dos responsáveis anteriores. Depois de Santana Lopes, nunca mais ninguém acertou com as contas de uma instituição com uma vocação social indispensável na sociedade portuguesa. Ana Jorge reagiu com estrondo classificando a forma como foi afastada de rude, sobranceira e caluniosa. A suspeita de que se tratou de um saneamento político instalou-se e a polémica não se fez esperar. Em tudo isto, há um pecado original: sempre que muda o Governo, muda a Mesa da Santa Casa. Mais um péssimo sinal para a sociedade civil.
Mais uma vez, o Presidente. Já todos escrutinaram as palavras de Marcelo no ‘convívio’ com jornalistas estrangeiros. Não obstante o exercício de psicanálise feito pelo Presidente, há um ponto no qual Marcelo Rebelo de Sousa tem razão: os países europeus com um passado colonial têm estado a reexaminar a sua história. Tem sido assim com a França, Alemanha, Bélgica e Reino Unido. Discutir o passado não pode ser um tabu. Falar em reparação histórica não pode ser proibitivo. Por alguma razão é que o museu do Cairo, no Egito, rivaliza em importância com o Louvre em Paris ou com o British Museum em Londres. O que não se percebe é a razão que levou o Presidente a falar agora no tema, mas essa é outra perspetiva de análise.