Jejum intermitente e dietas yo-yo. Os benefícios e os perigos das dietas da “moda”

Tem-se ouvido falar cada vez mais sobre ele. No entanto, é importante conhecer as suas vantagens e perigos. Será que o jejum intermitente emagrece mesmo? E o que são as dietas yo-yo? As nutricionistas explicam

Com o verão a aproximar-se aumentam as preocupações com o corpo e a procura por dietas rápidas e eficazes. É a dieta “da moda” e ouve-se falar cada vez mais dela como se fosse milagrosa. Se antes a privação de comida era feita pontualmente por motivos religiosos ou, por exemplo, antes de uma cirurgia, são cada vez mais aqueles que a aplicam no seu dia-a-dia. 

Ao fazermos scroll pelo telemóvel torna-se cada vez mais habitual cruzarmo-nos com inúmeras partilhas sobre os seus benefícios. “Porque é que o jejum intermitente é essencial?”, “Jejum intermitente para perder peso rapidamente”, “O jejum intermitente mudou a minha vida”, são apenas algumas das frases que lemos no Instagram. A verdade é que, mesmo nos jantares ou almoços de família, se torna cada vez mais frequente haver alguém que não come por estar no seu período de jejum. Há também casos de pessoas que, ao terem embarcado nesta “dieta”, acabaram por se fechar em casa e, ao perderem peso – não querendo voltar às suas antigas rotinas alimentares –, deixaram de fazer parte dos regulares convívios de amigos. Ouvimos falar sobre ele, mas poucas vezes vamos a fundo na questão… E com a saúde não se brinca. Afinal o que é o jejum intermitente? Há vários tipos? O que temos de ter em conta se queremos começar a fazê-lo? Quais os mitos, vantagens e desvantagens? Será realmente eficaz e benéfico? E as dietas yo yo? Quais os seus perigos? 

Ligação cérebro e intestino

O jejum intermitente é um padrão de alimentação que envolve períodos de jejum alternados com períodos de alimentação. “Existem diferentes métodos de jejum intermitente, como o jejum de 14/10, 18/6 12/12 e 24h sendo o mais comum o de 16/8 (16 horas de jejum e 8 horas de alimentação), o jejum de 5:2 (comer normalmente por 5 dias e reduzir calorias por 2 dias) e o jejum de 24 horas (um dia de jejum completo por semana)”, explica a nutricionista Mária Benedito. Segundo a especialista, este método tem sido associado a benefícios à saúde, como “perda de peso, melhoria da saúde metabólica e redução do risco de doenças crónicas”, mas na verdade ainda requer de “mais evidência científica para que possa ser utilizado para melhorar ou curar doenças”. 

De acordo com um estudo publicado recentemente na revista científica Frontiers in Cellular and Infection Microbiology, o jejum intermitente leva a mudanças significativas no intestino e no cérebro. 

Os investigadores chineses responsáveis pela pesquisa analisaram ao longo de 62 dias 25 voluntários classificados como obesos. Durante esse período, os mesmos participaram num programa de restrição energética intermitente – uma dieta que envolveu um controlo cuidadoso da ingestão de calorias e jejum relativo durante alguns dias da semana. Os resultados mostraram que os participantes não só perderam peso – 7,6 kg ou 7,8% do seu peso corporal em média – como também “houve evidências de mudanças na atividade de regiões do cérebro relacionadas à obesidade e na produção de alimentos de bactérias intestinais”. “Aqui mostramos que uma dieta de restrição energética intermitente altera o eixo cérebro-intestino-microbioma humano”, afirmou em comunicado o investigador Qiang Zeng, do Segundo Centro Médico e Centro Nacional de Pesquisa Clínica para Doenças Geriátricas na China. “As mudanças observadas no microbioma intestinal e na atividade nas regiões cerebrais relacionadas ao vício durante e após a perda de peso são altamente dinâmicas e acopladas ao longo do tempo”, acrescentou. 

Apesar de não estar claro o que causa estas alterações – se o intestino influencia o cérebro ou vice-versa –, sabe-se que o intestino e o cérebro estão “intimamente ligados”, visto que alterar certas regiões do cérebro pode ser uma forma de “controlar a ingestão de alimentos”. As alterações na atividade cerebral foram detetadas através de exames de ressonância magnética funcional (fMRI) e ocorreram em regiões que atuam na regulação do apetite e do vício. Além disso, as alterações do microbioma intestinal, analisadas através de amostras de fezes e medições de sangue, foram associadas a regiões específicas do cérebro. “Acredita-se que o microbioma intestinal comunica com o cérebro de uma forma complexa e bidirecional”, disse por sua vez o cientista e médico Xiaoning Wang, do Centro Clínico Estatal de Geriatria da China. “O microbioma produz neurotransmissores e neurotoxinas que acessam o cérebro através dos nervos e da circulação sanguínea. Em troca, o cérebro controla o comportamento alimentar, enquanto os nutrientes da nossa dieta alteram a composição do microbioma intestinal”, explicou. Os investigadores chegaram então à conclusão que “entender como o cérebro e o intestino interagem pode fazer uma enorme diferença na prevenção e tratamento eficaz da obesidade”.

De acordo com a nutricionista Joana Pinho, atualmente há uma área – psiquiatria nutricional –, que estuda a comunicação entre nutrientes/padrão alimentar/estado nutricional e o declínio/melhoria da saúde mental do paciente, ou seja, de que forma os nutrientes podem contribuir para a diminuição ou aumento da saúde mental. “Existe uma relação bidirecional, chamado eixo intestino-cérebro, e esta relação é essencialmente através da microbiota intestinal. Atualmente sabemos que existe um vínculo forte entre o que comemos, como nos sentimos e como nos comportamos, onde as bactérias da microbiota participam de forma muito ativa e é por isso que se acredita que o intestino é o nosso ‘segundo cérebro’”, lembra. Por exemplo, muitos neurotransmissores, como a serotonina, considerada a “hormona da felicidade” são altamente influenciadas pelos milhões de bactérias da nossa microbiota. “Portanto, é normal que o nosso intestino seja, não só um canal para o processo digestivo, mas também um recetor de emoções e sensações. A serotonina é uma das hormonas mais importantes para o nosso bem-estar, ajuda a regular o nosso sono, o apetite e a controlar a forma como nos sentimos!”, exemplifica.

Segundo Joana Pinho, o que também já está “muito bem estudado” são os mecanismos da diminuição da saúde mental. “Um dos mecanismos é a inflamação sistémica de baixo grau, causada pelo aumento do tecido adiposo, presente em pessoas com o peso acima do recomendado. Que promove o aumento de citocinas inflamatórias e estas levam à ativação do sistema imunológico e o aumento da inflamação (incluindo na hematoencefálica)”, continua. Portanto, este estudo refere que as pessoas que fizeram a “dieta de restrição energética intermitente perderam peso e alteraram o eixo cérebro-intestino-microbioma humano”. “Quando há presença de obesidade e há uma diminuição do peso, esta tem impacto positivo na microbiota”, aponta. Contudo, a nutricionista acredita que estes resultados se devem essencialmente à restrição energética e não necessariamente ao jejum intermitente. “Ou seja, independentemente da prática de jejum ou não, o que teve maior impacto no resultado foi a perda de peso, através da restrição calórica. O jejum intermitente foi uma estratégia que contribui para a restrição calórica”, explica.

A nova dieta da moda e os seus mitos 

Segundo Mária Benedito, tem havido jejuns ao longo de toda a história. No entanto, este virou moda em 2016, quando Yoshinori Ohsumi ganhou o prémio Nobel da Medicina num estudo de autofagia – processo de regeneração natural que ocorre em nível celular no corpo, reduzindo a probabilidade do surgimento de algumas doenças –, onde demonstrou que também o jejum pode “potenciar a capacidade das células se repararem e adaptarem”. “Este estudo investigou o processo de autofagia em células de levedura, mas não era demonstrado em humanos”, alerta. Mesmo assim, o jejum intermitente começou a ganhar popularidade. “Além disso, os influenciadores digitais também contribuíram para a disseminação dessa prática, compartilhando as suas experiências e resultados positivos com o jejum intermitente”, acredita. “A popularização das dietas low-carb e cetogénica também contribuíram para o aumento do interesse pelo jejum intermitente, já que essas dietas frequentemente são combinadas com estratégias de jejum para potencializar a perda de peso e melhorar a saúde metabólica”, acrescenta a especialista.

Mária Benedito lembra que existem vários mitos em torno desta dieta. O primeiro diz-nos que o jejum intermitente faz mal à saúde. “Este mito sugere que o jejum intermitente pode causar desnutrição, fraqueza e outros problemas de saúde. No entanto, quando feito de maneira correta e supervisionado por um nutricionista, pode ser seguro e até mesmo benéfico”, esclarece. O segundo mito defende que o jejum intermitente “pode levar à compulsão alimentar”: “Algumas pessoas acreditam que este pode desencadear episódios de compulsão alimentar, levando a um aumento de peso em vez de perda de peso, mas a probabilidade deste influenciar a compulsão alimentar é muito reduzida”, garante Mária Benedito. Outro mito diz-nos que “as mulheres não devem praticar o jejum intermitente”: “Há um mito de que o jejum intermitente é prejudicial para as mulheres, especialmente para aquelas em idade fértil, devido aos impactos que pode ter nas hormonas femininas e na saúde reprodutiva. No entanto, se feito de forma adequada e adaptada às necessidades individuais, pode ser seguro e eficaz para mulheres”, afirma. Além disso, muitas pessoas acreditam que este é “apenas mais uma tendência passageira na área da saúde e bem-estar, sem benefícios reais a longo prazo”. “Não concordo. Acho que o jejum intermitente é uma estratégia de emagrecimento bem aceite por quem quer emagrecer e veio para ficar”, sublinha. O último mito diz-nos que este é “difícil de manter a longo prazo”: “Mas este pode ser adaptado de acordo com a rotina e preferências individuais, tornando mais fácil de manter a longo prazo”, acrescenta a especialista. 

Das maiores vantagens desta dieta fazem parte: o aumento da sensibilidade à insulina, a redução da inflamação crónica e o aumento da queima de gordura. Quanto à perda de peso, este é bastante eficaz se “existir redução das calorias consumidas”, porém, é importante ressalvar que “os resultados podem variar de pessoa para pessoa”. 

‘O jejum silencia-me a fome’ 

Patrícia Aguiar tem 47 anos e também é nutricionista. Desde os 20 anos que tem problemas com o peso e, desde então, tem de ter muito cuidado com o seu estilo de vida. “Desde que fui mãe há 10 anos que o meu peso aumentou e desde então que a luta tem sido uma constante na minha vida”, afirma ao i. O jejum intermitente chegou à sua vida há cerca de cinco anos. “Comecei por fazer o protocolo das 16 horas algumas vezes por semana, avançando para todos os dias da semana exceto ao fim de semana, pois gostava de tomar o pequeno-almoço em família”, conta. Ou seja, se terminasse de jantar às 20h30/21h depois só abria a janela alimentar por volta das 12h30/13h. “Sempre me senti muito bem, inclusive treino sempre em jejum”, continua. “A estratégia do jejum não é milagrosa, pois se na janela comermos mais calorias do que precisamos, não perdemos peso”, garante. Segundo a mesma, por ser nutricionista “a pressão da imagem é feroz e muito exigente”. “Resolvi mudar por mim, pelos meus e pelas minhas pacientes. Achei que me devia priorizar e, no dia 1 de abril de 2023, com a 1.º edição do meu grupo de emagrecimento do jejum intermitente comecei esta minha jornada, pois ainda estou na minha metamorfose”, admite, acrescentando que começou nos 89 kg. “Em agosto, quando fui de férias, estava com 78,50 kg. “O jejum silencia-me a fome, ajuda-me a controlar impulsos por alimentos mais energéticos. Sinto energia, bem estar, já para não falar no quão económico se torna”, brinca Patrícia Aguiar. “Hoje encontro-me com 77 kg e o meu objetivo é sair da casa dos 7, por isso sigo firme e de ânimo leve”, afirma. 

Dietas yo-yo 

Flor tem 60 anos e sempre teve uma relação complicada com o seu corpo. Durante toda a vida, só se sentiu satisfeita três vezes e sempre depois de dietas. “Agora com a menopausa está cada vez pior, muito ganho de peso e pouquíssima motivação e força para contrariar esta tendência. Sinto-me cada vez mais complexada, triste e desgostosa”, confidencia ao i. A sua primeira dieta foi há 40 anos, após ter sido mãe. “Engordei 23 kg e no parto perdi somente 5. Completamente desgostosa, fiz uma dieta, na Venezuela, que era de 14 dias. Emagreci 11 kg, tinha 20 anos e foi super fácil”, lembra. Quando veio para Portugal, conseguiu manter o peso até engravidar pela segunda vez. Com 30 anos, engordou 25 kg o que foi uma “dificuldade acrescida para perder peso”. Seguiram-se mais dietas e medicamentos. “Tomei de tudo o que havia, mas sem sucesso nenhum”, lamenta. Até que descobriu uma dieta que lhe “coube” muito bem. A cada dia que passava perdia peso e volume e a sua autoestima aumentava. “Cheguei ao peso pretendido, não me lembro bem, mas acho que eram 68 kg”, afirma. Não engordou mais até à menopausa. Mais recentemente, ficou a conhecer o jejum intermitente e decidiu fazê-lo sem acompanhamento. Pesquisou sobre ele e optou pelo de 18/6. A dada altura já se sentia tão bem que fez 24 a 36 horas de jejum. “Sentia-me super bem não ingerindo açúcar”, admite. Interrogada se em algum momento se sentiu fraca, esta assegura que não. “Já estava muito habituada a fazer dietas, esta foi só mais uma. Acabamos por nos adaptar”, conta. “O certo é que foi eficaz e senti-me sempre muito bem”, sublinha. “Consegui perder 16 kg, cheguei aos 72; parei o jejum, comecei a engordar outra vez, cheguei aos 76; comecei a dieta com uma nutricionista, ora perdia peso numa semana, ora ganhava na semana seguinte”, descreve. Por isso, começou a desmotivar. “Deixei de fazer dieta e continuei a engordar. Não sei quanto peso atualmente, nem me quero pesar”, revela.

Antes de descobrir o jejum intermitente, Flor passou pelas chamadas dietas yo-yo que levam à diminuição do peso efetivamente, mas por pouco tempo. “Há dois motivos: qualquer dieta consegue facilmente garantir o básico para a perda de peso, o défice calórico (quando o consumo energético é inferior ao gasto energético diário), e adesão a essa dieta é grande enquanto existe força de vontade”, conta Joana Pinho. O problema surge quando a força de vontade diminui, pois esta “tem um prazo de validade”. “Infelizmente a maior parte das pessoas são mais atraídas por soluções que prometem o emagrecimento rápido, mas a verdade é que não têm perfil comportamental para lidar com restrições tão excessivas e acabam por abandonar ao fim de pouco tempo”, frisa a nutricionista. Portanto, o problema não é resolvido e após algum tempo (depois de ganhar novamente a “força de vontade”) experimentam a mesma estratégia de forma desesperada, porque querem novamente perder peso rápido e de forma milagrosa. “Contudo, surgirá o mesmo problema, pois ‘os mesmos comportamentos geram iguais resultados’, ou seja, mais uma tentativa, mais uma frustração e acham que a culpa é sempre deles (metabolismo, idade, hipotiroidismo, falta de força de vontade…)”, continua a especialista.

Qual o perigo? Esta mentalidade rígida que estes tipos de dietas extremamente restritivas incentivam, levam a mentalidade “tudo ou nada”, alimentos vistos como “bons ou maus”, ou estamos de “dieta ou fora dela”. E, o mínimo desvio, é sinónimo de “dia perdido”, podendo ser seguido de episódios de “impulsividade alimentar”, “sentimentos de culpa” e “compensações extremas nos dias seguintes”. Por isso, em alguns casos, alerta Joana Pinho, “dietas podem ser o problema e não a solução”. Podem mesmo levar a uma má relação com a comida e com o corpo, através de regras rígidas que as levam a ter medo constante de comer. “Podem mesmo desencadear distúrbios do comportamento alimentar”, reforça.

Voltando ao jejum intermitente. Antes de o iniciar, de acordo com Mária Benedito, é importante considerar alguns fatores, tais como: consultar um nutricionista para garantir que é seguro e adequado para a saúde e condição física da pessoa que o está a fazer; adaptação gradual (é recomendável começar com um período de jejum mais curto e ir aumentando gradualmente de acordo com sua tolerância e conforto); hidratação; alimentação saudável; não exagerar nos períodos de alimentação e estar atento aos sinais do corpo. 

Além disso, existem alguns riscos associados ao jejum intermitente, especialmente para certos grupos de pessoas. Alguns desses riscos incluem: desequilíbrio nutricional (se não for cuidadosamente planeado, o jejum intermitente pode resultar em deficiências de alguns nutrientes essenciais); hipoglicemia (pessoas com diabetes ou propensão a baixos níveis de açúcar no sangue podem experimentar episódios de hipoglicemia durante o jejum, o que pode levar a sintomas como tontura, fadiga e confusão mental) e ainda distúrbios alimentares (pode desencadear ou piorar distúrbios alimentares em algumas pessoas, especialmente aquelas com anorexia, compulsão alimentar, bulimia). “O jejum intermitente pode não ser aconselhável em alguns casos de gravidezes, amamentações e distúrbios alimentares”, remata a nutricionista.