Começava pela notícia mais recente, que é o anúncio de que o seu partido vai apresentar no Parlamento uma queixa crime contra o Presidente da República por traição à pátria. O que lhe pergunto é se acha, até na condição de cabeça de lista às eleições europeias, que um processo destes, com o chefe de Estado a ser acusado de traição à pátria, é um bom cartão de visita para o país?
Não, não acho. Aquilo que eu acho, fundamentalmente, é que vergonha é a maneira como o Presidente da República se tem comportado ao longo destes últimos anos, sem qualquer sentido de Estado e com atuações que eu diria quase que pitorescas, sem ter dignidade e isso sim, se eu fosse embaixador no ativo neste momento, eu teria vergonha. Agora, quando um país, quando um partido, quando cidadãos de um país põem em tribunal ou noutra instância qualquer certo tipo de atuações, eu não acho isso mau. Acho isso muito bem.
Mas traição à pátria não é uma acusação qualquer…
Não, não é.
Vamos então a temas que dizem mais respeito à Europa. Começo pela questão da guerra que está às portas da Europa, da invasão da Ucrânia pela Rússia. O senhor, na altura, quando este conflito começou, manifestou-se no sentido de alguma compreensão com a atitude de Moscovo e de alguma crítica em relação ao Governo do senhor Zelenski. Mantêm essa opinião?
Não. Para já, não é verdade que eu tenha manifestado compreensão relativamente ao regime de Moscovo, relativamente à atitude dos alemães, na altura, sim. Isso foi há dois anos, na altura as coisas tinham uns contornos completamente diferentes. É evidente que houve uma 25.ª hora em que teria sido possível evitar o conflito. E aqui está outra vez a minha atuação como diplomata, qual é a primeira prioridade de um diplomata? É evitar o conflito. Qual é a segunda prioridade do diplomata? Acabar com o conflito. É evidente que houve a atuação de potências exteriores à Ucrânia, que, de facto, empurraram de alguma maneira, incluindo a Rússia, para este conflito.
Portanto, não acha que a culpa é de Moscovo?
Com certeza, Putin tem toda a culpa. Quer dizer, do ponto de vista de relações internacionais, nada é preto e branco, tudo é cinzento. Mas com certeza que Putin nunca na vida deveria ter invadido a Ucrânia. Portanto, essa solução nunca devia ter sido tomada.
Mas também fez críticas a Zelenski e ao seu Governo, atribuindo-lhe alguma responsabilidade?
É óbvio que a culpa não morre sozinha. É evidente que para se chegar a um conflito destes tem de haver um conjunto de circunstâncias. A minha dúvida foi sempre se era possível evitar o conflito. E sim, se as decisões que foram tomadas na altura por várias partes, incluindo a Rússia, se foram as mais corretas ou se não foram as mais corretas. Eu na altura questionei-me se de facto se não teria havido a possibilidade de se evitar este conflito tal como ele está, através de negociações e de um entendimento mais claro, como se passou com o Kosovo, por exemplo.
Mudou a sua opinião sobre Zelenski ?
Eu não conheço Zelenski. Eu estou a programar uma visita a Kiev precisamente para conhecer Zelenski para lhe perguntar cara a cara o que é que ele é… Eu, por exemplo, também não conheço Putin pessoalmente, também não estou muito interessado, mas fui talvez a única pessoa que desafiou o Putin para um combate.
E como é que desafiou Putin para um combate?
Estava no Cairo como embaixador e nessa altura a Rússia intervém na Geórgia. A Geórgia é um país de que eu gosto muito, aliás, é um país muito parecido connosco em termos gerais. E quando ele intervém na Geórgia, eu chamei o embaixador russo e disse: diga lá ao cobarde do seu Presidente que eu o desafio para um combate. É evidente que nunca recebi resposta, mas de facto fi-lo com uma raiva incontida. Até digo, muito para lá daquilo que um diplomata deveria ter feito.
É mais um dos episódios na sua carreira diplomática que parecem exceder aquilo que um diplomata costuma fazer. Não se arrepende desses episódios?
Não sei a que episódios se refere.
Episódios como o do Canadá, com a questão dos barcos que lhe foram oferecidos e que levaram a um processo, ou o do consulado de Goa?
Mas isso nem sequer fui eu. Quer dizer, mas também digo uma coisa, se fosse preciso dar um pontapé numa porta em defesa dos interesses portugueses e de Portugal, eu dou os pontapés às portas que forem necessárias e ainda por cima foi de acordo com a dona do edifício. Mas não me parece que isso tenha sido assim uma ação anti diplomática. Quanto ao barco, toda a gente fala do barco, eu tive 30 barcos até agora. Nessa altura, quando viemos com o barco e viemos com a delegação do Canadá, o grande patrocinador dessa campanha era um senhor que na altura era Presidente da República e se chamava Dr. Mário Soares e eles não compraram o barco, eles apoiaram a campanha, foram umas centenas. E, de facto, porque é que eu fiz isso? Eu não precisava de barco nenhum, tive até agora cerca de 30 barcos, o maior dos quais tenho-o neste momento, sem o apoio de ninguém. Pergunta, mas eles deram apoio? Quando se dá apoio, quer-se alguma coisa em troca? E eu digo-lhe com toda a franqueza, sim, houve qualquer coisa em troca. As pessoas pensam logo em corrupção nisto, naquilo, foram passaportes, o consulado funcionava perfeitamente, o que eu lhes dei em troca foi dignidade e presença. Numa comunidade considerada de cidadãos de segunda, eles sentiram que eu já tinha ganho. Já tinha ficado em primeiro lugar no Campeonato do Mundo. E eles acharam que o desporto supostamente elitista como é a vela, a comunidade pesquisou, levantou-se e disse: nós também queremos ser parte disso, nós também queremos ser iguais a eles.
Se André Ventura existisse nessa altura, provavelmente faria uma conferência de imprensa a acusá-lo de corrupto.
Não me parece. Porque o barco não era meu, nunca foi meu, e o barco foi entregue ao Clube Naval Setubalense. Foi uma ação recebida pelo Presidente da República, que era socialista. Eu não tive um ganho pessoal.
A imigração é um dos grandes temas que a Europa debate neste momento e é uma das grandes bandeiras do Chega. O que defende em matéria de imigração?
Imigração controlada e a aplicação da lei.
A lei atual?
Apenas a aplicação da lei, com certeza. E a aplicação da lei funcionava perfeitamente: a existência de contratos de trabalho prévios, a garantia de sobrevivência, a garantia de emprego, a garantia de uma vida digna. Não é o que se passa neste momento, de portas abertas.
E é o que acha que se passa em Portugal?
Passa-se na Europa inteira, em tudo e em toda a parte. A polícia sueca, o ano passado, identificou 19 no go zones, onde os suecos não podem entrar. Eu não acho normal que isso aconteça num país. Em França, todos os dias, nos subúrbios das grandes cidades, há incêndios de automóveis, há cenas de violência, há tudo. É claro que não é publicado, mas é um facto, todos nós sabemos.
Está de acordo com a iniciativa do Governo britânico de ter contratado com o Ruanda a extradição de imigrantes ilegais para esse país?
É uma boa questão. Eu por acaso não estou. Sempre defendi que devia haver um investimento local, ou seja, os países europeus, em vez de estarem preocupados em extrair aquilo que os países têm para dar ou extrair para seu próprio proveito, as matérias-primas, a força de trabalho, deviam estar mais interessados em desenvolver esses países e investir nesses países de forma a que houvesse um desenvolvimento mais harmonioso e evidente, em que as pessoas tivessem trabalho digno, habitações dignas e uma vida com futuro. É evidente que não pensariam em vir para a Europa viver em barracas. Depois, acho que devemos combater o tráfico das pessoas, porque isto no fundo estamos em escravatura. Isto que se está a passar neste momento é uma forma de escravatura. Eles cobram X às pessoas, trazem essas pessoas que ficam X anos a ter de pagar. Em terceiro lugar, arranjar um programa eficaz no Frontex, que, aliás, de acordo connosco, devia passar a ter sede em Lisboa e não no norte da Europa, porque é o Mediterrâneo em que o Frontex opera, não é no Mar do Norte ou no Báltico. O Frontex devia operar não só de uma maneira passiva, ou seja, tentar ver quem é que está em perigo no Mediterrâneo e recolher as pessoas que estão em perigo, mas também fazer com que eles não embarcassem na Líbia, em Marrocos e noutros países.
Mas reconhece que em Portugal nós precisamos de imigrantes?
Gente para trabalhar, sem dúvida.
E para sustentar a Segurança Social?
Não, essa segurança social reforçada, a maior parte são brasileiros, ucranianos e romenos e pessoal do leste da Europa, que são pessoas que se integram.
Acha que devíamos fazer uma seleção da origem do imigrante?
Sim, acho.
No sentido de aceitar brasileiros e não aceitar marroquinos por exemplo?
Não, os indostânicos e muçulmanos que têm criado problemas graves em toda a parte na Europa e nós temos de olhar para o resto da Europa para ver os problemas que nos vão cair em cima, que ainda não começaram a cair. Portanto, nós somos um país seguro, ainda, independentemente dos casos que têm acontecido, nós ainda temos um grau de segurança muito superior à maioria dos países europeus, agora o que não podemos é pôr isso em causa. Qualquer pessoa que chega ao aeroporto de Lisboa e vêm aviões cheios diz ‘não de eu vou procurar emprego’, entre… não pode ser.
Qual é o seu objetivo nestas eleições: é ganhar, ficar à frente?
Ora bem, eu não posso discordar do meu presidente e o meu presidente diz que o objetivo é ganhar as eleições e eu tenho de concordar com ele.
Acha que vai sentir-se bem no grupo político que vai integrar, o ID, que tem partidos como a Frente Nacional francesa?
Eu acho que isso é tudo mutável, de acordo com as novas eleições, com os novos resultados e com as mudanças que vão acontecer. Eu acho que há muita margem para negociações. Quer dizer, o Chega não é um partido ideológico, ou seja, nós situamo-nos na direita porque rejeitamos o marxismo, portanto, classicamente somos um partido de direita. No entanto, nós somos um partido novo, entramos na sociedade numa época nova, entramos no mundo que é um mundo em transformação e, para nós, a dicotomia fundamental não é a direita e a esquerda; para nós, a dicotomia fundamental é entre liberdade e totalitarismo. Portanto, tudo o que for totalitário nós rejeitamos e tudo o que for liberdade nós aceitamos…
E isso significa o quê, integrar-se noutro grupo político?
Não, nós não vamos largar o grupo ID e arranjar outro assim de mão beijada, o que nós podemos fazer é facilitar a negociação entre grupos políticos.
E, portanto, vê com bons olhos e aquilo que desejaria era que houvesse uma união entre o ID e o ECR?
Por exemplo.
Mas vai-se dedicar a essa negociação?
Eu vou-me dedicar àquilo para que tenho capacidade.
Se for chamado a votar em António Costa para presidente do Conselho Europeu, como votará?
Contra, em nenhuma circunstância votaria favoravelmente o nome de António Costa.