Qual a importância dos imigrantes para a demografia e também para a economia portuguesa?
Os imigrantes são absolutamente essenciais para manter um saldo migratório positivo e no momento presente é absolutamente essencial para que a sociedade portuguesa funcione em diferentes planos. Se não tiver um saldo migratório positivo, a demografia vai-se tornando cada vez menos sustentável. Também do ponto de vista da economia há uma série de setores de atividade que não têm como funcionar por causa dos défices de mão-de-obra nos anos mais próximos, daí ser absolutamente essencial ter um saldo migratório positivo neste horizonte e que podemos prever que se irá manter nos próximos dez, 15 anos. Depois disso, as interrogações são maiores porque teremos algum equilíbrio na pirâmide etária. Ela será uma primeira etapa envelhecida, mas depois mais estável. Por outro lado, creio que neste momento também não conseguimos prever completamente qual é que vai ser o efeito da evolução na inteligência artificial nos empregos e da junção entre a robótica e a inteligência artificial nos empregos.
Ainda não se conhece o impacto e as necessidades futuras…
Exatamente, claro que a história nos diz que sempre foram criados mais postos de trabalho e que nunca houve redução, sobretudo desde que temos uma sociedade capitalista, desde a segunda metade do século XVIII. Mas é verdade que também nunca tivemos a junção entre robótica e inteligência artificial. Isso era uma coisa de ficção científica há uns anos, na minha juventude, agora não é. Está muito próximo.
Até à entrada dos novos imigrantes, Portugal enfrentava um grave problema de envelhecimento…
Estamos e vamos continuar a envelhecer. Os imigrantes não inverterão o processo de envelhecimento e é bom termos consciência disso. Do ponto de vista macro, muitos países de onde vêm os imigrantes também estão a envelhecer. O país de onde vem mais população para Portugal é o Brasil, mas também ele passa por um processo de envelhecimento. A diferença é que neste momento conta com uma população muito mais jovem e o ritmo de envelhecimento ainda não é tão acentuado como foi em Portugal e ainda conseguem contribuir para a imigração com o envio de jovens ativos. Acontece é que, pelos cálculos que fazemos baseados nas imigrações de substituição, aquilo que vemos é que temos um saldo migratório na ordem dos 70/80 mil, incluindo portugueses que regressam e os imigrantes conseguem, de alguma maneira, assegurar as necessidades de mão-de-obra. Dão alguma dinâmica à demografia, mas não invertem o envelhecimento, torna-o mais lento porque vem gente das faixas adultas da população ativa e em idade de reprodução. E depois têm filhos cá, o que também ajuda um bocadinho e, neste momento, há uma proporção cada vez mais próxima dos 20% em vários concelhos, já bastante superior ao número de nascimentos e isso também contribui para que o nosso saldo natural ou fisiológico seja menos negativo. Mas ele é negativo e vai continuar negativo ao longo desta década. Não vamos conseguir que o país tenha de repente mais nascimentos do que óbitos nos próximos anos. Logo, esta entrada de imigrantes pode fazer com que o número total de habitantes do país se mantenha estável ou crescer um bocadinho, invertendo o que aconteceu no último decénio.
No início de cada ano vê-se pelos “bebés do ano”…
São vários de mães estrangeiras. A taxa de natalidade é baixa porque é calculada com toda a população e com uma povoação envelhecida. Mas se falarmos em relação à população em idade fértil que é o índice sintético de fecundidade também é muito baixo. E apesar de ter subido, o que mostra que há um ligeiro aumento da fecundidade – chegámos a ter 1,29, agora estamos próximo de 1,4 – não assegura a substituição de gerações. E depois há o contributo das mães imigrantes para este processo, mesmo que saibamos que os imigrantes vão adotando progressivamente um comportamento em termos de fecundidade parecido com os das nacionais, portanto não vão ter muitos filhos, vão ter um número parecido com o nosso: dois e eventualmente, em alguns casos, três. O índice de fecundidade continua a ser baixo, mas apesar de tudo mitiga o processo de redução de número de nascimentos no país. Em vez de termos 60 mil ou 65 mil nascimentos temos os tais 80 e tal mil.
Em termos de trabalho continua a existir a ideia de que os imigrantes ficam com os trabalhos que os portugueses não querem?
Há uma espécie de mito que, às vezes, corre e alguns partidos tendem a difundi-lo de que se os portugueses não emigrassem não havia nenhuma necessidade no mercado de trabalho. Isso não é verdade e por várias razões. A primeira é porque o mercado de trabalho não é bolo único, é segmentado. Mesmo em teorias simples, temos o que se chama de trabalho primário, que é o mais qualificado, com carreira e salários mais altos e depois o mercado de trabalho secundário, menos qualificado e com salários mais baixos. E se trabalharmos de uma forma um pouco mais fina depois temos os altamente qualificados, qualificações técnicas, técnicas intermédias, qualificações baixas e só depois temos os indiferenciados, que são aqueles que não têm uma qualificação específica. Ora, não se pode pensar em mercado de trabalho único e temos de pensar nas necessidades de vários segmentos.
Os mais qualificados não querem ir para a restauração ou para a agricultura…
Uma parte dos setores de atividade mais dinâmicos do país, o turismo, por exemplo, ou atividades de restauração e, nos últimos anos, a construção civil, têm uma grande incorporação de trabalho de qualificação intermédia, de qualificação baixa e indiferenciada. Isso significa que fazer um discurso que assenta só na atração dos qualificados e do talento não é só errado como é falso, porque uma parte substancial dos imigrantes que entram no país entram para estas funções. Não é trabalho desqualificado, como se diz. É trabalho de qualificação baixa, às vezes, e muita qualificação intermédia, que é fundamental. Pensamos que toda a gente da construção civil é indiferenciada, não é verdade. Um pedreiro é um trabalhador com qualificação. Um canalizador tem qualificação, um especialista em eletricidade também. E estas profissões são essenciais. Falar só dos muito qualificados é um erro. E o terceiro elemento do mito é que numa lógica de livre circulação europeia e, mesmo com os nossos salários a subir, apesar de achar que há espaço para subir mais, não sobem o suficiente para acompanhar os salários que são oferecidos noutros países e havendo livre circulação e necessidades de mão-de-obra na Alemanha, na Holanda que também têm um processo de envelhecimento, pagando melhor vão atrair portugueses de qualificação média e de qualificação alta. O mito é que só saem portugueses licenciados, não é verdade, nem serão provavelmente a maioria, vamos aproximando paulatinamente, mas andará à volta dos 40%. Isto revela que não vai ficar cá toda a gente, porque há aqui uma questão de circulação e depois há áreas, como a de engenharia, engenharia química, etc., que são mais desenvolvidas noutros espaços do que em Portugal e quem se forma nestas áreas encontra em países, como o Reino Unido, a Alemanha, na Suíça mais oportunidades de trabalho, como encontra muitas vezes as pessoas de qualificação média baixa na construção civil, na distribuição, em França, na Suíça, na Holanda.
E os imigrantes também começam a ter um papel importante na Segurança Social…
Claro, mas é importante ter a sua situação regularizada porque salvaguarda os imigrantes, garante-lhes proteção a todos os níveis, nomeadamente em caso de exploração, em que se podem defender, porque contribui para combater estratégias de dumping social. Já se paga pouco e se ainda por cima paga-se sem impostos ainda se paga menos e aí a concorrência não é boa e é fundamental para que assim contribuam também para o equilíbrio dos tais sistemas. Por um lado, para o equilíbrio geral das contas públicas, a ideia do tal défice zero, se possível mesmo algum superavit e depois défice de sistemas específicos como o sistema de Segurança Social. Dito isto, a AIMA [Agência para a Integração, Migrações e Asilo] não pode suspender todo o outro conjunto de atividades no domínio da integração ou reduzi-las só porque tem um conjunto substancial – não sei se são 300 ou 400 mil como se tem ouvido falar em relação ao número de imigrantes que precisam de regularização. Tem de conseguir encontrar mais pessoas para que se consiga responder a essa necessidade, contratá-las ou desviá-las de outras áreas, sem pôr em causa um trabalho substancial e reconhecido de integração feito que foi ao longo dos anos até à pandemia. Até à pandemia fez-se um trabalho de integração muito significativo. Há momentos piores, há momentos melhores. Na pandemia tornaram-se algumas medidas muito boas, reconheço isso. Mas a partir do momento em que começou o “trânsito” para a AIMA creio que no domínio das respostas, as coisas pioraram muito.
Como vê os conflitos que se passaram no Porto?
É bom termos memória, porque há 20 anos, 24 e 25 anos, tivemos também um fluxo migratório muito significativo da Europa de Leste para Portugal, que tinha muitos ucranianos, alguns russos, bastantes romenos, alguns bielorrussos, moldavos, num número importante que foi um pouco surpreendente, porque não estávamos habituados e até se criou um mecanismo de resposta específico, que eram as chamadas autorizações de permanência. Agora são da Ásia do Sul, porventura são ainda mais distantes do ponto de vista cultural do que eram os imigrantes de Leste. Há aqui uma componente, se quisermos, de racismo subtil, xenofobia que não é assumida.
É aí que começa a aparecer o preconceito?
Alimenta-se muito mais o preconceito. O que acho dos ataques? Não há e não se deve fazer uma associação entre várias coisas. Acho que há redes globais de criminalidade que exploram os imigrantes em muitos casos, redes de tráfico de pessoas. Nem é de contrabando, porque o contrabando é uma coisa que não implica exploração, implica negócio. O tráfico implica exploração, porque as pessoas depois ficam sobretudo por via das dívidas, nas mãos das pessoas que as “trazem” para os países de destino. Este discurso que se começou a repetir com a ascensão da extrema-direita transfere para os imigrantes a responsabilidade de uma parte dos problemas, que é muito típico do capitalismo triádico, em que se cria uma oposição entre o bom povo e o resto e até divide os migrantes em bons e maus. No caso dos portugueses, as pessoas distinguirão, suponho eu, em função da ideologia ou de pertença social, e no caso dos imigrantes, a separação é feita com uma base étnico geográfica. Os maus são os da Ásia do Sul. É esse o problema que tem vindo a ser propagado de forma mais significativa nos últimos tempos. É verdade que tem crescido a imigração da Ásia do Sul, mas é essa que é vista como uma imigração problemática e é toda vista como islâmica, quando é apenas uma parte. E o facto de a população ser muçulmana não a transforma em terrorista, violenta, etc., mesmo que haja questões culturais que têm de ser trabalhadas, sem dúvida nenhuma, em termos da aproximação. E é esse lado que tem vindo a ser explorado de forma muito negativa. E se é verdade que a AIMA não tem a ver com este processo – e admito que não tem – há aspetos que não deixam de ser importantes e tenho dúvidas que o desmantelamento do SEF – acho que agora não se pode voltar atrás –, não tenha sido precipitado. Da parte policial, não da parte administrativa Há um capital específico para lidar com a imigração que foi diluído no contexto das polícias e não sei se é bom no contexto em que estamos, em que há uma maior imigração. Por outro lado, tendo crescido tanto o discurso de diabolização dos imigrantes, o discurso anti-imigrante, sobretudo em relação a determinados grupos, parece-me fundamental que o trabalho que se foi fazendo ao longo do tempo em prol da integração tenha de ser aprofundado, continuado e aprofundado. Isto é, nesta fase, não pode ficar como uma espécie de elemento secundário face à necessidade da regularização. E é bom que as autoridades portuguesas tenham consciência disso, não é só regularizar. Regularizar é fundamental, mas implica que também haja um trabalho de integração. Porquê? Porque a integração é o que nos ensina a nós, que fazemos parte da chamada sociedade maioritária, também o processo de algum acompanhamento relativamente aos que chegam.