Não está assim tão mal que se esqueçam dele, está até mais de acordo com a atitude geral, não só perante Camões e a sua obra, mas a própria língua, abandalhada como vai, nesse triste uso que dela é feito. É certamente mais honesto e não nos desgasta tanto a confiança nos sentidos e na nossa inteligência como todos esses xaropes que fomos forçados a engolir por mais de 400 anos, sempre com um alto teor patrioteiro, de forma a mergulhar-nos em delírios e sonhos compensatórios absurdos. «Casos, opiniões, natura e uso/ Fazem que nos pareça esta vida/ Que não há nela mais que o que parece», escreveu ele. Depois de ser sujeito a todo o tipo de contrafações, acabou transformado numa das nossas eternas vítimas, ao lado de Pessoa, que se quis o supra-Camões, e teve o que merecia, igualmente caluniado e sucessivamente adaptado aos fins de propaganda da nossa beata e hipócrita classe dominante que, ao longo dos séculos, se vem governando e deixando aos restantes uma mísera e mesquinha porção do todo.
E, no entanto, aquela voz enrouquecida foi persistindo e dando sinal de como tudo está montado de forma a que nos sintamos amaldiçoados, e como depois dos mais incríveis feitos, dessas viagens e demandas, guerras e conquistas, depois de reunida toda essa matéria de celebração épica, parece que voltamos ao porto carregado de fantasmas sublimes e infestado dos ratos de todas as pestes, as que fomos buscar ao Oriente acrescentadas às de que já padecíamos. Mas com estes cinco séculos em cima, não deixa de ser irónico que da biografia do grande construtor desta língua hoje ainda saibamos tão pouco.
Diz-se que terá morrido à fome, em Lisboa, mas o ano da morte é desconhecido, tal como o do nascimento, e fica assim grande margem para os nossos estudiosos virem lançar suposições, dando seguimento ao habitual registo de mistificação e desse culturalismo folclorizante que nos é próprio. Por outro lado, se gostam de se deter em nimiedades especulativas, mais raro é que se esforcem por lhe escutar a submersa música sepulta, aquele enredo voluptuoso no modo de impor esse combate vital, no modo de dizer e pôr-se a imaginar, reaver entre os ritmos que o mar mantém vivos a lembrança do passado que através daquele Poema vem ao nosso encontro, e assim desembaraçando os nós que se foram dando no nosso sangue. Isto transforma-nos, devolve-nos um sentido de audácia, este esforço para determos uma vez mais a compreensão da subversiva e enigmática demanda das novas terras e novos céus, daquela que foi, antes de tudo, essa odisseia ocidental do espírito, como vinca Eduardo Lourenço. Camões restitui essa viagem marítima através do apelo memorioso do canto, convocando a tal primavera submersa dos heróis lusíadas, e não se trata de uma trama para produzir um inerte assombro, mas precisamente de produzir esse rapto e exaltação, de modo a que não nos chegue esta condição dos «reformados da História». É preciso ouvi-lo para que a memória seja um embalo, um modo de agitar as águas, para que aquele povo embarcado nas naus do Gama continue a buscar a terra que signifique um mundo novo.
Em verso, quem melhor lhe soube tirar as medidas, homenagear da forma mais justa a sua façanha foi Drummond de Andrade, no seu História, Coração Linguagem: «Dos heróis que cantaste, que restou/ Senão a melodia do teu canto?/ As armas em ferrugem se desfazem,/ Os barões nos jazigos dizem nada./ É teu verso, teu rude e teu suave/ Balanço de consoantes e vogais,/ Teu ritmo de oceano sofreado/ Que os lembra ainda e sempre lembrará./ Tu és a história que narraste, não/ O simples narrador. Ela persiste/ Mais em teu poema que no tempo neutro,/ Universal sepulcro da memória.»
É sobretudo a música o que deve importar-nos, essa que se cultiva como vinha entrelaçada à pauta marítima, e sobretudo o ímpeto e o desejo de beber essa impressão de um mundo que vê transformada a sua face. Não são os motivos propriamente aquilo em que devemos focar-nos, uma vez que tudo isso não passa de um pretexto. Como Lourenço faz questão de assinalar, quando Camões entoa o nosso canto imperial nós ouvimos o rumor dos deuses que nos estão abandonando, e o seu Poema não é senão uma encenação ‘retro’, um ato de magia para os convencer a regressar ao lar abandonado. Não se trata de reter uma perceção do mundo, mas de servir o mote para uma relação expansiva deste, dotando-nos de uma capacidade de perturbar o idioma e dar-lhe abrangência no sentido de captar a diversidade e os inebriantes elementos contraditórios que aquela aventura significava. Aquela epopeia cativou leitores em todo o mundo, desde Humboldt a Melville, encarnando simbolicamente esse espanto diante do mar, como substância inicial, o ventre caótico, tantas vezes aterrador e convulsivo, onde tiveram a sua gestação os continentes. A pujança descritiva e o fulgor imagético com o qual fez do Oceano essa matéria primeira, projetando no confronto entre o engenho humano e este corpo dinâmico e violento as vivências arquetípicas ou históricas mais profundas, fizeram a glória eterna de Camões, e vale a pena copiar o elogio que Humboldt fez às suas capacidades: «Camões é inimitável quando pinta a relação perpétua que se opera entre a atmosfera e o mar, as harmonias que reinam entre a forma das nuvens, suas transformações sucessivas, os diversos estados pelos quais passa a superfície do oceano. Primeiramente, mostra esta superfície encrespada por um leve sopro de vento; as vagas apenas alevantadas coruscam com o raio de luz que se reflete n’ellas; depois, os baixéis de Coelho e de Paulo da Gama, assaltados por uma medonha tempestade, lutam contra todos os elementos desencadeados. Camões é, no sentido próprio da palavra, um grande pintor marítimo».
Como sinaliza Hélio J. S. Alves, «o poema oferece aquele que é um dos clássicos repositórios de poesia oceânica na literatura do mundo. ‘It’s the man-ofwar epic of the world’ (a epopeia mundial do navio de guerra), exclamou Jack Chase, oráculo da marinharia, mestre da gávea grande, em 1850. Naus, caravelas e galeões cortam os mares ao longo da narração, a viagem que se conta e canta é inteiramente oceânica, os feitos militares celebrados dependem sobretudo duma talassocracia, parte maior das belezas mitológicas e naturalistas do poema participa da natureza aquática e salina do oceano, o Adamastor foi capitão de navio e vive agora frustrado das suas femininas águas, e o próprio poeta, devido a naufrágio, molha o seu canto no mar». Mas se este académico se dedica a recompor esta obra como um mosaico recitativo, demonstrando como Camões soube apropriar-se de um vasto quadro de possíveis influências, recusando qualificá-lo como um autor absolutamente original, Helder Macedo insiste que onde se pode reconhecer a profunda originalidade de Camões é nos subtis deslocamentos semânticos que impôs à tradição ocidental, de Virgílio, Ovídio, Dante e Petrarca, inaugurando a perceção do mundo moderno, «modulando a linguagem do passado de modo a poder significar uma nova visão do mundo para a qual ainda não havia linguagem feita». Macedo refere ainda como ele «usou a temática tradicional do exílio metafísico para registar os passos concretos de uma ‘vida pelo mundo em pedaços repartida’ e, ao fazê-lo, deu expressão a um novo entendimento que contrapõe ao absoluto da ordem divina o relativismo da ordem – ou desordem – humana».
Já iremos desenvolver este ponto, mas não devemos esquecer a persistência dessa mesma matéria criadora, o mar, «cúmplice do desassossego humano», como dizia Conrad, que nele viveu e que captou nas tantas páginas de aventura e desolação que lhe dedicou esse efeito de síntese e expansão magistral. Mais do que um motivo ou uma paisagem, o mar é uma infinidade de espelhos, um tabuleiro imenso onde se teciam mitologias e cosmogonias anteriores aos nossos sonhos e pesadelos, como nos diz Borges. «Antes que o tempo se cunhasse em dias», nota o grande efabulador argentino, este «antigo ser que rói os pilares/ Da terra e é um e muitos mares/ E abismo e esplendor e acaso e vento», detinha já sobre nós um inescapável fascínio. «Quem é o mar, quem sou?».
Se parece haver uma fantástica audácia na obra de Camões é a forma como este se põe a falar com o mar de igual para igual. Eduardo Lourenço refere essa noção de se a realidade Cervantes se parece diluir na dos seus heróis e das suas aventuras sem fim, Os Lusíadas não nos remetem senão para o seu autor. «Convém sublinhar esta característica capital antes de se abordar o tema do tempo na sua obra. Com efeito, o esforço original de automitificação através do qual Camões tenta escapar à insignificância e ao esquecimento é mais decisivo para a compreensão profunda do seu destino de Poeta que as múltiplas figuras da sua relação com a temporalidade. Antes do tempo na sua obra, há o tempo da sua obra e a essência deste reside na possibilidade, confessada e vivida, de se salvar salvando o seu próprio tempo numa imagem imperecível».
Quase sempre se procura extrair daquela epopeia um retrato mais abrangente da própria condição da pequena casa lusitana, mas afinal esta epopeia não é uma celebração e sim uma desforra, a de um poeta que se deu conta de como os supostos benefícios do império se tornavam mais outro enredo armadilhado e viria a ser uma das principais causas da decadência da nação. «As políticas mais favorecidas pela oligarquia imperial portuguesa no tempo de Camões eram ou o prosseguimento de uma crescentemente corrupta política de comércio armado no Oriente ou a intensificação da mais recente política de ocupação escravocrata no Brasil», lembra Helder Macedo. E acrescenta que «uma das mais graves consequências da expansão imperial portuguesa havia sido a pauperização do povo que permaneceu dentro das fronteiras de Portugal», já que à medida que o comércio ultramarino aumentava, a produção interna diminuía. «As especiarias da Índia não enriqueceram a vasta maioria da população. Os lucros passavam-lhe ao lado, iam para outras paragens. O tráfico de escravos africanos iria servir para criar as bases da futura economia colonial brasileira, mas não para fortalecer a economia portuguesa».
Como se vê, 500 anos depois, no essencial persistem os mesmos vícios, e agora que parece ser o mundo que vem conhecer este pequeno quintalório, nem assim os lucros do turismo ou os da especulação imobiliária se refletem no orçamento da maioria dos portugueses. Face a isto, sendo natural que o país dele se servisse apenas para favorecer os humores e as necessidades de cada momento, se Camões fez tudo o que fez foi por ter claro como «só ele mesmo se podia pagar pelas suas próprias mãos, confundindo num só canto a errância pátria e a sua mortal peregrinação» (Lourenço). Assim, amaldiçoando a aventura imperial que está a ser iniciada, e mesmo rogando que «nem cítara sonora ou vivo engenho» dê a tais atos «fama nem memória», ali o que ganha expressão plena é a paixão de um ser capaz de integrar na linguagem as suas experiências e o tanto mundo que viu ou as culturas com que contactou, da África à Índia, passando pela Indochina, formulando uma síntese soberba e que traz à épica um forte elemento picaresco.
Este poeta que, como nos diz Macedo, soube servir-se dos nada convencionais usos erógenos do petrarquismo nos bordéis de Lisboa para fazer valer a experiência mais do que a fé, e que, quando chega à Ilha do Amor – «esse vasto bordel de marinheiros e de ninfas» – fez da iluminação espiritual um corolário da satisfação do desejo sexual. No fundo, os motivos épicos e aquela imensa peregrinação abatem-se face ao seu desejo de «dignificar o efémero», e a imortalidade não é já uma rigidez de certos mitos maiores, mas essa capacidade de emprestar um fôlego divino à narração das inverosímeis experiências que guardavam e recontavam os marinheiros, aqueles que se aventuraram, ao invés da usura de todos esses que se limitaram a capturar os lucros. Sobre a pauta marítima, tal como esses vagarosos navios desafiando os limites do mundo conhecido, este canto empurra esses sopros anónimos, vê-se impelido por vigorosos ímpetos volúveis e sombrios, dando-nos a respirar o ar das noites embriagadoras, esses mapas que o sol e o sal deixam na pele.
O que Camões escreveu não é tanto um hino patriótico, mas um hino ao mar, a essa força que impele os homens à descoberta de si próprios. Ao longo dos tempos, antes e depois dele, tantos poetas reconheceram como «esse outro continente, tão longe e tão perto de nós», instiga cada um a buscar a sua identidade através desse encontro com o que há de diverso no mundo.
Carl Sandburg exaltava desde logo esse desafio à condição comum, uma vez que «o mar fala uma língua que as pessoas educadas nunca repetem. É um colossal calão de abutre e não respeita coisa nenhuma». Trata-se de virar costas às degradantes formulações de um certo prestígio e poder, desafiar a velha ordem moral, todas as suas pomposidades falsas, todos esses estigmas que amesquinham os homens. O mar surge ainda como esse elemento instável e renovador, impiedoso, contento a beleza e o tempo, um ser em constante metamorfose, cheio de nomes, no seu ritmo e movimento capturando a transparência do mundo. Tanto assim é que, como lembra o poeta mexicano Juan Domingo Argüelles, para os homens que vivem na sua orla, basta pôr um búzio no ouvido adormecido, para lhe sentirem a pulsação e se reconhecerem os habitantes de outro mundo, outro tempo. Essa proximidade do mar, desse rumor que não pára, dessa outra voz do silêncio, só isso já infunde neles uma noção da eternidade. É um ser e uma viagem infindável, «uma viagem de uníssonos cavalos de cinza», como nos diz Laureano Albán, poeta da Costa Rica. «Tem a força da desmemória,/ a unidade da sombra/ a praia-mar surpreendida da estrela,/ os encharcados olhos do naufrágio». E o que se aprende com este elemento é «a sua sonora ciência/ de tempestade e búzio e bruma».
Foi isto o que Camões aprendeu, dando-nos o relato desse mar atado às naus do Gama, ele que se desinteressava do heroísmo de feição nacionalista, condenando as aspirações imperiais sustentadas no desejo de uns poucos enriquecerem, e procurou antes dar outra matéria a um canto nunca ouvido, fazendo-se cercar nos ângulos do som e da noite, e tirando proveito dessa sensação de vulnerabilidade e até do terror diante do desconhecido, «como um tacto sexual cheio de peixes/ que subisse aos leitos como alta fosforescência» (Albán). Prefere ler na espuma o gemido das sereias desfeitas, reunir a viagem e a sua memória a partir desse verdadeiro tesouro: «ouro noturno, ouro cruel,/ ouro apenas distâncias».
Como notou José Régio, «o mar entrou nele e coube». Assim, falar-lhe hoje, homenageá-lo com alguma propriedade, seria retomar esse efeito de inebriamento e de consciência, captar esse «cheiro saudável e salgado das grandes extensões, movendo-se preso entre a imundície dos nossos males e o agridoce esgar dos remédios» (Álvaro Mutis). Camões não tem que ficar preso ao destino de uma nação há muito encalhada, mas deve reclamar antes a perspetiva daqueles que, furtando-se a esta intriga e à maldição que renovam esses adoradores extáticos, esses refinados hipócritas que apenas fazem as unhas a uma cultura e sufocam a consciência de modo a que não se tornem demasiado aviltantes os seus privilégios, descobriram a sua identidade voltados para essa outra orla, porque «a água do mar trazida por ventos vindos de muito longe, essa água das nossas viagens, o belo olho de matéria virgem em eterna desordem» (Mutis), foi essa a única salvação dos que recusaram beber o mijo pátrio.
É neste sentido, através desse efeito de denúncia, que Camões continua a ser atual, um nosso contemporâneo, recusando a esterilidade dos discursos laudatórios, essas pífias celebrações que, na verdade, só escondem o elemento tumultuoso que está presente e anima toda a grande poesia. Camões está com o mar, o mar sonoro, iluminando o espaço com os seus astros, o mar obcecado pela morte, salvando-se dela, através dessa canção que lhe escapa precisamente porque morre as vezes que forem precisas, abrangendo os elementos de desordem e incerteza, persistindo e falando de amor entre os astros. Camões está com Mario Ferrero, poeta chileno, nesse esforço para burilar esse ritmo obsessivo e captar a imagem de um «mar final», o mar como destino, essa viagem que não cessa. «O mar sobre uma mesa de xadrez,/ o mar nos balouços da noite,/ o mar a quatro pés espreitando furtivamente/ a passagem de um camelo pela agulha do céu,/ o mar às cegas pelas escadas,/ o mar nu numa praia deserta,/ o mar abandonado numa praça/ interrogando a origem das folhas,/ o mar atado a um poste, pensativo,/ o mar participando num desfile/ com a testa cheia de suores,/ o mar náufrago de si mesmo/ a secar as suas correntes fantasmagóricas,/ o mar com a sua faca ensanguentada/ discutindo bêbado nas estalagens,/ o mar numa cadeira ao sol da manhã,/ o mar atropelado pela lua,/ o mar sentado no meio da festa/ bebendo as mistelas tricolores.// O mar molhado às vezes,/ cansado sem razão,/ com os nervos desfeitos de tanto andar em viagem./ O mar numa feira a pedir pão aos gritos,/ mobilado de espanto, envelhecido/ de tanto lutar contra o esquecimento,/ O mar a passear sozinho, vagarosamente,/ por uma ponte de madeira entre ladrões,/ O mar, íntimo amigo dos pobres,/ distribuindo pregões e canções».
Camões está com este mar que tão pouca sorte ou expansão tem conhecido na lírica portuguesa senão nesse infinito soluço, esse mar remorso, esse mar ressacado que vai sendo acolhido nos versos que perderam o movimento de ir, e ficarem eternamente no de voltar, nesse registo atracado, que no máximo nos coloca a perspetiva do mar ao fundo, como qualquer coisa atraiçoada, exausta. Honrar Camões seria renovar aquele ímpeto, como Ferrero nos diz, alargar novamente o mar, o canto, torná-lo ardente, refazer o alcance épico, livre dessas formas de sujeição que obrigam o mar a ficar cabisbaixo, com a sua tosse apagada entre as ondas, preso aos seus sapatos de esquadrão antigo e com o velho capote desencantado em cima. Não é com naus, nem é para fazer triunfar a usura dos mesmos de antes, mas estabelecendo esse paralelo com o espírito, «o mar largo de pérolas e rumores,/ colérico e tenaz, cheio de pó,/ crescendo infatigável, céu acima,/ para lá dos arcos e das flores».
Assim, em vez de coroas de flores, é preciso sobretudo que se oiça o ranger dos dentes dele pela noite, de modo a fazer-nos revolver no leito, ruminando os tantos astros apanhados nas redes do seu canto, ruminando eternamente os séculos naufragados. E em vez de mais estudos, dessas aves que voam nesse transito para planetas mortos, é importante resgatar o sentido da viagem, «isto é, ir descobrir – ir ver, claramente vistos, outros horizontes, outros sóis, outras gentes». Deste modo nos impele Eugénio Lisboa, lembrando que o mais importante seria fazer, em sentido inverso, grande parte da viagem que fizera Vasco da Gama em 1498 e Camões cantara n’Os Lusíadas… «Deixar lastro velho e ardido (preconceitos, crenças, falsos conhecimentos) e adquirir, ao sopro fresco do observado em primeira mão, conhecimentos novos». E depois, então, talvez o mar voltasse a ser íntimo dos nossos usos, da relação com as distâncias, e dando-nos lições sobre vingança, sobre esse ajuste de contas há muito adiado por uma cultura que se faz um álibi daqueles que contam com a degradação de todos os ímpetos de rebelião. Seria essa a lição decisiva, que pudéssemos ouvir «o mar amargo preparando as suas flechas de diamante,/ as suas beberagens de líquido explosivo,/ a rama ardente das suas tempestades» (Ferrero).