‘Estou na corda bamba com jacarés com a boca aberta por baixo’

Oito meses depois de ter ido a votos, Miguel Albuquerque prepara-se para a nova decisão dos madeirenses, sem ilusões de maiorias absolutas e admitindo todos os cenários, de um acordo com o Chega a uma ‘geringonça’ de esquerda.

Há uns meses, numa outra campanha eleitoral semelhante a esta, pedia uma maioria absoluta aos madeirenses. Agora, não o tem feito. Porque já perdeu a esperança?                                      

Neste momento, o que eu pedi foi uma maioria clara, que é mais objetivo no sentido de termos uma mobilização dos nossos eleitores, levando em linha de conta a necessidade de a região ter um governo estável para o futuro.

Mas essa maioria clara para poder fazer passar as suas iniciativas na Assembleia Regional precisa de ter um parceiro claro, ou então corre o risco de se tornar numa situação semelhante à que temos neste momento no Parlamento nacional?

Tem razão, mas por isso mesmo é que eu não estabeleci linhas nem metas. Estabeleci algo que é fundamental, que é esperar uma leitura do quadro parlamentar em função da situação dos madeirenses e porto santenses e assim não fico condicionado a priori relativamente àquilo que depois tenho de fazer. 

Mas já colocou de lado um possível entendimento com o Chega, ou não? 

Não coloquei nada de lado, o que eu disse e mantenho é que não estabeleço linhas vermelhas com ninguém para que não tenha de ficar autolimitado como aconteceu aí a nível nacional. Por outro lado, acho que quem é soberano é o povo, o povo vai votar e o resultado é, no fundo, a leitura daquilo que é a vontade popular, e em função desse esforço atendemos a organização do governo e os equilíbrios necessários para termos um governo estável. 

E, portanto, ainda é possível haver um entendimento com Chega?

Não faço ideia. Eu não queria fazer entendimentos com o Chega, agora… 

E porquê? Porque que é que isso é um problema? 

Porque é um partido que tem uma matriz anti autonomista, é um partido que nada diz sobre a autonomia da Madeira e dos Açores, à semelhança do que acontece com o Vox. O Vox propõe a extinção das autonomias, designadamente as da Catalunha. E, depois, temos um problema, que é um partido de protesto não é um partido de governo. E todo este frenesim de taberna, esta demagogia de taberna não traz nada de positivo. Portanto, se for possível não fazer acordos com o Chega, eu preferia não os fazer. 

Sente nesta campanha junto dos madeirenses que o processo que levou a estas eleições antecipadas deixou marcas? 

Deixou marcas, mas é preciso os políticos terem a coragem para enfrentar esta realidade. A política exige coragem física e coragem psicológica. Agora, se o político se vai acobardando com aquela ideia de alimentar o crocodilo, com a esperança de ser comido em último lugar, isto vai dar para o torto, isto assim não vamos a lado nenhum.  O que é que acontece? Este processo que foi desencadeado é um processo que levou até à queda do presidente da Câmara do Funchal e dois empresários que foram detidos durante 22 dias e o juiz de instrução deu um despacho sobre a matéria que estava lá, que foi analisada durante 22 dias, e diz que não há indícios de crime e muito menos de qualquer crime grave. Este é o resultado. Mas, entretanto, os danos estão feitos.

E tem sentido esses danos no terreno? 

São danos de natureza política. Nós estamos sem orçamento desde janeiro. Nós estamos outra vez num processo eleitoral a atrasar decisões essenciais para o desenvolvimento da vida das pessoas e o mesmo se passa a nível nacional. Você tem um Governo com maioria absoluta, cai o Governo, neste momento é um Governo que não tem maioria, está sujeito às contingências do Parlamento e isto, de uma certa maneira, também é aumentar uma autoestrada para os partidos populistas e esta demagogia desenfreada em que tudo é corrupto, queixas-crimes e tudo isto é recorrente. Na Europa já teve as consequências que nós sabemos e isto é muito perigoso, porque as democracias são muito vulneráveis. E a falta de memória histórica tem uma consequência também acrescida. Por isso mesmo é que o Chega tem 50 deputados na Assembleia da República. 

E pode também reforçar a sua posição na Assembleia Regional da Madeira? 

Sim, vamos ver, eu espero que não, mas, como costumo dizer, eu estou na corda bamba com jacarés com a boca aberta por baixo, mas isso é a minha função enquanto político, eu sou candidato, ganhei uma eleição interna no PSD. Do meu ponto de vista, nós tivemos uma maioria clara, ganhámos em 11 concelhos da Madeira e 52 das 54 freguesias em setembro. Depois, tivemos as eleições em março, as nacionais, a maioria teve um reforço de 3000 votos, ou seja, reforçou a sua maioria, mesmo depois deste processo todo, relativamente às eleições nacionais anteriores, mas o Presidente da República entendeu que devia dissolver, utilizando o argumento de que era uma situação como tinha acontecido com o primeiro-ministro António Costa. Só que aqui a diferença era outra, eu era o candidato, era o mesmo candidato a Presidente do governo, o que não aconteceu no continente…

­Olhando agora para declarações que fez recentemente, dizendo que não esperava uma ida do primeiro-ministro à Madeira durante a campanha eleitoral e que até está ressentido com o primeiro-ministro. Isso é uma coisa séria e vai haver más relações entre o Governo do país e o Governo Regional?

Não, ele está nas suas funções de primeiro-ministro, isto são eleições regionais, obviamente ele não precisa de vir cá. Mas, relativamente àquilo que eu considero que foi um erro, foi a circunstância de a direção do partido não ter posto em lugar elegível para o Parlamento Europeu os candidatos das regiões autónomas, como havia tradição, sendo o PSD governo na Madeira e governo nos Açores. Acho que é um erro. 

Que consequências é que esta crise política na Madeira teve no território para além do Orçamento que já me tinha dito? 

Tem consequências do ponto de vista da confiança política. Nós estamos numa região que vai atingir este ano 7 mil milhões € de PIB, é o PIB mais alto de sempre. Tem um investimento brutal em todas as áreas e isto cria desconfiança no mercado e cria incerteza.

Mas tem notícia de investimentos que deixaram de se fazer, à espera de saber qual é o resultado?

Vou-lhe dar um exemplo, temos um conjunto de investimentos na área tecnológica…Nós temos aqui já 500 e tal empresas de tecnologia de IA, e temos, neste momento, o valor das tecnológicas cá, que já ultrapassa os 700 milhões por ano, e neste momento tenho um conjunto de investimentos para vir para cá, de empresas de ponta da área tecnológica, muitas delas nos Estados Unidos, e que estão a aguardar que haja estabilidade e, sobretudo, um governo para poderem lidar com estas situações.

Isso também tem como consequência que em nenhuma circunstância admite vir a governar em minoria?

Vamos a ver, agora o que é preciso é que o governo seja um instrumento ao serviço do desenvolvimento da sociedade, nós não estamos aqui para brincar aos partidos e andar naquelas retóricas infindáveis a discutir o sexo dos anjos. Se nós não tomamos decisões, não planeamos, não temos maiorias estáveis para concretizar obras em prol da população, nós temos estagnação, temos desconfiança, temos retórica sem nenhuma consequência.

E se, por acaso, houver condições para haver uma ‘geringonça’ como houve no país?

Isso é a desgraça da Madeira. Eles não sabem governar, aliás, eles já estiveram na Câmara do Funchal e foi um verdadeiro desastre. Oito anos de paralisia total, chamada esclerose executiva total. É só conversas moles, as pessoas, nada anda. 

Mas acha que isso é uma possibilidade que pode resultar das próximas eleições?

Espero que não.  Eu acho que os madeirenses e os porto-santenses têm a lucidez e, sobretudo, têm a experiência suficiente para não irem nestes falsos engodos.