Caros leitores, Passou-se algum tempo desde a última edição do ‘Diário de um kibbutz’, mas nem por isso se possa dizer que sejam muitas as novidades. Mesmo o facto de ter mudado de apartamento pela sétima vez já não é propriamente notícia, mas um hábito. Enfim.
Esta semana venho-vos dar o meu ponto de vista sobre o ambiente que se vive na sociedade israelita, uma visão generalizada dos residentes em Israel sobre a imprensa internacional e as inúmeras manifestações nas cidades e universidades de todo o mundo, já que têm sido por demais evidente. Por outro lado, também as medidas inicialmente aplicadas pelo Tribunal Penal Internacional e também os iminentes reconhecimentos por parte da Irlanda, Espanha e Noruega da Palestina enquanto Estado (com base nas fronteiras de 1967) merecem comentário.
O massacre do dia 7 de Outubro e o pesadelo que se vive desde então têm criado um enorme turbilhão no seio da sociedade em Israel. A divisão interna é mais profunda com os dias que passam e a incerteza quanto ao futuro da nação e da população cresce exponencialmente. Falando de política, porque as decisões são tomadas pelos políticos, Israel é um país em que ‘ser de esquerda’ é visto como um insulto. Não que haja poucas pessoas liberais ou apoiantes de causas vistas ‘de esquerda’ – ambiente, sexualidade, multiculturalidade, … – mas nas mesas de voto os seus partidos não ganham tração. No entanto, o facto de os reféns ainda não estarem em casa, o alargar desta guerra que (a meu ver) não mais sentido faz, a proteção económica e legislativa a grupos religiosos da sociedade enquanto outros têm de abdicar de tudo e de todos para servir o país, e a cobertura dos interesses de certos polos da comunidade (colonatos) em detrimento daqueles que não podem habitar em suas casas, tem feito com que o descontentamento e a revolta para com as decisões deste governo seja mais do que evidente.
Para quem vai estando atento ao que se passa lá fora (nem todas as pessoas aqui se importam com o que se diz no estrangeiro), particularmente em todas as manifestações nas cidades e nas universidades, há uma sensação geral que vou chamar de indiferença por falta de um termo mais apropriado. Com certeza que para quem conhece pessoas que lidam diariamente com este entorno por vezes ameaçador, há uma preocupação para com a integridade física dessas pessoas. Mas no cômputo geral, a razão para essa indiferença (e até crítica por essas tomadas de posição) é bem simples: para quem não vive aqui, não conhece o entorno e o tecido social de Israel (no outro dia fui jantar e na mesma cozinha trabalhavam juntos uma mulher judia, um homem árabe, um homem etíope e dois homens tailandeses, e destes há milhares de casos em todo e qualquer tipo de negócio), não sabe a ameaça diária que é viver enquanto organizações como o Hamas têm por objetivo eliminar o Estado de Israel, não entende a mensagem por detrás de slogans como ‘From the river to the sea’, e não cria espaço mental e emocional para absorver a dor e o medo de quem foi vítima do maior desastre humanitário da história de um povo desde o Holocausto, então a opinião é de suspeitar. Um pouco como os partidos de direita falam dos novos liberais e da cultura woke, em que tudo é alvo de escrutínio mas também muita coisa carece de uma (auto)-análise crítica e de consistência. Com isto não quero dizer que não haja conversas a ter de ser tidas sobre direitos humanos, a soberania Palestiniana, como proteger os civis em tal situação de guerra, e que não esteja de acordo com algumas das críticas que ‘a vingança ao Hamas’ deve receber. Mas há uma sensação geral de uma incompreensão (causada em grande parte pelas personagens que têm tempo de antena e que só ‘põem lenha para a fogueira’) do que é ser residente em Israel, de que o nosso sofrimento é menor do que o dos outros, e de que o mundo já se esqueceu de que o 7 de Outubro nos aconteceu e que fomos prometidos pelo Hamas que mais vezes isto ocorrerá. E lembram-se também o que deu início ao ‘legitimar’ da perseguição aos judeus há quase um século na Europa, que culminou no Holocausto? Revoltas nas universidades… Vamo-nos mantendo atentos e críticos de cabeça fria, por favor.
Por último, relativamente às medidas inicialmente aplicadas pelo Tribunal Penal Internacional, há uma geral preocupação sobre os efeitos na economia nos próximos anos mas, tirando isso, a divisão entre quem apoia o continuar da atividade militar e quem discorda não se prende com essa decisão, de todo. Por outro lado, relativamente aos iminentes reconhecimentos por parte da Irlanda, Espanha e Noruega da Palestina enquanto Estado, apesar de não haver uma expressão jornalística e pública relevante sobre o assunto, é algo sobre o qual uma esmagadora maioria da população discorda. E não por se tratar da independência da Palestina e um possível futuro de dois estados que, apesar de tudo, há uma fatia considerável (não a maioria) da população em Israel que não se opõe a tal resolução no dia em que sejam reunidas as condições de segurança de ambos os lados. Há muito e boa gente que quer ‘Palestine will be free’, mas não nos termos dos radicais islâmicos, não do rio até ao mar, e não ‘à força’ dos diplomatas europeus que não fazem a mínima ideia do que é sentir viver neste território e nesta região, nestas circunstâncias. Isto porque há uma sensação de estarmos a premiar um povo que tem no seu cerne cidadãos praticantes de terrorismo, que não vai parar no dia em que forem reconhecidos pelos outros países, mas somente no dia em que Israel deixar de existir.
Isto é uma análise pessoal e não uma verdade absoluta, pelo que sempre recomendo manterem-se informados e irem procurando ouvir várias vozes e perspetivas. De qualquer formas, uma coisa deveria ser imperativa em todos os meios de comunicação social e em todos os campos de protesto: Tragam os reféns de volta a casa AGORA!