Foi uma das notícias da noite eleitoral. A queda do Chega dos 18,07% obtidos nas legislativas de 10 de março, para uns escassos 9,8% nas europeias do passado fim-de-semana. O desgaste eleitoral sofrido em apenas três meses deixou o partido em estado de choque. Já se esperava uma descida, muito atribuida a um cabeça de lista, António Tânger Corrêa, que ficou muito abaixo das expetativas, mas, no domingo, ninguém acreditava numa queda tão abrupta.
A desilusão sentiu-se assim que foram conhecidas as primeiras projeções, que mantinham a dúvida sobre se a Iniciativa Liberal (IL) poderia ou não ultrapassar o partido de André Ventura. Ao final da noite, o Chega manteve-se como terceira força mais votada, muito próximo da IL, com 9,1%, mas muito distante dos 32,1% dos socialistas e dos 31,1% da AD.
Na declaração ao final da noite, era visível a desilusão estampada no rosto de André Ventura, que admitiu o mau resultado e assumiu as responsabilidades.
Deputados insatisfeitos optam pelo silêncio
Na ressaca dos resultados, André Ventura reuniu o grupo parlamentar na terça-feira, depois do plenário, com o propósito de fazer uma reflexão sobre o sucedido.
De acordo com relatos ouvidos pelo Nascer do SOL, a reunião foi longa, mas, durante todo o tempo, só se ouviu a voz de André Ventura – os retantes 49 deputados mantiveram-se em silêncio. Estranho? A resposta surge de imediato: «As pessoas ali não falam à vontade», diz-nos um deputado que esteve presente no encontro. A mesma fonte garante que o silêncio se deve mais a uma opção estratégica dos críticos do que à concordância com o líder. «Os deputados não estão unidos, nem estão todos de acordo com as opções do líder nos últimos tempos», relatam-nos. «Há os de dentro e os de fora», ou seja, os deputados da primeira hora e os que vieram de outras proveniências, nomeadamente do PSD, que são olhados com desconfiança na hora de fazer leituras políticas. Mas o que mais estará a preocupar a liderança é a existência de algumas vozes mais dissonantes, que se movimentam na sombra, mas que não deixam de fazer mossa na aparente unanimidade em torno da liderança de André Ventura. Ao que apurou o Nascer do SOL, Bruno Nunes é o deputado que lidera esta fação, e ao seu lado tem os dois presidentes das distritais mais importantes, Lisboa e Porto. Pedro Pessanha (Lisboa) e Rui Afonso (Porto) têm alinhado com Bruno Nunes numa posição mais crítica às opções políticas decididas pela liderança do partido nestes primeiros meses de legislatura.
IRS e processo a Marcelo dividiram opiniões
Na reunião de terça-feira, Andrè Ventura fez um elenco das preocupações com o resultado obtido nas europeias, que afirmou querer ganhar. De fora ficou uma reflexão sobre as conclusões a tirar. «Estava perdido, ainda não tinha conseguido encontrar explicações», refere-nos um deputado presente. De acordo com o relato ouvido pelo nosso jornal, o líder do Chega terá dito aos deputados que «estava preparado para perder 30% a 40% no máximo, mas não 60%». As percentagens referem-se a uma comparação com os eleitores conquistados em março.
E agora? Da reunião não sairam conclusões nem decisões. Mas nos bastidores adiantam-se explicações e nem todas têm a ver com a qualidade dos candidatos apresentados pelo Chega. «É preciso perceber que o milhão e duzentos mil eleitores de março não são todos iguais», dizem-nos, e compreender isso é essencial para definir a estratégia a seguir. Na leitura da nossa fonte, houve um estado de graça do Chega até ao 25 de Abril, e depois disso começaram os estragos. A tentativa de abrir um processo por traição à pátria a Marcelo Rebelo de Sousa é identificado como o episódio que iniciou uma estratégia muito perigosa para o partido. As sucessivas votações no Parlamento a viabilizar propostas do PS, lado a lado com a esquerda radical, não ajudaram, e a cereja em cima do bolo foi a viabilização da proposta dos socialistas para a redução do IRS, a dois dias das eleições europeias. Ao que apurámos, a decisão de viabilizar a proposta do PS não foi consensual e deixou alguns deputados desconfortáveis.
‘Cheringonça’ incomoda
A expressão foi proferida por Paulo Núncio, líder parlamentar do CDS, na sequência do chumbo da proposta da AD para a redução do IRS e da passagem da proposta socialista com a abstenção do Chega. O deputado centrista aproveitou a ocasião para denunciar a postura do partido de André Ventura nos últimos meses, a colocar-se ao lado do PS e da esquerda, contribuindo decisivamente para o chumbo das propostas do Governo e para a passagem das propostas socialistas. Na altura, Núncio apelou aos votantes do Chega para que refletissem sobre a utilidade do voto naquele partido.
O termo ‘Cheringonça’ entrou no léxico político e tem causado grande incómodo entre os deputados do Chega. Depois dos resultados das europeias, o desagrado cresceu.
De acordo com uma fonte ouvida pelo Nascer do SOL, o partido tem de se definir estratégicamente e tem de afinar o alvo. «Ou se olha para o cenário político e se diz que PS e PSD são iguais, e que o Chega é alternativa ao bloco central, ou somos parte da alternativa à direita». Para a nossa fonte, o Chega deve optar por um caminho como parte de uma alternativa à direita, mas esse caminho não está claro e o anúncio do chumbo do programa de governo da Madeira, apesar de ter sido feito com a ressalva de que «é arriscado», não é um bom augúrio sobre a definição das opções futuras.
Por outro lado, na bancada do Chega há também quem defenda que o partido tem de mudar a agulha nalguns temas que terão causado mais prejuízo do que vantagem. É o caso da insistência nas causas dos ex-combatentes e dos retornados, que serviram de argumento para André Ventura disparar contra Marcelo. São nichos de eleitorado cada vez mais residuais que têm capturado o discurso do partido. Os críticos desta estratégia acham que é tempo de Ventura se virar para outros grupos que fizeram crescer o partido e até para temas novos, como as novas tecnologias e a inteligência artificial.
O tempo agora é de espera, para perceber os sinais que Ventura vai dando sobre uma mudança de rumo.