Um juiz que se encontra suspenso de funções e está a ser julgado por corrupção candidatou-se a juiz desembargador para os tribunais centrais administrativos e está na lista de graduação. João Evangelista, que em Outubro de 2021 foi acusado pelo Ministério Público de vários crimes, está suspenso desde então, com direito a remuneração, o que não o impediu de se candidatar aos concursos para promoção de juízes de primeira instância a desembargadores. E conseguiu a graduação para promoção, tendo ficado em 51.º lugar, em 56, na lista de graduados para as secções de contencioso administrativo e em 60.º, num total de 62, para as vagas de contencioso tributário dos Tribunais Centrais Administrativos, com a classificação de 134,72.
Ao Nascer do SOL, o gabinete do da Presidente do Supremo Tribunal Administrativo (STA), justificou que «a circunstância de um magistrado judicial estar suspenso do exercício de funções não significa que deixe de ser magistrado judicial e que fique impedido de concorrer a concursos, o que só pode acontecer após a aplicação de uma sanção disciplinar de aposentação ou reforma compulsiva ou da sanção de demissão e após a mesma se tornar definitiva. Ou seja, é legítimo o juiz concorrer e ficar qualificado apesar de ser arguido num processo crime. Sobre o caso concreto, o STA responde que, em sessão de 12 de julho de 2023, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, após tomar conhecimento da decisão instrutória proferida no dia 7 desse mês no processo crime e da aplicação da medida de coação de suspensão do exercício de funções ao Senhor Juiz de Direito João Evangelista, deliberou, por unanimidade, acolher a proposta apresentada e determinar a continuação da suspensão do processo disciplinar instaurado até que ocorram desenvolvimentos que sejam considerados suficientes para o seu prosseguimento».
A lista de graduação final dos candidatos foi comunicada em novembro de 2023 por deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) e destina-se a dar provimento às vagas existentes de juiz desembargador das Secções de Contencioso Administrativo dos Tribunais Centrais Administrativos Norte e Sul que, entretanto, venham a ocorrer no período de validade dos concursos.
Os dois concursos, para as secções de contencioso administrativo e contensioso fiscal, foram abertos em abril de 2022, meses depois da acusação do MP contra João Evangelista. Este juiz encontra-se suspenso do Tribunal Adminstrativo e Fiscal do Porto desde novembro de 2021, depois de ter sido alvo da acusação do MP, que lhe imputou a prática de um crime de corrupção passiva para ato ilícito, outro de procuradoria ilícita, dois de acesso ilegítimo e um crime de abuso de poder.
Entretanto, o juiz encontra-se a fazer o doutoramento em Direito na Universidade Católica e continua à espera da decisão final do processo crime. Segundo o Nascer do SOL conseguiu apurar, este processo já está na fase de conclusão tendo sido marcadas as alegações finais para o próximo dia 27 de junho. Na acusação, o MP_requer que, «em caso de condenação definitiva, se determine a proibição do exercício das funções» de João Evangelista.
O magistrado, com 57 anos, foi acusado por atos praticados enquanto estava colocado no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu e acumulava funções com o Tribunal de Castelo Branco, tendo sido posteriormente colocado no Porto, onde se mantém até hoje, apesar de suspenso e à espera da decisão judicial.
No processo-crime, instaurado em 2018, a procuradoria-geral regional de Coimbra deduziu acusação contra mais dez arguidos, além do juiz, pela prática dos crimes de corrupção ativa, corrupção passiva para ato ilícito, acesso ilegítimo, procuradoria ilícita e abuso de poder. Entre eles, estão um ex-presidente da Câmara de Oliveira de Frades, Luís Vasconcelos (PSD), um empresário e oito empresas.
Segundo o MP, João Evangelista é acusado de, «a troco de contrapartidas patrimoniais, nomeadamente dinheiro, estadias gratuitas e com desconto em unidades hoteleiras e o pagamento de mobiliário, prevalecendo-se da função que desempenhava, dos conhecimentos que dela lhe advinham e, não obstante, bem soubesse que tal lhe estava vedado». João Evangelista é acusado de «aceder, consultar e ceder informações contidas em processos pendentes nos Tribunais Administrativos e Fiscais» onde estavam envolvidos os restantes arguidos. Diligências que terão sido feitas em troca de carros, estadias em hóteis, dinheiro e até mobiliário. Tudo vantagens que o MP quer ver restituídas ao Estado.
Entretanto, e conforme notícia avançada pelo Público na segunda-feira, o concurso destinado às secções de contecioso tributário (onde Evangelista ficou classificado em 51.º lugar)_foi anulado pelo STA, dando seguimento à impugnação requerida por quatro juízas que se consideram prejudicadas, e condenou o CSTAF_por ter violado os princípios de transparència e imparcialidade e determinou que haja uma nova seriação «com base em critérios legais»_e que o jurí seja susbstituído. Decisão esta que poderá ser sujeita a recurso. Já o concurso para contencioso administrativo está também a ser contestado, apesar de não haver ainda decisão. Os fundamentos para a anulação e impugnação não se prendem com a candidatura do juiz João Evangelista. O futuro deste juiz está dependente da decisão final do processo-crime, do qual poderá recorrer. Porventura, já juiz desembargador.