A partir do 25 de Abril têm vindo a ser encerradas linhas de ferrovia por todo o país. Os planos que vários governos quiseram implementar para expandir a rede ferroviária não saíram do papel. Temos menos linhas, menos comboios e cada vez estamos mais longe da Europa por comboio. Data do tempo da monarquia, a maioria da rede ferroviária que hoje existe. De então para cá foi mais aquilo que se extinguiu do que o que se criou. A grande aposta tem sido a rede rodoviária.
Nos últimos 50 anos encerrou-se cerca de 40% das linhas férreas e Portugal tem hoje o mesmo número de quilómetros, pouco mais de 2500, do aqueles que tinha em 1890. O último plano para inverter esta tendência data de 2021, promovido por Pedro Nuno Santos, enquanto ministro das Infraestruturas. Foi lançado mas não chegou a ser concretizado. O Plano Ferroviário Nacional tinha com objetivo dar primazia ao comboio com “um modelo em rede que inclua linhas, ramais e trajetos interligados”. Tudo o resto, a rodovia, seriam redes complementares, tendo ainda como ambição ligar todas as capitais de distrito e ligações a portos e aeroportos.
Há dois anos, em 2022, a rede ferroviária tinha 3622 km em Portugal e entre 1988 e 2021 foram encerrados 1664 quilómetros de linhas férreas. Das existentes, cerca de dois terços, pouco mais de 2500 km, estão ativos e, segundo estudos recentes, poderiam ser reativados pelo menos 1000 km destas linhas, das quais mais de 300 km poderiam ser utilizados para transporte de passageiros.
O declínio da rede ferroviária tem sido a constante nos últimos anos: entre 1995 e 2020 diminuiu 18% registando o terceiro maior declínio da União Europeia. No espaço europeu, o decréscimo é de 6% em igual período. Em contraste, a aposta tem sido na construção de novas estradas e autoestradas. Durante estes mesmos anos, a rede rodoviária nacional cresceu mais de 2300 km.
Em relação à densidade, estamos também na cauda da Europa. O número de quilómetros rede ferroviária por cada cem quilómetros quadrados é de 2,8 o que comparando com países de dimensão idêntica é muito inferior. Na Bélgica, por exemplo, a densidade é de 12%.
O fim da linha
Foi no dia 28 de outubro de 1856, há quase 168 anos, aberto ao público o troço Lisboa-Carregado, a chamada Linha Oeste agora designada Linha do Norte. Estavam assim lançados os primeiros carris que iram ligar as cidades, o interior ao litoral, o norte e o sul de Portugal por comboio. A aposta atravessou dois regimes e as duas primeiras repúblicas. Durante a monarquia, as inaugurações de novas linhas, estações e apeadeiros, totalizou a média de 60 km por ano. Durante os 16 anos da I República, esta média para pouco mais de metade, mas ainda assim, constroem-se 16 km de novas linhas por ano. É no período do Estado Novo que o ritmo abranda. Duarte Pacheco, ministro das Obras Pública de Salazar, aposta na rede viária, com a construção da autoestrada até a Pedrouços, a marginal e outras estradas secundárias que ligam várias cidades e o Norte ao Sul do país abrandando o ritmo da construção de nova ferrovia. Tendo sido atingido o máximo de rede que alguma fez se teve em Portugal em pleno Estado Novo, na década 50 do século passado, somava-se cerca de 3600 km em linha ferroviárias. Em 2020, tínhamos menos 30%. É com o 25 de Abril que a história da desertificação do interior, do aumento da densidade populacional no litoral e no investimento da rodovia se torna inversamente proporcional ao crescimento da rede de comboios e ao desmantelamento e extinção de várias linhas chegando-se hoje a mínimos históricos. De 1974 até hoje, foram encerrados quase 40 km por ano. Na década de 90, mais de 700 km desapareceram e em apenas três anos, de 2009 a 2012, mais 500 km. Com o fim das linhas, chegou o desfasamento de horários, a falta de investimento nos serviços o encerramento de estações e o desvio de utentes para outros serviços de transportes. Tudo isto originou a falta de rentabilidade de inúmeras linhas e processo tem sido uma constante.
O processo inverso deu-se na rede de estradas: desde 1995 a cresceu 350%. No mesmo período, encerraram-se oito linhas, 450 km de linha desativada e 101 estações de comboios que foram deixadas ao abandono ou passaram a servir outros fins (ver págs. 8-9). Segundo dados da UE, mais de 100 mil habitantes deixaram de ter acesso a comboio.
Desde a década de 80 que quase todos os Governos se empenharam a desenhar planos para voltar a dar relevância aos comboios mas nenhum acabou por ser cumprido.
Em 1988, Cavaco Silva apresentou o Plano de Modernização e Reconversão dos Caminhos de Ferro até 94 comprometendo-se a modernizar a linha. O plano acabou com a desativação de mais de 750 km de rede. Dos 3600 que herdou, este Governo deixou o país com pouco mais de 2850 de ferrovia e duplicado o número de quilómetros de autoestradas: 690 em 1995. O Governo de Guterres, que dura até 2002, vai na mesma senda e inaugura o conceito das SCUT, triplica a extensão das autoestradas e a ferrovia perde 50 km de linha. O senhor que se segue, Durão Barroso, anuncia em 2003 o projeto do TGV que incluía Lisboa e Porto à Galiza, até Madrid, passando por Évora e por Faro. Mas nada se fez. Com o álibi da crise e da austeridade os anos que se seguiram deram conta do resto dos planos, daqueles que nem se atreveram a programar o incremento da rede e nem mesmo aos que falavam de modernização. Mas não foi por falta de dinheiro: entre 2018 Portugal investiu mais do triplo em estradas do que em ferrovias: 23,4 mil milhões em estradas e 7,7 em transporte ferroviário.