Na última semana, veio a público uma conversa do ex-primeiro-ministro português, António Costa, com um então ministro, João Galamba, sobre questões relativas à TAP. De acordo com as notícias, as escutas não têm relevância criminal e em nada contribuem para o processo Influencer, no âmbito do qual o ex-ministro estava a ser escutado.
Considerando que a informação é fidedigna, há duas questões que imediatamente me assaltam o espírito. A primeira, é saber quem, e por que razão, deixou escapar esta informação para a comunicação social? A segunda, é questionar por que razão uma escuta sem relevância criminal não foi destruída?
Na realidade, o que está à nossa frente é uma gestão política e mediática de informação obtida no âmbito de um processo judicial, o que revela todo o apodrecimento do sistema judicial português, que parece mais preocupado em gerir politicamente os acontecimentos, deixando a procura da Justiça para plano secundário.
De agora em diante, nenhum primeiro-ministro pode telefonar a um ministro, sem receio da sua conversa poder ser utilizada politicamente por um poder fático, sem legitimidade para entrar no jogo político. Comentamos tanto os ataques dos governos húngaro e polaco ao sistema de justiça, e como estes colocam em causa o Estado de Direito, sem que tenhamos o mesmo julgamento sobre os ataques ao Estado de Direito realizados na nossa comunidade.
É lamentável que, recorrentemente tenhamos de voltar a escrever sobre estes temas, mas infelizmente não param de se colocar a jeito. Sabemos que ninguém é responsável, o que nos obriga a considerar que a Justiça, em Portugal, se assemelha cada vez mais a um campo minado por irresponsáveis.
Claro está que, uma vez mais, a responsabilidade maior reside no facto de ninguém controlar os irresponsáveis. O poder político fica nas ‘encolhas’, com os populistas e os simplificadores a dominarem a comunicação. Não há pudor em discutir informação obtida ilegalmente, discutindo-se mais a espuma que sai das fugas, sem que se discuta o fundo da questão: a nossa Liberdade está a ser posta em causa por quem a devia defender.
Não é suposto que as nossas conversas privadas, exceto se contenham relevância criminal sejam utilizadas judicialmente, muito menos que sejam expostas publicamente. O mundo do mediatismo das redes sociais levou muita da privacidade. O excesso de exposição é escolha inconsciente de muitos, não é necessário que a acrescer à falta de bom-senso, haja também exposição de conversas pessoais (ou políticas) por vontade de terceiros.
Soube-se, depois, que foi aberto um inquérito a estas fugas de informação, que deverá acabar como outros inquéritos: ‘a montanha vai certamente parir o seu ratinho’.
A procuradora Geral Adjunta, Maria José Fernandes, disse o óbvio sobre o assunto: «Escutas de cinco anos ou de tanto tempo, conversas entre governantes, já me parece escutar às portas. Não me parece francamente que seja uma solução processual de recolha de prova».
A atentar à afirmação desta procuradora-geral-adjunta, a investigação criminal parece estar transformada em coscuvilhice. Todavia, parece dar resposta à uma dúvida nacional: «Escutas, para que te quero?» – «Para escutar às portas!».