Com o quadro de pessoal reduzido ao mínimo para garantir a sustentabilidade e a independência do projeto jornalístico, o SOL e o i foram os primeiros meios de comunicação social a implementar o teletrabalho generalizado antes ainda daquela nossa célebre manchete Fiquem em casa! que antecipou o confinamento em todo o país durante a pandemia da covid-19. Ficámos apenas menos de 10 pessoas na Redação – diretores e editores, com a indispensável assistência da D. Egualdina e do Pedro Ferreira –, cada um no seu gabinete ou na sua sala, antes de nos mudarmos das amplas e extraordinárias instalações no edifício da antiga sede da Soponata no Beato para as atuais e igualmente magníficas, mas bem mais pequenas, no Núcleo Central do Taguspark.
Nesse tempo pandémico ainda na Rua do Açúcar, numa sexta-feira, dia de fecho do semanário, o Pedro Ferreira veio avisar que no parque de estacionamento no descampado em frente ao nosso edifício estava há dias um pequeno automóvel de matricula alemã onde dormia uma jovem dos seus 30 anos com uma criança de tenra idade.
Fomos à janela e lá estavam, mãe e filha, ambas com ar desarranjado e desgrenhadas.
Segundo o Pedro, já ali andavam há pelo menos dois dias – quando pela primeira vez lhe chamou a atenção a matrícula amarela e estrangeira do pequeno automóvel azul.
Estávamos em plena pandemia, nos primeiros dias de maio de 2020 (era dia 8), e fazia um calor terrível.
A D. Egualdina foi lá abaixo perguntar à jovem se queria dar um banho à menina e aproveitar ela própria para se refrescar e arranjar nas nossas instalações.
Vieram ambas e, enquanto tomaram banho e se arranjaram, a D. Egualdina aqueceu-lhes uma sopa de legumes e a massa com frango guisado que tínhamos no frigorífico da nossa copa – nesse tempo, os restaurantes estavam fechados e fazíamos as nossas refeições no jornal, com o Vítor Rainho a confirmar os seus extraordinários dotes culinários.
Enquanto ia dando a comida à criança com 3 anos acabados de fazer, a mãe foi também comendo e contando o seu infortúnio.
Tinham sido corridas do quarto que alugara e que deixara de conseguir pagar, recorrera aos serviços sociais e à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa mas aguardava uma chamada que tardava uma vez que os serviços estavam a funcionar em regime muito condicionado.
Cidadã europeia, viera para Portugal meses antes da pandemia chegar à Europa e perdeu o emprego porque o restaurante onde trabalhava fechou as portas. Num repente, ficou sem meios para pagar o quarto onde vivia com a filha e o senhorio não teve contemplações.
Com o seu prévio assentimento, contactámos a Santa Casa e os Serviços Sociais da Almirante Reis e telefonámos a quem pudemos para tentar encontrar um teto onde a menina e a mãe pudessem dormir e viver.
Afinal, o mais importante era tirar aquela menina e aquela mãe da rua.
As démarches tiveram êxito. Aquela mãe e aquela menina não tiraram o lugar nem ultrapassaram ninguém.
Tal como as gémeas brasileiras não prejudicaram nenhuma criança nem passaram à frente de outras.
Já todos percebemos o que se passou e como se passou. Não vale a pena mentir ou tentar tapar o sol com a peneira.
Como bem confessava, e bem, Pedro Santana Lopes esta semana na NOW, se o caso fosse com filhos seus, também tudo faria para os tentar salvar.
Aquela menina do Beato não nos era nada, e não descansámos enquanto não resolvemos o problema.
Um caso é um caso e uma coisa é uma coisa, mas outra coisa é outra coisa.
Portugal não é um país rico que possa querer armar-se em Santa Casa da comunidade de Língua Portuguesa ou de outros povos e Estados sem condições para reter os seus cidadãos.E não podemos continuar a fingir que os imigrantes não constituem um problema que urge enfrentar e resolver. Até porque o sentimento de insegurança e a criminalidade estão a aumentar. E não é por acaso.
Nem se diga que é xenofobia ou racismo reconhecê-lo. É, simplesmente, racional e pragmático.
Os serviços públicos – da Saúde à Educação – não têm capacidade de resposta para tanta solicitação. Estão a implodir.
Atente-se ao que se passa nas urgências dos hospitais, nos departamentos de obstetrícia e de pediatria. Estão a rebentar pelas costuras.
E não há trabalho para todos. Nem tão pouco casas para os albergar de forma minimamente condigna.
E veja-se que se passou com centenas de timorenses a vaguear por ruas alentejanas e ribatejanas. Mas, sobretudo, o que está a passar-se em Lisboa e no Porto, com tendência a repetir-se noutras cidades das grandes áreas metropolitanas e noutras capitais de distrito.
É inevitável!
Por isso, aqui fica uma cunha à nova ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, para pôr cobro a isto antes que seja tarde de mais.
É que Portugal não é a Santa Casa nem tem condições para continuar a fechar os olhos a esta explosiva realidade.
P.S. – Afinal, o Paraíso não fechou de vez. Esteve encerrado para obras de remodelação, está agora em férias, mas vai reabrir dentro de dias. Fica desde já agendada uma visita para breve a Tomar, à Corredoura, àquele café da minha infância, para comer um bolo de arroz e um sumo de laranja natural (à falta de Laranjina C), como prometi à tão amável gerente Alexandra Vasconcelos (4.ª geração).