Desde sempre que o mundo enfrenta crises económicas, mas estarão mais presentes na nossa memória as mais recentes: da grande recessão à guerra na Ucrânia. E é exatamente este período que dá título ao livro do economista do Banco Carregosa, Paulo Monteiro Rosa.
A obra, que compila artigos do economista publicados na comunicação social ao longo dos últimos 15 anos, dá destaque à evolução económica neste período e pretende mostrar a importância da literacia financeira. Temas como inflação, juros, preços ao consumidor ou carga fiscal – não só em Portugal como em todo o mundo – são abordados no livro que tem um objetivo principal: «Enriquecer, desafiar e inspirar, guiando-nos através de uma viagem fascinante pelos altos e baixos da evolução económica dos últimos 15 anos», como escreve Mário Carvalho Fernandes, administrador do Banco Carregosa.
À LUZ, o autor conta que a ideia desta compilação em livro «não é recente, nasceu há já algum tempo», recordando um dos seus primeiros artigos, publicado no Negócios em 2009 que falava sobre a «capacidade preditiva na antecipação da crise imobiliária no Dubai pelos Credit Default Swaps, seguros contra o incumprimento de uma dada dívida».
A partir daí, o ‘bichinho’ não parou mais e Paulo Monteiro Rosa continuou a sua escrita pela imprensa nacional. «Alimentados sobretudo pelas crises de dívida soberana ditadas essencialmente pela Grande Recessão, os artigos sucediam-se, alguns iam sendo publicados na imprensa escrita e os remanescentes no recém-criado blogue, datando de 2010, o Omnia Economicus, tendo como principal objetivo compilá-los e divulgá-los», conta. É nessa altura que surge então a ideia de lançar o livro que mais não seria que «um manual que contasse a história que se ia desenrolando no pós Grande Recessão de 2008/09». A ideia nunca mais lhe saiu da cabeça e o livro até chegou a ter o título “Da Grande Recessão à pandemia”, mas a pandemia impediu a sua concretização. Surge então a invasão russa que «trouxe um novo desafio ao mundo e mais histórias económicas para contar que não poderiam ficar de fora deste livro». E é assim que surge o título: Da Grande Recessão à Guerra na Ucrânia.
a importância da
literacia financeira
Paulo Monteiro Rosa defende a importância da literacia financeira e confessa que «o défice de literacia financeira em Portugal é consideravelmente elevado». «E não, não é um viés da minha profissão ou veia de economista que me leva a esta conclusão. Já assisti a várias autoridades nacionais, atores da nossa vida política portuguesa, comentadores da nossa praça e até membros de governos a referirem-se às bolsas de valores como um jogo. A referirem-se ao investimento em ações como um jogo», lamenta.
No entanto, acrescenta o economista, no longo prazo, «uma carteira diversificada, quer setorialmente quer geograficamente, por exemplo um investimento em instrumentos financeiros que repliquem os principais índices acionistas globais, desde o S&P 500 ao Stoxx 600, passando pelo MSCI World, um portefólio 60/40, ou seja, constituído por 60% ações e 40% obrigações, podendo ser também complementado por mercadorias e moedas, tende a permitir um retorno muito superior a quaisquer depósitos a prazo ou outros instrumentos financeiros conhecidos por serem menos arriscados», explica.
No seu entender, o imobiliário também é uma boa opção, e o investimento neste setor «tem sido privilegiado pelos portugueses, permitindo desta forma uma valorização dos seus patrimónios, mas esta estratégia deveria ser complementada por investimentos também nos mercados de capitais». No entanto, o investimento nos mercados financeiros «deve ser sempre acompanhado por profissionais verdadeiramente habilitados para o fazer, sendo primordial para o sucesso».
E deixa exemplos: «Quando as pessoas têm problemas de saúde procuram um médico, quando as dificuldades são jurídicas procuram um advogado, então devem também procurar os profissionais e os economistas dos bancos de investimentos e das gestoras de patrimónios quando necessitam de conselhos para rentabilizar as suas poupanças, evitando de certa forma o aparecimento crónico de ‘lesados’ a cada crise económica que aparece».
Para Paulo Monteiro Rosa, poupanças amealhadas e investidas de forma responsável, acompanhadas por gestoras de patrimónios, «afastam em certa medida a considerável delapidação da tesouraria de algumas empresas e a liquidez de certas famílias nas crises financeiras. Estas perdas, por vezes avultadas, retira capacidade de investimento das empresas e consumo das famílias, agravando o crescimento económico nesses períodos de crise».
E explica que «quando os investimentos não são diversificados, não são acompanhados por profissionais habilitados, quando a literacia financeira é baixa, quando os produtos financeiros não são os adequados ao perfil do investidor ou ao seu horizonte temporal, surgem os ‘lesados’ financeiros».
E foi consciente da crescente importância da literacia financeira no nosso quotidiano que Paulo Monteiro Rosa decidiu escrever esta obra, «esperando contribuir para o aumento da literacia financeira dos portugueses». Até porque, alerta, «a iliteracia financeira é semelhante ao analfabetismo dos séculos passados».
um livro com 20 temas
Tentámos perceber qual o capítulo mais importante mas afirma que «a obra vale como um todo». Defende que alguns artigos são mais técnicos, «destinados aos mais curiosos, aos mais interessados num aprofundamento dos temas económicos, àqueles que buscam um maior conhecimento dos mercados financeiros, sendo, por isso, também artigos direcionados a estudantes e licenciados em áreas económicas». Os outros capítulos, na sua opinião, são «mais ou menos acessíveis e o livro acaba por ser uma compilação de textos bastante eclética, tendo um público-alvo bastante abrangente na área económico-financeira».
O economista do Banco Carregosa detalha que o leitor pode escolher o ano ou o assunto que mais lhe interessa, tendo em conta que o livro está organizado dessa forma. São abordados então cerca de 20 temas no livro, desde criptomoedas, bancos centrais, Portugal (desde as contas públicas ao PIB), economias norte-americana, europeia e chinesa, até às temáticas relacionadas à inflação, dívida pública, ouro, petróleo, investimento em bolsa e literacia financeira, entre outras.
«É certo que os temas económicos, apesar de estarem muito presentes no nosso quotidiano, sobretudo nos últimos anos com a elevada inflação e o aumento das taxas de juro, tendem a não despertar tanto interesse como outros conteúdos mais generalistas, como o futebol ou a música», detalha.
Paulo Monteiro Rosa confessa que os jornais económicos «não despertam junto da população o mesmo interesse que os jornais desportivos, mas contribuir para a crescente literacia financeira dos portugueses é uma das minhas missões, procurando, desta forma, mitigar no futuro o número de “lesados” que aparece a cada crise financeira».
desafios
Paulo Monteiro Rosa cita o escritor norte-americano Mark Twain: «A História não se repete, mas rima». E diz que é por isso importante estudar a História para não se repetir temas do passado. No entanto, adianta, «cada momento é único e nunca estamos a salvo de eventos idênticos aos cisnes negros de Nassim Taleb. Perceber a História ajuda a mitigar dificuldades económicas e financeiras que vão aparecendo, mas desafios mais ou menos semelhantes aos dos últimos 15 anos, como a Grande Recessão, o Brexit, a pandemia e a Guerra na Ucrânia, vão sempre existir com maior ou menor intensidade», lembrando que entre 2009 e 2023, «o mundo enfrentou uma série de desafios económicos». Destaca que a crise do subprime nos EUA, a partir de 2007, «desencadeou uma recessão global, ficando conhecida como a Grande Recessão, marcada pela desvalorização do setor imobiliário, colapso financeiro e consequente impacto nas economias mundiais». Em resposta, «os governos implementaram medidas para conter o desemprego e as falências, enquanto os bancos centrais adotaram políticas monetárias inéditas, como o Quantitative Easing». E eventos como o Brexit, a guerra comercial entre os EUA e a China e a pandemia em 2020, «acentuaram ainda mais os desafios globais».
Há mais problemas destacados pelo economista que diz que, ao tentar mitigar as dificuldades económicas causadas pelo novo coronavírus, «uma vigorosa resposta dos bancos centrais inundou o sistema bancário de liquidez».
Depois, em 2021, os preços no consumidor iniciaram a sua escalada, impulsionados, sobretudo, do lado da oferta pelas disrupções nas cadeias de abastecimento, «enquanto a invasão russa da Ucrânia abriu as portas à inflação na Europa». E destaca ainda a «considerável postura restritiva dos bancos centrais para conter as pressões inflacionistas intensifica o risco de uma recessão».
A Alemanha, recorda, entrou mesmo em recessão em 2023, «penalizada não apenas pelas políticas monetárias contracionistas do BCE, mas também pelo considerável agravamento dos custos da energia, não beneficiando mais do barato gás russo».
«Em boa verdade, ao longo dos últimos 15 anos, é notável um constante aumento da carga fiscal para diminuir a dívida pública acumulada desde 2008/09, e, ainda hoje, são evidentes as cicatrizes deixadas pela Grande Recessão nas contas públicas de muitos países», alerta o economista.
E, claro, Portugal acaba por ser mais um dos países mais afetados pela Grande Recessão.
O livro fala sobre o receio de uma Grande Recessão e Paulo Monteiro Rosa explica. «Atualmente, a dívida pública dos EUA está em máximo histórico face ao PIB nominal, há também uma crise implícita no imobiliário comercial ditada pelo teletrabalho, as taxas de juro são elevadas e crescem as tensões geopolíticas a nível global», dizendo que estes são alguns dos principais riscos que ameaçam a economia global, «mas os investidores estão otimistas, apostando nos avanços tecnológicos, sobretudo alicerçados na inteligência artificial, para afastarem esses receios».
O economista não tem dúvidas que uma recessão «é o maior perigo para a economia, sendo então necessário saber a que distância estamos de uma, ou seja, medir o risco de uma recessão».
O autor do livro atira ainda que as elevadas taxas de juro «encurtam essa distância, sendo suficientes para espoletar uma série de riscos latentes, alguns acima mencionados. As elevadas taxas de juro são incubadoras de cisnes negros e potenciais causadoras de recessões».