Gustavo é nome de reis na Suécia. Gustavo Adolfo, ou Gustavo VI, por exemplo, era um gajo porreiro. Em 1958, no dia da final do Campeonato do Mundo entre o Brasil e a Suécia, desceu ao relvado para cumprimentar os jogadores das duas equipas e fez questão que lhe apresentassem os fenómenos desse Mundial, Pelé e Garrincha. Seu Mané, naquele jeito agarotado que fazia parte da sua idiossincrasia, apertou-lhe a mão dizendo em bom português: «Estás bom Gustavo?». O rei riu-se quando lhe traduziram a familiaridade e foi sentar-se no seu real lugar e assistiu, impávido como um rei, à forma como os brasileiros esmagaram os suecos por 5-2. Parece que o gosto de cumprimentar atletas notáveis vinha de família.O seu pai, Gustavo V, que subiu ao trono em 1907, excitou-se com a realização dos Jogos Olímpicos de 1912 na sua capital Estocolmo. E ficou impressionado com a capacidade física do grande vencedor do decatlo, o americano James Francis Thorpe, catolicamente batizado como Jacobus Franciscus Thorpe, ele que era filho de um irlandês e de uma índia da tribo dos sauk. Fez questão de ir cumprimentá-lo depois de receber a medalha de ouro, e disse-lhe cara a cara: «Para mim, você é o melhor atleta do mundo». Jim agradeceu, ainda não adivinhando que haviam de lhe tirar a medalha.
Jim tinha um nome índio: Wa-Tho-Huk, que significa Caminho Brilhante, e foi despojado das suas duas medalhas de ouro, a do decatlo e a do pentatlo, ambas conquistadas noJogos de Estocolmo, por ter optado por uma carreira profissional no basebol e, em seguida, no futebol americano, algo que, ao tempo, ia contra o que se chamava pomposamente de espírito olímpico. Sentiu-se traído e magoado, engoliu a afronta, teve uma carreira brilhante como ‘outfielder’ no New York Giants e no Boston Braves e outra tão brilhante como essa na National Football League, jogando por seis equipas diferentes, entre as quais os Canton Bulldogs, os Rock Island Independents, os New York Giants, e os Chicago Cardinals. A sua fama de atleta incomparável foi registada para a posteridade num filme que levou o título de Jim Thorpe – All-American, com Burt Lancaster a fazer de Thorpe. O diretor da película seria uma daquelas figuras únicas da história do cinema, Michael Curtiz, nascido em Budapeste com o nome de Manó Kaminer, responsável por dezenas de obras de arte como The Adventures of Huckleberry Finn, The Vagabond King, White Christmas, We’re No Angels, Night and Day, The Sea Wolf, Angels with Dirty Faces, Captain Blood e, sobretudo, Casablanca. E Jim participou como ator secundário, fazendo um pequeno papel de treinador, recebendo 15 mil dólares da Warner Bros por isso, o que serviu para irritar ainda mais os puritanos dirigentes olímpicos do seu tempo.
Criado e educado como nativo-americano, uma daquelas expressões eufemísticas próprias de um povo tão profundamente racista, Jim Thorpe não deixou, apesar da sua fama crescente, de ser um discriminado. Ainda hoje se discute se as medalhas não lhe foram tiradas por causa das suas origens e, sempre que fez algo para as recuperar foi-lhe sugerido pelas autoridades norte-americanas que deveria assumir um tipo de vida mais consonante com a civilização que o recebera. Quando, ainda estudante, jogando pelos Carlisle Indians, se qualificou para os Jogos de 1912, o New York Times não foi de modas ao escrever: «Indian Thorpe in Olympiad – Redskin from Carlisle Will Strive for Place on American Team». O pele-vermelha Jim casou três vezes e teve oito filhos e foi obrigado a todos os sacrifícios para alimentar tantas bocas. Quando o corpo deixou de aguentar as exigências de profissional de futebol americano e, depois, de basebol, os empregos fugiam-lhe por entre os dedos. Mais uma vez não houve como escapar às queixas de racismo. A América ainda não estava preparada para Obamas, fossem eles presidentes ou campeões olímpicos. Thorpe voltou ao cinema.Fazia o papel de si próprio: ou seja, de índio em «westerns» com duelos ao pôr-do-sol. Na maior parte do tempo cabia-lhe morrer cedo, pois esse era o destino dos peles-vermelhas caçadores de escalpes aos quais jamais perdoaram a vitória de Touro Sentado sobre o general Custer e o Sétimo de Cavalaria na Batalha de Little Big Horn. Era um sauk mas fingia-se navajo ou sioux, ou até de moicano até acabarem com todos eles. Foi operário de construção, segurança, lavador de pratos, serviu na marinha mercante durante a II Grande Guerra, e estava falido quando o internaram com cancro em 1950. Morreu três anos mais tarde. A sua família e a sua tribo tiveram de esperar por 1983 para terem as medalhas de volta. O amigo de Gustavo já era apenas uma recordação guardada nas gavetas da memória.