Que balanço faz dos 100 dias do Governo?
Sempre achei que eram golpes de propaganda para todos os Governos, uma coisa inventada por Frankelin Roosevelt em 1933. Na verdade, julgamos as intenções de qualquer Governo, em que podemos classificar umas como boas e outras não tão boas, mas é possível ver a execução de algumas das propostas que foram sendo avançadas. O que podemos dizer sobre os 100 dias? É um Governo que quer marcar uma grande diferença relativamente à descoordenação, barafunda que havia no Governo de António Costa, quer também marcar diferença entre as propostas, os power points e depois a sua execução. Ao mesmo tempo, quer também corrigir problemas que são imputados ao Governo anterior, alguns ao nível das medidas que foram feitas como, por exemplo, o arrendamento forçado no programa Mais Habitação ou outros problemas mais genéricos, como o colapso dos serviços de saúde, o SNS. Há esta estratégia do Governo de se diferenciar em relação ao anterior. Agora ainda é muito cedo para dizer se vai ser bem sucedido.
Luís Montenegro desde o início que se comprometeu em avançar com uma série de medidas nos primeiros meses de Governo. Está a cumprir?
Acho que a grande preocupação vai ser essa. Luís Montenegro desenhou as promessas que fez para as cumprir e para poder fazer a diferença com António Costa que prometia, mas depois não cumpria. Fazia os power points, mas depois não executava.
Daí ter dito esta semana, durante o debate do Estado da Nação, ‘palavra dada, palavra honrada’…
Isso faz parte dos contrastes que quer fazer com o Governo de António Costa e, por isso, teve o cuidado de desenhar um conjunto de promessas que fossem significativas mas, ao mesmo tempo, realizáveis num curto espaço de tempo. Montenegro sabe que não tem quatro anos para executar as suas promessas mais sonantes, portanto, têm de ser promessas que possam ser executadas ou, pelo menos, em vias de ser executadas num período mais curto. Desde a campanha eleitoral e agora no programa do Governo que repete essas prioridades porque sabemos que vamos eleições antes de 2028 e quer ter trabalho feito, quer poder chegar às eleições e dizer ‘bem, disse que isto ia ser uma grande diferença com os governos de António Costa e aqui está’.
Um desses casos diz respeito à decisão em torno da localização do novo aeroporto e mais recentemente às negociações dos aumentos dos salários dos politicas e ao descongelamento da carreira dos professores…
Do ponto de vista concreto e significativo, coisas como os exames do nono ano em papel, as reduções do IRS, a proposta de redução do IRC e as negociações com as forças de segurança, com os professores – estes dois últimos casos são muito importantes – são promessas que estão a ser executadas que podem ser escrutinadas e fiscalizadas enquanto tais. O caso da decisão do aeroporto parece-me uma coisinha diferente. É claramente uma tentativa de o Governo mostrar que, ao contrário dos socialistas, conseguiu decidir, dar a ideia que ‘não estamos cá para andar sempre em indecisões porque, no fundo, somos mais competentes do que os outros e somos mais sérios do que os outros’. No entanto, a decisão do aeroporto envolve um projeto a longo prazo com tantas condicionantes e riscos de execução que já me parece um bocadinho diferente. Ninguém está à espera que seja Luís Montenegro, primeiro-ministro, a inaugurar o aeroporto e se – e sublinho se – o aeroporto chegar a ser feito em Alcochete, já que me parece que esta história ainda não terminou. As objeções às soluções que têm sido avançadas para o novo aeroporto de Lisboa têm sido várias. No Montijo as objeções foram insuperáveis e parece-me que as objeções a Alcochete vão crescer de tom a partir do momento em que o projeto anunciado começar a ser executado ou se tornar mais concretizável os horizontes e os prazos de execução. Acho que a questão do aeroporto ainda não está fechada.
Em relação às negociações podemos estar a abrir a caixa de Pandora?
É sempre assim quando se abrem negociações setoriais. A preocupação dos governos é sempre a de negociar e obter paz social, alcançar a estabilização da instituição, seja ela qual for, sem com isso abrir precedentes que depois provoquem uma cascata de reivindicações. Apesar de tudo, a situação em que António Costa tinha deixado de iniquidade nas forças de segurança era demasiado flagrante e o país todo percebeu que houve uma solução de António Costa que ainda hoje está por explicar, cuja justiça e cuja racionalidade está ainda por explicar. Logo se verá se os sindicatos e as associações aceitarão todas as propostas do Governo, mas isso é outra questão. Ora, o país percebeu que, no caso das forças de segurança, a solução de disparidade dentro da própria instituição policial tinha de ser resolvida porque o Governo anterior deixou um problema que era insustentável. Os professores eram outro problema que se arrastava há muito tempo e havia uma promessa solene concretizada com valores e prazos de execução. Um problema que vem desde 2018/2019 e o país também já estava preparado para isso. Por exemplo, chamei a atenção que vi uma situação também de grande fragilidade ao nível dos vencimentos e dos rendimentos que punha em causa a própria viabilidade futura da instituição que era o caso das Forças Armadas. O primeiro-ministro no debate do Estado da Nação também chamou a atenção para isso e disse que o Governo estaria atento à situação remuneratória e às condições de trabalho dentro das Forças Armadas. Agora há sempre esse risco de assistirmos a reivindicações em catadupa. Isso é evidente e como houve uma desvalorização salarial de muitas classes profissionais, a começar pela função pública nos últimos 15 anos, pelo menos, esse risco agora é maior.
Estamos a assistir ao aumento da despesa e a uma redução da receita…
O primeiro revés que diz respeito à parte da receita foi a extinção das portagens que é bastante assinalável e volumosa, aprovada pelo PS e pelo Chega, e que o Governo não estava a contar. O Governo contava com as reduções de receita que faziam parte do seu programa, descida de impostos, etc. do lado das empresas e do lado das pessoas singulares, mas não estava a contar com a extinção das portagens nas SCUT que ainda são umas centenas de milhões de euros por ano. Há agora que ter esse equilíbrio e o Governo vai jogar com isso no diálogo e no confronto com a oposição, mais no confronto com a oposição.
Montenegro já acusou o PS e o Chega de irresponsabilidade política…
O Governo tem uma estratégia que já me parece muito clara de dizer que o PS e o Chega são irresponsáveis porque aprovam medidas de subida de despesa e de diminuição de receita sem ter em conta a restrição orçamental. Essa é uma parte da irresponsabilidade. Depois há outra que é igualmente grave, não é uma questão financeira, mas é constitucional. A irresponsabilidade do Chega e do PS, tal como é apontada pelo Governo, diz respeito a isto: a oposição não governa, quem governa é o Governo e o Governo tem de ser protegido constitucionalmente nas suas competências executivas, senão o sistema democrático torna-se disfuncional. Não existe um sistema democrático sem um Governo que possa agir. Governar a partir dos partidos da oposição, num Parlamento com maiorias politicamente incoerentes são um revés na separação de poderes. O Governo governa, a oposição opõe-se, fiscaliza, escrutina-o, critica-o, etc. mas se essa separação for posta em causa então há um dano constitucional que é causado. A estratégia do Governo é acusar o Chega e o Partido Socialista destes dois tipos de irresponsabilidade, de um lado financeiro e de outro, se quiser chamar assim, constitucional.
Há risco de o Orçamento do Estado não ser aprovado? Pedro Nuno Santos já disse que terá ‘boa-fé’ nas negociações, mas recusa ‘linhas vermelhas’…
Aí Pedro Nuno Santos e a liderança do Partido Socialista têm um problema sério. No início desta legislatura teve tomadas de posição muito agressivas, de oposição frontal ao Governo relativamente à maioria de direita que, embora descoordenada, se estabeleceu no Parlamento, mas o problema de Pedro Nuno Santos é que não tem força eleitoral no país, como se percebe nas sondagens para forçar a mão do Governo. Pedro Nuno Santos não quer ir a eleições porque se fosse provavelmente tinha um problema até ao ponto de ameaçar a sua liderança no PS. Pedro Nuno Santos tem de disfarçar o mais possível aquilo que é uma mudança de posição que é o de estar disponível para dialogar. Essa disponibilidade para dialogar não existia no início, agora existe, mas por razões de conveniência do PS, evidentemente.
Num cenário de eleições antecipadas correríamos o risco de nenhum dos partidos ter maioria absoluta…
Desde 2015, com a invenção da geringonça, o critério da vitória eleitoral em Portugal mudou. Agora é irrelevante se o PS fica um ponto ou dois à frente do PSD, o que interessa é de que lado está uma maioria parlamentar e, por isso, Pedro Nuno Santos está disposto para ser líder de uma grande frente de esquerda, mas a verdade é que essa frente de esquerda é neste momento minoritária e bastante minoritária. As eleições de 10 de março mostram o segundo pior resultado de sempre da esquerda política em Portugal desde o 25 Abril e as sondagens atuais basicamente dizem que tudo se mantém na mesma.
E viu-se nas europeias com o PCP e Bloco em risco de não elegerem um deputado…
Essa fragilidade dos partidos pequenos de extrema-esquerda mantém-se e previsivelmente vai-se manter no futuro. Teria de haver um grande avanço eleitoral de suporte popular do PS no país ou então não existe qualquer possibilidade de o PS regressar ao poder com eleições a curto prazo. O que está a acontecer é que o país virou à direita, ninguém sabe explicar muito bem porquê, mas aconteceu. Uns foram para a direita liberal – Iniciativa Liberal -, outros para a direita populista – Chega -, outros foram para a direita do Partido Social Democrata. A direita, neste momento, é amplamente maioritária na sociedade portuguesa e enquanto isso se mantiver, o PS não tem qualquer possibilidade de, indo a eleições, formar Governo. Essas são as novas regras que o PS ditou ao país em 2015, agora tem de viver com elas. E é, por isso, que com a popularidade crescente de Luís Montenegro, Pedro Nuno Santos tem medo de ir a eleições, tem medo de eleições antecipadas e tem de disfarçar retoricamente o mais possível aquela que é objetivamente uma mudança de posição. Tenta encontrar condições internas no seu próprio partido para viabilizar o Orçamento, o mais certo com uma abstenção.
E que linhas vermelhas são essas?
Já as disse. Disse que nunca aceitarão uma proposta de IRC, tal como é avançada pelo Governo. Essa foi sobretudo a grande medida contestada pela esquerda. Mas no debate orçamental encontrar-se-ão outras linhas vermelhas. Em setembro ou em agosto, Pedro Nuno Santos fará um elenco daquilo que não está disposto, mas isso faz parte da encenação democrática dos partidos neste confronto delicado na luta pela alma e coração da opinião pública. Do outro lado, também já sabemos o que Luís Montenegro vai dizer, que está aberto a dialogar com todos, mas que não vai descaracterizar o programa de Governo. Em alguns pontos haverá possibilidade de reunir algum tipo de consenso, noutros não haverá. E depois Pedro Nuno Santos tem de fazer contas e ter equilíbrios internos do PS, já que tem uma oposição interna, por enquanto ainda disfarçada, ainda camuflada, mas essa oposição interna existe: uma oposição ‘costista’. E depois também tem de ver se tem condições para viabilizar um Governo do PSD ou se arrisca a ir a eleições, sabendo que isso é um risco muito grave.
Há consequências políticas para todos se o Orçamento for chumbado….
Exatamente. E para Pedro Nuno Santos o risco é muito grande de provocar eleições, sabendo que o país não está virado agora para a esquerda, nem para o PS e em resultado dessa estratégia ter um colapso eleitoral. Acho que isso colocaria em causa até a sua própria liderança. Mas também há riscos para os outros. Há riscos para o Chega, o Chega neste momento – e diria que isso já era visível antes das europeias, mas com as europeias nota-se que há um certo desamparo estratégico – não sabe para onde é que há de ir. Não há um rumo claro e essa desorientação, essa indeterminação é sempre penalizadora para um partido. O Chega está-se a tentar encontrar nesta nova situação política e esta guerra entre o PSD e o Chega vai continuar. Não há nenhuma coligação, não há nenhum entendimento no horizonte, nem para salvar este Governo e iremos até às próximas eleições nesta guerra permanente entre os dois. E isso também faz parte dos riscos do PSD, o seu grande trunfo será sempre a popularidade de Luís Montenegro que, por enquanto, está a subir, logo se verá o que acontece no final do ano. Para já, as coisas estão a correr bem à figura de Luís Montenegro, as pessoas apreciam a sua postura humilde, de um português comum.
E do silêncio? Para já, não tem estado no olho do furacão…
Quando fala, fala com alguma serenidade, com alguma contenção. Isso faz um grande contraste, por exemplo, com António Costa que era muito acintoso, principalmente nos debates parlamentares. É uma estratégia que Luís Montenegro tem vindo a seguir desde os tempos de líder de oposição. E, claro, com esta estratégia que discutimos há pouco de apresentar trabalho feito, como gosta de dizer, de apresentar todos os dias medidas novas, medidas setoriais, de mostrar um Governo dinâmico e enérgico que sabe o que quer, um Governo que os portugueses podem confiar e que se coloca numa posição de moderação entre duas irresponsabilidades, a do Chega e a do PS e entre esses dois irresponsáveis há um responsável que é Luís Montenegro. Isso é uma estratégia óbvia do PSD nesta fase. Mas também tem um risco, Luís Montenegro está a crescer em popularidade, mas, a julgar pelas sondagens, não temos mais do que sondagens, o PSD não consegue ultrapassar o PS e isso mostrou-se também nas europeias. Não interessa se está um ponto atrás ou a um ponto à frente, isso é irrelevante, está dentro da margem de erro, estamos numa fase de empate e num empate em baixos níveis de apoio. Não estamos a falar de um empate em que estão os dois com 40% dos votos , estamos a falar de um empate em que os dois estão nos 30 e poucos. Isso colocaria a questão de que se houvesse eleições como é que o PSD formaria Governo porque se à primeira vez o país tolera que o PSD diga não nos vamos coligar com o PS porque seria um absurdo e com o Chega também não porque não somos incompetentes e vamos fazer um Governo minoritário, de negociação, mas tolera isso como uma solução provisória e temporária, não como uma solução que se repete indefinidamente. Ao PSD vai ser exigido a resposta: ‘Então se tiveres mais ou menos o mesmo resultado das sondagens o que vais fazer? O que é que a liderança do PSD vai fazer para ter uma maioria parlamentar?’. É óbvio que nesta fase já percebemos que o aliado de eleição do PSD é a Iniciativa Liberal e que a estratégia do PSD a chegar a níveis de popularidade sejam somados com a IL para ter maioria absoluta no futuro, mas ainda estamos longe dessa fasquia.
Ainda está longe…
Se a IL alcançasse uns 7% e o PSD uns 35%/37% formar-se-ia uma maioria absoluta, sem grande dificuldades e era uma maioria absoluta politicamente coerente. Não haveria problemas políticos nenhuns à volta da formação de um Governo entre Iniciativa Liberal e PSD, mas os dois, por enquanto, não sabemos o que é que o futuro nos reserva, não são suficientemente fortes para o PSD poder dizer se tivermos de ir a eleições vamos porque temos uma resposta de futuro para o país, por enquanto não pode dizer isso e isso é também um risco. O país não quer eleições tão cedo, tivemos eleições nas regiões autónomas, tivemos as legislativas e as europeias e no próximo ano, no final do verão teremos as autárquicas e logo a seguir, três meses depois, teremos eleições presidenciais. E a questão não se esgota aí. Há também uma questão de calendário constitucional. Não só o eleitorado português não está interessado em ser permanentemente convidado para campanhas e atos eleitorais, não é só as eleições que incomodam os portugueses é todo aquele período de campanha eleitoral, como também há outra questão que tem de ser considerada que é o facto de a partir de julho, a partir do verão de 2025, o Presidente da República perder a possibilidade de dissolver a Assembleia da República e de convocar eleições. Essa questão de eleições antecipadas, ou não, tem de ser decidida no princípio da Primavera de 2025, porque depois não há prorrogativa constitucional para dissolver a Assembleia da República e convocar eleições.
Em 2025 podemos viver em duodécimos…
Um Orçamento em regime de duodécimos para 2025 não colocaria problemas financeiros ao país. Em tese, um Governo nestas circunstâncias não teria problemas em administrar o país em regime de duodécimos, claro que seria muito mais difícil acomodar tais promessas, cuja execução seriam depois prova de créditos com que o Governo quer ir a eleições.
Pedro Duarte disse esta semana que ‘este Governo veio para cumprir, modificar e mudar Portugal’. É um discurso demasiado otimista?
Todos os Governos dizem isso, faz parte dos chavões da propaganda governamental em democracia e agora vamos ter eleições na América em novembro e qualquer um deles vai dizer que vai trazer mudança, ainda por cima, vivemos tempos políticos muito particulares na Europa e nas democracias ocidentais, onde há um desejo de mudança. As pessoas nem sempre sabem articular muito bem em que direção é que querem promover essa mudança, mas há sempre esse desejo e todos os agentes políticos que não aparecerem como agentes de mudança serão penalizados. Todos querem aparecer, não só deixar a sua marca, a marca da sua competência, mas da mudança. Em termos mais concretos dizem que querem promover consensos e há uma mensagem permanentemente repetida por este Governo de querer dialogar com todos. Isto é, o Governo quer caminhar esta linha muito fina, de equilíbrio muito difícil entre ter um Governo minoritário e um programa para cumprir para depois ir a eleições e conseguir ter uma maioria absoluta e para isso precisa de apresentar créditos e, ao mesmo tempo, sabe que é insuficientemente forte para poder decidir as coisas unilateralmente e quer apresentar-se com uma imagem de base de consensos e, sobretudo, de moderação política, num tempo de extremismos, num tempo de irresponsabilidades. Montenegro quer mostrar que o Governo é o porto seguro dos portugueses porque é o único referencial de moderação entre a direita populista, de um lado, e a esquerda, do outro.
Fala em consensos com todos os partidos. Até mesmo com o Chega que tem sido apontado como linha vermelha?
É uma linha muito fina que o Governo está a caminhar e tem muitos riscos num sentido ou noutro. A estratégia passa por manter as linhas vermelhas, entendimentos de Governo, pactos duradouros em termos políticos estão completamente fora de questão. Já disseram que até para negociações setoriais, o parceiro de negociação até seria o PS, logo de costas voltadas para o Chega. E o PSD sabe que uma parte do seu eleitorado votou no Chega e continua a rever-se no Chega, a julgar pelas sondagens, não pode estar totalmente de costas voltadas para o Chega e sobretudo para o seu eleitorado. Isso força o PSD em questões, onde não há possibilidade nenhuma de consenso com o PS e em matérias como a imigração, a corrupção, etc. e naquilo que necessitar de aprovação parlamentar terá de negociar com o Chega. Se essas negociações depois chegarão a bom porto ou não é impossível de dizê-lo, até porque André Ventura já demonstrou que não é propriamente o parceiro de negociação mais confiável que existe.
E o facto de o PSD ter apoiado a nomeação de António Costa não poderá usar isso como para negociar com os socialistas?
O apoio a António Costa visou várias coisas ao mesmo tempo. Em primeiro lugar visou comprometer os socialistas no apoio a Von der Leyen, a candidata do PPE à Comissão Europeia que é o grande cargo que está em causa, não é o presidente do Conselho. Esse é o cargo forte, poderoso, com uma administração vastíssima e poderosa ao seu dispor. Em segundo lugar, Luís Montenegro percebeu que em Portugal existe uma benevolência por parte da opinião pública para o político que apoia os portugueses lá fora e isso vale para António Guterres nas Nações Unidas, vale para António Costa para presidente do Conselho Europeu. Luís Montenegro quis dar essa imagem de alguém magnânimo que apesar de ter sido seu adversário político, apoia-o por ser um português num cargo de prestígio, mas isso vai expô-lo a muitas contradições. André Ventura tem exposto essas contradições sempre que pode, embora não da maneira mais articulada, mas Luís Montenegro foi mais longe do isso, nesta caminhada para a escolha dos lugares europeus fez elogios a António Costa que são dificilmente compreensíveis à luz do que ele próprio disse de António Costa. Uma coisa é apoiar um português para o cargo da presidência do Conselho, invocar os precedentes, por exemplo, que os socialistas apoiaram Durão Barroso para a Comissão Europeia, outra foram os elogios que foram tão exagerados e tão desapropriados que só podem ter uma leitura política. Luís Montenegro quer poder dizer que apoiou de alma e coração António Costa, enquanto vocês não estão lado de Von der Leyen, quer ter um capital de causa que possa ser usado em outras circunstâncias, caso contrário, não há maneira de compreender aqueles elogios totalmente desapropriados e injustificados. Ninguém lhos pediu, só pode ter essa leitura política de querer acumular um crédito que depois possa utilizar, nomeadamente contra o Partido Socialista. Também há uma leitura mais maquiavélica que é o elogio de Montenegro a António Costa coloca em apuros Pedro Nuno Santos, porque, é óbvio, que a prazo a liderança de Pedro Nuno Santos passa pela limpeza do Costismo no Partido Socialista, mas acho que é uma leitura excessivamente maquiavélica, demasiado sofisticada para ter grande validade.