No anterior artigo que escrevi neste jornal, salientei que o manifesto dos 50 representava um verdadeiro ataque por parte dos seus subscritores ao Ministério Público. Neste momento parece claro que esse ataque se transformou numa verdadeira guerra, estando claramente em causa neste momento uma tentativa de colocar a Justiça sob controlo do poder político, abolindo a separação dos poderes em Portugal.
Na verdade, a grande parte da classe política interessa ter um Ministério Público dócil, incapaz de controlar o cumprimento da lei por parte dos governantes. Por esse motivo, foi vista por muitos políticos com evidente desagrado o magnífico trabalho da Dra. Joana Marques Vidal à frente do Ministério Público, à qual presto a minha singela homenagem. Na verdade, há um Ministério Público antes e depois do seu mandato, sendo que a partir da sua tomada de posse todos pudemos ver um Ministério Público muito eficaz, que não hesitou em instaurar os competentes processos, independentemente da posição política ou social dos visados.
Por esse motivo todo o país esperava que a mesma fosse reconduzida no seu mandato. Para evitar essa recondução, a classe política inventou um argumento absurdo, que foi o de que a lei não permitia a renovação do mandato do procurador-geral da República. Apesar de se ter demonstrado a total falta de razão nesse argumento, não foi renovado o mandato à Dra. Joana Marques Vidal, tendo sido nomeada a Dra. Lucília Gago em sua substituição. Mas a nova PGR soube honrar o legado da sua antecessora, tendo o Ministério Público continuado a ter um desempenho eficaz no combate à criminalidade.
No entanto, a partir do momento em que vários governantes se decidiram demitir por estarem a ser alvo de investigação, a PGR passou a ser alvo de violentos ataques. Primeiro, o presidente do Parlamento insistiu em que a mesma fosse chamada à Assembleia, posição que alguns partidos acataram. Depois a ministra da Justiça disse que era preciso pôr ordem na casa, significando naturalmente que a casa, leia-se o Ministério Público, estava em desordem. A seguir criticava-se a PGR porque nunca tinha dado uma entrevista. Depois de a mesma ter dado uma entrevista e respondido à letra aos ataques ao Ministério Público, surgem novas críticas, ou porque devia ter esperado para ir ao Parlamento, ou porque era arrogante e não tinha reconhecido os seus erros. Parece que a classe política está à espera de ver um PGR a fazer o papel de Egas Moniz, apresentando-se de corda ao pescoço perante o Rei de Leão…
O que parece, no entanto, evidente é que o que está em causa neste momento é assegurar que o próximo PGR venha a ser alguém dócil ao poder político. Precisamente por esse motivo surgiu o manifesto dos 50, já correctamente designado pelo antigo PGR Cunha Rodrigues como um ‘coro de tragédia grega’. Efectivamente, esse manifesto de políticos para políticos apenas pretende criar na justiça o ambiente tétrico adequado para legitimar a escolha como PGR de alguém que não assegure a autonomia do Ministério Público perante o poder político. E isso, a acontecer, será uma verdadeira tragédia para a Justiça em Portugal.