Tivemos o 7 de Outubro que mudou tudo em Israel. Na Europa começámos por ter um consenso no apoio a Israel, mas entretanto as coisas foram mudando e agora há até um grupo de países que decidiu declarar o apoio à criação do Estado da Palestina. Portugal não faz parte desse grupo. Como olha para esta iniciativa e para as mudanças de posição que se começam a sentir na Europa?
Eu acho que ainda há consenso ao nível da União Europeia e também em todos os países há um consenso de que o Hamas cometeu o pior ataque terrorista contra Israel e que Israel tem o direito de se defender e temos de acabar esta guerra, mas não antes de Israel adquirir segurança e de os reféns regressarem a casa, acho que sobre isto há consenso. Nós temos desentendimentos com alguns países sobre os detalhes e, sim, esses países decidiram agora reconhecer o Estado palestiniano. Eu acho que é ridículo, porque tiveram 60 anos para o fazer e escolhem fazê-lo poucos meses depois do pior ataque terrorista ter acontecido. Isso é como recompensar o terror e eu não acho que isso seja algo que qualquer país democrata queira fazer. Em segundo lugar, que país é que estão a reconhecer? O governo palestiniano de Gaza ou o governo palestiniano de Ramallah? Porque, se estão a reconhecer o governo palestiniano de Gaza, estão a reconhecer uma organização terrorista, porque esse é o governo, e de acordo com a vossa definição (UE) é uma organização terrorista.
Mas esta iniciativa foi mais uma posição política, um statement político destes países…
Mas o que é problemático neste ato é que, para resolver o conflito palestiniano, as únicas duas partes que o podem fazer são os palestinianos e os israelitas e precisamos de nos sentar e resolver o conflito, não se faz isso em Madrid, não se faz em Dublin, nem sequer em Lisboa, fazemo-lo juntos, os palestinianos e os israelitas…
Mas precisam de alguém para mediar?
Claro, por isso é que precisamos dos Estados Unidos e outros, porque precisamos de trazer os palestinianos para a negociação, mas isso só pode acontecer depois da guerra, por isso, precisamos da trazer um fim para esta guerra, depois de atingirmos os objetivos da guerra, e aí podemos sentar-nos e resolver o problema. Reconhecer agora o Estado (palestiniano), não faz sentido. Se me pergunta se há um statement político destes países, provavelmente sim.
Se não tivéssemos mudado de Governo, a posição portuguesa teria sido a mesma, mantendo-se à margem da iniciativa deste grupo de países que reconheceu o Estado palestiniano?
Não faço especulações, sei que antes das eleições a posição do Governo liderado por António Costa era a de não se juntar a este passo que a Espanha deu, porque não é a coisa certa a fazer, nem é o tempo certo para o fazer. E, portanto, acho que esta sempre foi a posição portuguesa, como é ainda hoje.
Qual é sua expetativa sobre as negociações que estão a decorrer no Qatar?
Nos últimos meses Israel ofereceu um caminho para acabar esta guerra, garantindo que os reféns voltam para casa, que o Hamas não será parte do futuro de Gaza e trazendo segurança para a área. Esta oferta também foi subscrita pelo Presidente Biden e ainda estamos à espera da resposta do Hamas. Há muitas negociações e acho que este fim de semana as negociações vão continuar e, entretanto, para garantir que eles tomam a decisão certa, temos de manter a pressão sobre eles, diplomaticamente, mas também militarmente, para que eles percebam que não há outra opção que não seja alcançar este acordo. Espero que isso aconteça o mais cedo possível, para que a guerra acabe e para que os reféns possam regressar.
Essa é uma prioridade para o Presidente Biden agora que desistiu de concorrer a um segundo mandato?
Biden quer faze-lo porque também quer ver o fim desta guerra e porque também quer o regresso dos reféns, ele está a trabalhar muito, a fazer muitos esforços para que isso aconteça.
António Costa foi eleito presidente do Conselho Europeu, acha que ele poderá ajudar a resolver o conflito de Gaza, ou a União Europeia não tem peso nesta questão?
A União Europeia é um dos mais importantes parceiros de Israel, portanto, nem sequer é questão de que está envolvida e é assim que trabalhamos com a União Europeia, pedimos-vos para serem justos e para trabalharem na direção certa. Acredito que António Costa pode ser parte nisso e não tenho nenhuma dúvida sobre quais são as suas posições, porque foi sempre muito claro desde o 7 de Outubro quanto ao direito de Israel em defender-se, acredito que vai continuar a ter essa posição, e essa foi também a posição da UE, de Von der Leyen e de outros…
Mas aqui em Portugal a comunidade judaica do Porto não tem a mesma opinião e até incluiu críticas à escolha de António Costa num livro recentemente publicado…
No que respeita à posição sobre António Costa, eu não concordo com eles. Não concordo com tudo o que fazem, acho que fizeram um erro, acho que António Costa é uma pessoa importante, foi um bom amigo da comunidade judaica quando foi presidente da Câmara de Lisboa e quando foi primeiro-ministro e, nesse sentido, não vejo nenhum problema na sua eleição na União Europeia. Por isso acho que as observações são irrelevantes, não são corretas e não foram feitas no lugar adequado. Mas noto que foi uma posição específica de alguns membros da comunidade do Porto, não é a posição de toda a comunidade. Trabalhei muito com a comunidade judaica do Porto e é uma comunidade muito interessante e importante e o seu envolvimento e integração na sociedade portuguesa é muito importante. No que respeita à comunidade do Porto, também é importante dizer que são boa gente, que estão a fazer um trabalho muito importante no Porto, na sinagoga e no museu do holocausto que abriram no Porto e que todos os anos leva milhares de estudantes que não sabem nada sobre o holocausto e que aprendem sobre o holocausto, e isto é um passo muito importante.
Outro português que ocupa um lugar importante é António Guterres que, enquanto secretário-geral das Nações Unidas, teve posições muito críticas em relação a Israel, depois do 7 de outubro. Como embaixador de Israel em Portugal, teve alguma vez indicações para tentar criar pontes com Guterres?
Eu critico António Guterres, não porque ele é português, mas porque é o secretário-geral das Nações Unidas, não interessa de que país é. O maior problema entre Israel e as Nações Unidas e o seu secretário-geral é que ele não trabalha como deveria trabalhar, e estamos muito desapontados com a forma como as Nações Unidas têm sido conduzidas, mesmo antes de António Guterres. Mas acho que Guterres perdeu a oportunidade de fazer a diferença, mesmo antes do 7 de outubro. 75% das resoluções do Conselho de Segurança são contra Israer, um país democrático. Não é contra a Coreia do Norte, contra a Síria, contra o Irão, é contra o único país democrático do médio oriente. Mesmo que haja críticas a Israel, alguma coisa não faz sentido. Depois há a forma como o Sr. Guterres se comportou desde o 7 de outubro, ele não lidou com a questão de uma forma justa e nem seguiu o caminho certo. Dois dias depois do pior ataque contra os judeus desde o holocausto, ele disse que este episódio não surgiu do vácuo, dando desculpas para o que tinha acontecido.Isso é muito problemático, ele tem de perceber que o que quer que diga tem um significado e foi uma coisa que nos provocou um grande choque ouvi-lo dizer aquilo. Mais do que isso, desde o 7 de outubro as Nações Unidas não aprovaram uma resolução a condenar o Hamas. Eles assassinaram 1300 pessoas, violaram mulheres, mataram bebés, raptaram 250 pessoas inocentes das suas casas e não os condenam? Ao menos uma condenação. Já condenaram Israel cinco vezes, mas não condenam o Hamas ao menos uma vez? É por isso que ficámos tão desapontados com a ONU.
Mas houve pedidos para tentar contactar Guterres?
O nosso contacto privilegiado é com a nossa embaixada em Nova Yorque, mas houve mensagens nos dois sentidos. Mas eu não vi nenhuma real mudança na sua posição.