Estrume e Diamantes

3,6 milhões de anos parecem uma eternidade. Mas tornam-se quase insignificantes quando comparados com a antiguidade do continente africano.

Passei uma boa parte deste verão às voltas com um livro que andava para ler há mais ou menos quinze anos: África – A biografia de um continente, de John Reader. O autor, hoje na casa dos 80 e muitos, é um fotojornalista inglês que viveu na África do Sul e no Quénia durante as décadas de 1950, 60 e 70, tendo publicado este grosso volume em 1997.

Contar a história do continente africano é viajar aos primórdios do planeta e assistir ao aparecimento da humanidade.

Reader recorda como um paleoantropólogo da Universidade de Yale descobriu um dos marcos fundamentais desta longa caminhada. Corria o ano de 1976 e Andrew Hill encontrava-se em Laetoli, um local na Tanzânia onde tinham sido encontrados fósseis com 3,6 milhões de anos, quando convidou um especialista em vida selvagem que ali estava de visita para irem dar uma volta. O passeio levou-os até ao leito de um rio seco por onde tinham andado elefantes.

«Na África equatorial, uma bola de estrume de elefante seca ao sol apela aos mesmos instintos que as bolas de neve despertam nas latitudes setentrionais», conta o autor. «As pessoas atiram-nas umas às outras e, sem surpresa, os ecologistas da vida selvagem tendem a ser mais entusiastas do que a maioria. O Dr. Hill caiu ao esquivar-se para evitar um míssil particularmente certeiro […] e reparou nuns curiosos salpicos na superfície do tufo cinzento. Posteriormente, foram identificados como marcas de gotas de chuva, mas levaram Hill a examinar a superfície mais de perto». Entre as marcas da chuva havia pegadas de vinte espécies de animais diferentes. Mais tarde veio a perceber-se que, ali perto, a cinza vulcânica tinha preservado um trilho de 50 metros com as pegadas de três animais diferentes de todos os outros. Caminhavam em apenas duas ‘patas’. Com 3,6 milhões de anos, são os primeiros bípedes de que temos conhecimento.

3,6 milhões de anos parecem uma eternidade. Ainda assim, tornam-se quase insignificantes quando comparados com a antiguidade do continente africano, que tem zonas formadas há mais de três mil milhões de anos. Uma delas corresponde à atual África do Sul, famosa pelos seus depósitos diamantíferos. Um magistrado que trabalhava numa povoação 1000 quilómetros a nordeste da Cidade do Cabo deixou um relato de como foi encontrada a primeira pedra na região.

«O primeiro diamante foi descoberto por puro acidente. Era usado há muito tempo como brinquedo pelos filhos de um agricultor holandês, chamado Jacobs, pessoas muito ignorantes», descreveu. Um dia, os Jacobs receberam a visita de outro agricultor, Niekerk, que reparou na pedra. «Ele não fazia ideia de que era um diamante, mas achou que tinha um aspeto raro, muito diferente das outras. Pegou nela e sentiu-a mais pesada do que uma pedra vulgar». Intrigado, Niekerk «ofereceu-se para comprá-lo à Sra. Jacobs, mas ela riu-se da ideia de vender uma pedra e disse-lhe que a levasse». Não seria a única a rir-se. Niekerk foi ridicularizado por querer descobrir de que pedra se tratava. Mas acabou por revelar-se um diamante do tamanho de uma avelã e foi vendido pela soma fabulosa de 500 libras esterlinas. Quem ri por último…

Resumindo: não podemos decididamente subestimar o poder do acaso. Em 1867, na África do Sul, um agricultor holandês visitou uns pobres campónios e ‘tropeçou’ num diamante com três mil milhões de anos. Em 1976, na Tanzânia, Andrew Hill desviou-se de uma bola de estrume de elefante e deparou-se com pegadas com 3,5 milhões de anos. «As rochas mais antigas são portadoras das maiores riquezas, e África está especialmente bem munida delas», comenta Reader. A descoberta de Niekerk desencadeou uma autêntica febre dos diamantes. Ade Hill enriqueceu o conhecimento da história da nossa espécie. Qual delas a mais valiosa?