Maria Luís Albuquerque debaixo de fogo interno

A escolha caiu que nem uma bomba junto dos partidos de esquerda, que associam o nome à troika. Mas politólogos vêm o seu trabalho como ex-ministra como uma mais-valia por ter cumprido o programa…

A escolha de Maria Luís Albuquerque como representante de Portugal no colégio de comissários de Ursula von der Leyen caiu que nem um bomba em Portugal. Os partidos de esquerda não pouparam críticas, associando o nome ao programa da troika e nem o Presidente da República se quis comprometer, não dizendo se aprova ou não. Posições que não surpreenderam os politólogos contactados pelo Nascer do SOL.

De acordo com José Filipe Pinto, «era uma reação muito esperada por parte dos partidos de esquerda, qualquer que fosse a personalidade que fosse indicada, uma vez que a escolha seria feita por um partido que neste momento está no poder e que é de direita». E lembra que, apesar de o Partido Comunista concorrer às eleições para o Parlamento Europeu, «não é um partido europeísta» e o Bloco de Esquerda, mesmo dizendo que é um partido que está a favor da integração regional «não aceita a forma como a União Europeia tem vindo a evolucionar», o que no seu entender, mostra que, «independentemente da personalidade, têm, num caso, um problema de fundo relativamente ao modelo e noutro uma crítica à própria integração regional».

Já quanto às críticas de que a ex-ministra das Finanças é o rosto da troika, Paula Espírito Santo admite que «há sempre uma politização do ponto de vista do jogo político, independentemente até do nome», acrescentando que qualquer que fosse o nome alcançado iria ter anticorpos, até porque teria de ser alguém com notoriedade, que já tivesse tido algum cargo político. «Neste caso, de uma forma ou de outra, na política há sempre marcas que se vão deixando e que não são positivas para toda a gente ou que não são vistas da mesma forma por todos. E estes nomes para altos cargos como este têm sempre essa fragilidade de serem politizados, no sentido em que se encontra sempre algumas fragilidades. Claro que este nome tem o seu passado, tem o seu percurso muito próprio num tempo, ainda por cima da austeridade que é muito marcante, daí tornando-a mais exposta perante a crítica da oposição».

É certo que Luís Montenegro apresentou a escolha do Governo, numa declaração a partir de São Bento aberta à imprensa, mas sem direito a perguntas. E, nessa altura, recordou os cargos de Maria Luís Albuquerque como docente universitária, secretária de Estado e ministra de Estado e das Finanças, e destacou o «mérito académico, profissional, político e cívico» da antiga governante.

José Filipe Pinto reconhece, no entanto, que em Portugal só haveria duas personalidades que poderiam avançar em detrimento da ex-ministra das Finanças. Uma seria Cavaco Silva, mas que estará afastado da vida política ativa e a outra seria Pedro Passos Coelho que teria, no seu entender, hipótese «de aglutinar a direita, tirando uma franja muito pequena da extrema-direita». Mas aí também o nome Maria Luís Albuquerque poderá ‘cair que nem uma luva’, já que foi ministra das Finanças de Pedro Passos Coelho, mas que também por isso pode ser alvo de fortes críticas por parte dos partidos de esquerda. «Foi professora de Pedro Passos Coelho e, juntando a visão que a esquerda tem da União Europeia com a circunstância de Maria Luís Albuquerque ter uma ligação política muito forte a Passos Coelho estava criado o cenário perfeito para as críticas crescerem exponencialmente da parte da esquerda. E essas forças foram pegar em tudo aquilo que tinha a ver com o seu passado político e aí vem sempre uma palavra-chave que se chama austeridade que é a palavra que tanto a esquerda radical como a extrema-esquerda ligam a Passos Coelho e ao seu Governo».E acrescenta: «Neste caso qual é a crítica? É que exponenciou a austeridade, foi além daquilo que a troika exigia e como tal esta escolha não representa um futuro, mas um regresso ao passado», afirmando que, «ideologicamente do ponto de vista da esquerda é perfeitamente compreensível». No entanto, lembra que «é uma crítica desfasada porque Maria Luís Albuquerque recebeu a pasta do ministro que já estava muito desgastado por uma luta em prol do erário público, do interesse nacional».

Um argumento que, segundo Paula Espírito Santo, até pode ser positivo do ponto de vista externo. «Internamente terá anticorpos sobretudo do ponto de vista ideológico, ponto de vista partidário e que tem a ver precisamente com a sua atuação num tempo determinado, num programa que era muito fechado e que ela cumpriu. Do ponto de vista europeu são críticas que têm um significado muito pequeno ou até quase nenhum até porque cumpriu aquilo que era previsto», refere ao nosso jornal. E aí não hesita que apresenta dois grandes trunfos para ganhar: ser mulher e ter cumprido um programa de assistência financeira que também passava pelo crivo europeu.

Estranheza

José Filipe Pinto mostra-se, no entanto, surpreendido com a atitude do PS em relação a esta escolha. Em causa estão as declarações do socialista Pedro Delgado Alves ao afirmar que não se trata de «uma boa notícia», nem traz «boa memória», recordando que Maria Luís Albuquerque foi «responsável direta por medidas muito gravosas» para pensionistas e funcionários públicos e tem um «legado que em muitos aspetos ia até para lá do que a UE defendia», o que poderá representar um «regresso ao passado». E apontando o dedo ao facto de o Governo por não ter ouvido os restantes partidos, em particular o PS, sobre a escolha da comissária europeia, lembrando que os socialistas o fizeram nos processos anteriores, tendo inclusivamente reconduzido Durão Barroso.

De acordo com o politólogo, «o Partido Socialista percebe nitidamente, apesar de ter havido uma grave crise internacional, que foi ele o grande responsável pela situação em que Pedro Passos Coelho recebeu. Ou seja, quem negociou a vinda da troika foi o Partido Socialista, já o Partido Social Democrata herdou uma situação que se viu obrigado a gerir por responsabilidade alheia. E aí Maria Luís Albuquerque, tal qual como o ministro das Finanças antecessor, são mais vítimas do que responsáveis», salienta ao nosso jornal.

Já em relação ao distanciamento do Presidente da República que no passado chegou a elogiar Elisa Ferreira como «um nome muito bom» para Portugal na Comissão Europeia e agora disse apenas que era uma competência do Governo, José Filipe Pinto diz que, apesar de Luís Montenegro ter dito que a escolha tinha sido sufragada por todo o Executivo «todos sabemos que é uma escolha que, essencialmente, responsabiliza o primeiro-ministro e Marcelo Rebelo de Sousa já saberia quais seriam as reações assim que o nome fosse apresentado».

Recorde-se que os governos da União Europeia têm até 30 de agosto para apresentar os nomes dos seus candidatos a von der Leyen, que terá depois a missão de os entrevistar e atribuir as pastas políticas. Mas é conhecida também a missão da presidente da Comissão de assegurar a paridade de género durante o seu segundo mandato e, por isso, apelou a todos os países que indicassem dois candidatos – um homem e uma mulher – para lhe dar margem de manobra na nomeação de um colégio equilibrado em termos de género.