Maduro abanou mas não cai

A vitória irrefutável da oposição e a crescente pressão internacional dificultam a vida a Maduro, mas a luta pela liberdade na Venezuela está longe do fim

Que o resultado das eleições de 28 de julho apresentado pelo Conselho Nacional de Eleições foi fraudulento é já um dado adquirido. A oposição liderada por María Corina Machado e por Edmundo González, ciente desta inevitabilidade, preparou-se de uma forma sem precedentes e conseguiu obter 83,5% das atas eleitorais que confirmam uma vitória esmagadora dos opositores. Ainda assim, derrubar um líder autocrático é uma tarefa de complexidade acrescida e a luta pela liberdade na Venezuela está longe do fim.

«Na América Latina, o demagogo tem uma grande vantagem natural. A razão para isto é que os Estados Unidos representam, para o eleitor latino-americano zangado, a estufa de instituições detestáveis», afirmou William F. Buckley Jr. em 2007. Vários tiranos que surgiram no continente cavalgaram esta narrativa antiamericana e conseguiram capitalizar com isso, procedendo a degradar todas as instituições democráticas e a perpetrar atrocidades e constantes violações dos direitos humanos. Hugo Chávez e o seu sucessor Nicolás Maduro são exemplos disso.

Mas, na Venezuela, o paradigma mudou. Mais de duas décadas de um regime autoritário que condenou o povo venezuelano à miséria fizeram aumentar o desejo de liberdade. Maduro tenta constantemente reavivar o ódio aos Estados Unidos, mas em vão. O regime está podre, e as tentativas desesperadas do ditador para se agarrar ao poder só têm piorado o panorama, já por si desfavorável.

A operação 600K

O modo como Corina Machado e a sua entourage conseguiram obter um número tão significativo de atas eleitorais tem sido considerado como uma manobra política genial e audaz. A oposição venezuelana logrou agregar 600 mil voluntários – a origem do nome da operação – para verificar e detetar eventuais irregularidades nas atas, projeto que começou em janeiro após a invalidação da candidatura do principal rosto da luta anti-chavismo. «Peço-vos que criem o vosso próprio comando de campanha (…) em cada casa, em cada oficina, em cada escola, em cada igreja (…) em cada espaço vós e os vossos se organizam», apelou María Corina Machado.

O processo consistiu, como explica Álvaro Vargas Llosa num artigo publicado no Washington Times, na «criação de um organismo paralelo de controlo das eleições semelhante ao Conselho Nacional de Eleições, gerido pelo regime». «A oposição venezuelana estava pronta quando o CNE (…) anunciou que o ditador obteve 51,2% dos votos contra os 44,2% obtidos pelo candidato da oposição Edmundo González. Estavam prontos porque obtiveram cópias oficiais de 83,5% das atas eleitorais, contendo todas os códigos legais e as assinaturas digitais impressas pelas máquinas», explicou.

Uma manobra audaciosa que dificulta a vida a Maduro, que ainda não apresentou as atas, e a todos os que tentam branquear o seu regime. Com isto, a oposição conseguiu legitimar, não deixando margem para dúvidas, o seu grito de vitória.

O Supremo e os bons amigos de Maduro

É sabido que Nicolás Maduro controla todo o aparelho legal da Venezuela, o que faz com que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que garantiu a revisão dos resultados eleitorais e confirmou a vitória do ditador, seja pouco surpreendente.

A advogada venezuelana Blanca Rosa Mármol de León demonstrou um total desagrado com a sentença: «Era um recurso que não existe, não está na lei. Estão a recorrer a algo que não aconteceu, porque não houve uma totalização».

A 23 de agosto, onze países americanos – Argentina, Costa Rica, Chile, Equador, Estados Unidos, Guatemala, Panamá, Paraguai, Perú, República Dominicana e Uruguai – subscreveram um comunicado que rejeita a decisão daquele que deveria ser o mais importante órgão da justiça venezuelana: «Os países que subscrevem, reiteram que apenas uma auditoria imparcial e independente dos votos, que avalie todas as atas, permitirá garantir o respeito pela vontade popular soberana e pela democracia na Venezuela». É de salientar a ausência do Brasil, da Colômbia e do México, países cujos governos já demonstraram condescendência para com o regime da Maduro.

O Presidente brasileiro, Lula da Silva, chegou a propor um novo ato eleitoral, deixando claras as suas intenções. A proposta ainda foi validada por Joe Biden, algo que a Casa Branca prontamente desmentiu, mencionando uma alegada má interpretação da pergunta colocada pelo jornalista.

O porta-voz adjunto dos EUA, Vedent Patel, afirmou que a decisão do Supremo venezuelano «carece de toda a credibilidade, dadas as provas irrefutáveis de que González recebeu a maioria dos votos a 28 de julho. (…) A vontade do povo venezuelano deve ser respeitada». «É o momento para que os partidos venezuelanos comecem as discussões sobre uma transição respeitosa e pacífica de acordo eleitoral venezuelana», acrescentou Patel.

A população apresentou resistência à sentença, saindo à rua na quarta feira – dia que marcou um mês desde o ato eleitoral – para protestar sob o slogan ‘Acta Mata Sentencia’ (Ata mata sentença).

O clima de insegurança

O desdém pelas regras do jogo democrático é uma característica transversal a todos os ditadores, que utilizam as eleições como fachada na tentativa de legitimar a sua continuidade no poder. Quando o resultado não é o esperado, recorrem a todos os meios ao seu dispor para garantirem a manutenção das rédeas do país.

Nicolás Maduro tenta combater como pode quem faz frente à fraude eleitoral, e já seria de esperar que a segurança dos membros da oposição estaria em risco, obrigando-os a procurar proteção na embaixada argentina. Responsabilidade que passou a ser, curiosamente, do Brasil aquando da rutura das relações diplomáticas entre a Buenos Aires e Caracas.

Mas, na terça-feira, o Vente Venezuela, partido fundado por María Corina Machado, denunciou o sequestro de Perkins Rocha, testemunha perante o Conselho Nacional de Eleições e assessor legal do partido. O seu filho, Santiago Rocha, deixou uma mensagem de esperança: «Pai, amo-te, espero que nos possamos encontrar em breve no melhor dos cenários, numa Venezuela livre».

Entre outras denúncias e pedidos de libertação de presos políticos, a página do Vente Venezuela que se dedica ao setor dos direitos humanos anunciou, na quarta-feira, o sequestro de outra figura central do movimento que desempenha a função de coordenador de convergência, Biagio Pilieri. Também o seu filho foi sequestrado.

A Venezuela vive um momento de rutura que certamente deixará feridas profundas, mas os venezuelanos parecem estar, mais do que nunca, empenhados em derrubar um regime que está cada vez mais podre e que foi responsável por transformar o país, que conta com um forte potencial de desenvolvimento dado os recursos naturais – principalmente o petróleo –, numa ditadura onde abunda a pobreza e escasseia a liberdade.