Como está o setor automóvel?
Está numa situação de estagnação, ou seja, há três meses consecutivos que os ligeiros de passageiros têm uma queda face ao mês homólogo, apesar de no total do ano o mercado estar ainda 4,4% acima do ano passado, mas em agosto, que são os últimos dados que temos, os passageiros desceram 9,4% face ao mesmo mês do ano passado.
Há alguma justificação para esta queda?
Estamos também a ver os outros mercados com uma queda, há uma estagnação do consumo. E o motor da Europa que é a Alemanha está a arrefecer com uma variação negativa do PIB no último trimestre. Isso acaba por influenciar os outros mercados, como o português.
O mercado de usados continua ainda a ter muito peso?
O mercado de usados é bastante dinâmico. Em Portugal, continua a ter um peso muito elevado, mas no mercado de usados as coisas tendem a ter uma dinâmica diferente, até porque tem uma grande procura.
Os preços continuam altos…
A ACAP, como associação, não fala de preços, mas é certo que os valores têm vindo a subir desde a pandemia ou pós-pandemia. Primeiro devido à falta de chips – houve uma crise de um ano e tal em que não havia chips e como a procura por estes semicondutores até por outras indústrias era muito elevada acabou por encarecer muito o preço, já que era fundamental para o fabrico de veículos. Depois, o automóvel é uma indústria global e o preço dos transportes internacionais dispararam para valores perfeitamente astronómicos e isso naturalmente tem de encarecer o produto. Também a invasão da Rússia à Ucrânia levou a um aumento dos custos de energia, sobretudo na Alemanha, que viu os custos aumentarem com o embargo à Rússia. Tudo isto criou uma situação em que a generalidade dos produtos, e também o automóvel, registasse um aumento de preços.
Mas o setor encerrou o primeiro semestre com o melhor resultado desde 2019…
Em julho e em agosto é que os números começaram a complicar. Em 2020, com a pandemia, houve naturalmente uma queda do mercado, depois, em 2021 e em 2022, houve a crise dos chips. O nosso objetivo é voltar aos valores pré-pandemia de 2019 e no primeiro semestre foi realmente conseguido. Agora, temos assistido a uma queda nos meses seguintes.
Em relação aos elétricos também houve esta quebra?
Embora no total do ano estejam a ter um comportamento positivo, porque estão a crescer, em agosto tiveram uma queda de 19% face a agosto de 2023. Não é muito significativo e pode estar relacionado com o facto de uma ou outra marca não terem tido veículos para entrega. No entanto, desde o início do ano está com um crescimento acima do mercado: 9,5%. O crescimento dos elétricos é o dobro da percentagem de crescimento do mercado.
Ainda não está massificado…
Ainda não está massificado mas apesar da descida dos elétricos a percentagem no mercado já foi de 21%. Pela primeira vez, ultrapassou os 20% do mercado de passageiros. Em junho atingimos 21% do total e no ano todo está com 17,5%. Mas Portugal está sempre acima dos valores europeus, porque nos últimos dados da Europa estamos à volta dos 13%. Portanto, Portugal está acima da média europeia nessa percentagem dos elétricos.
É possível manter a ideia de Bruxelas de acabar com os carros da combustão, apesar de estarem menos poluentes?
Esta norma Euro 7 vem diminuir ainda mais as emissões. Aliás, é uma norma que implica um custo grande para os construtores, representa um custo unitário por carro ainda significativo com vista a reduzir as emissões dos motores de combustão. Os motores de combustão, hoje, têm muito menos emissões do que tinham no passado recente. Vamos ver o que é que sai desta nova composição, quer da Comissão quer do Parlamento, mas há regulamentos aprovados. Nós, como construtores automóveis, temos de cumprir a lei comunitária e, se as leis que estão atualmente em vigor se não forem cumpridas, as marcas automóveis pagam multas muitíssimo elevadas.
Os prazos começam a apertar…
Há uma meta de redução até 2025, 2030 é de 55% de redução de emissões e em 2035 é 100% livre de emissões. Ou seja, em 2035 o veículo tem de ter zero de emissões.
É possível cumprir?
A indústria está a fazer um esforço enorme para se adaptar. Os construtores automóveis já investiram 200 biliões na Europa em tecnologia elétrica, caso contrário pagariam multas se não tiverem veículos elétricos no seu mix. Assistimos ao lançamento de veículos elétricos e plug-in todos os dias por parte das marcas. Mas isto não é suficiente, os poderes públicos, sobretudo ao nível europeu, e os Governos dos Estados que compõem o Conselho Europeu que decidiram estas metas também têm de fazer o seu papel. E, na nossa opinião, têm duas obrigações muito grandes: uma, é assegurar uma rede de pontos de carregamento, não só a nível nacional como transeuropeia, porque as pessoas circulam de carro e vão de Lisboa a Madrid, a Bruxelas, a Paris, etc; e, por isso, têm de ter essa garantia; houve um regulamento comunitário que já vem definir algumas metas; a segunda, é haver uma política também de incentivo e apoios, que este ano em Portugal foi descontinuada, à compra de veículos elétricos para particulares e empresas, porque, se não for assim, não se motiva a eletrificação, que foi um objetivo desses Governos. Isso é importante que continue a verificar-se porque as marcas de automóveis não podem sozinhas fazer o trabalho todo de casa, os poderes públicos também têm de fazer esse trabalho.
Mas há marcas que ainda vão resistindo aos elétricos.
Nós, como ACAP, respeitamos que cada um tenha a sua estratégia, fora da Europa é outro campeonato, mas na União Europeia, para cumprir os regulamentos, os veículos novos postos à venda têm de ter uma média de emissões bastante baixa e, para isso, têm de ter veículos elétricos e outros. Basicamente, é uma obrigação da União Europeia.
E como vê a notícia de que a Volkswagen pondera encerrar fábricas na Alemanha?
A indústria automóvel é uma indústria globalizada, as empresas de construção automóvel, sendo europeias de base, são também empresas multinacionais que atuam numa escala global, na Ásia, na América, em África, em todos os continentes. E é uma indústria que está num momento de disrupção com esta questão da descarbonização. Víamos há dez anos no mercado novos em Portugal uma percentagem de mais de 50% de veículos a diesel a serem vendidos, neste momento são 8%. Isto para a indústria é um esforço muito significativo. É normal que as empresas a meio do campeonato redefinam os seus objetivos, as suas prioridades e foi isso que foi anunciado. É um redefinir de objetivos, de prioridades e cumprir metas para os atingir.
E pode ser seguido por outras marcas?
Cada um tem a sua estratégia e essas estratégias vão sendo definidas periodicamente e cada um vê o que é melhor para as marcas que representam. São grupos multinacionais que têm dezenas de fábricas e que facilmente a nível mundial têm cem fábricas a funcionar, portanto, às vezes é preciso ajustar essa estratégia e ajustar a produção para cumprir os objetivos.
A Autoeuropa poderá ser afetada?
A Volkswagen tem tradicionalmente uma relação muito próxima entre a gestão das fábricas e as comissões de trabalhadores. Isso assiste-se na Alemanha e depois também veio para Portugal. Na Autoeuropa, por aquilo que a própria Comissão de Trabalhadores tem dito, não há notícia de qualquer impacto na fábrica em Portugal, que é uma das mais rentáveis do grupo, que produz um modelo da marca mais vendido na Europa e que tem anunciados investimentos significativos na fábrica.
Como vê as ameaças de Bruxelas em relação aos carros chineses?
O que as associações europeias têm dito é que defendemos um comércio livre e justo à escala global. O mundo globalizado – com a pandemia houve aqui um retrocesso na globalização – dá um contributo fundamental para o PIB mundial, mas tem de haver regras justas de liberdade de circulação, liberdade de oportunidades e o que a Europa diz que é o ideal seria ter um mundo sem qualquer tipo de barreiras alfandegárias que também são colocadas aos produtos europeus noutros continentes, mas que todos devem cumprir as mesmas regras. E foi isso que a União Europeia foi investigar neste caso concreto. A União Europeia foi negociar, no sentido de dialogar com os construtores chineses, mas também com a Organização Mundial de Comércio e chegou a esses resultados que estão em cima da mesa.
Estamos a assistir a uma grande penetração dos carros chineses na Europa?
Há cada vez mais uma maior penetração de veículos chineses no mercado europeu. E a Comissão Europeia, em outubro passado, resolveu levantar este processo de ajudas de Estado. Não tem nada a ver com dumping, foi à China investigar aprofundadamente e publicou este relatório que a 4 de novembro dirá se é definitivo ou não. Até 4 de novembro estamos na fase provisória e só nessa altura é que a Comissão dirá definitivamente o que é que irá aplicar.
Estamos na véspera de discussão do Orçamento de Estado. O que é desejável para o setor?
Conseguimos colocar no acordo de rendimentos que foi assinado em 2022 e reforçado em 2023 pelos parceiros sociais e pelo Governo, em que a ACAP está representada na CCP, um artigo específico que consta da Lei do Orçamento para 2024 e diz que tem de ser implementado um plano de incentivo ao abate em fim de vida. É para cumprir, só que infelizmente o Governo ainda não avançou nada. Tivemos algumas reuniões com o Governo, mas até ao momento nada se verificou, o que nos deixa muito preocupados, porque já estamos a caminhar para o novo Orçamento e o Governo ainda não implementou o que está no atual. Apesar de o Governo ter mudado há uma obrigação de cumprir aquilo que foi aprovado na Assembleia da República legitimamente e, até ao momento, não implementou o que está na lei, o que é bastante grave. E como atualmente não temos indicação de que vai cumprir vamos em altura própria trazer isso a público.
E continuamos com o problema da dupla tributação.
Sim, além das tributações autónomas. No programa da AD e quando o Governo tomou posse disse que ia continuar numa linha de redução das tributações autónomas que afeta muitas empresas. As empresas que têm carros pagam taxas elevadíssimas de tributações, Os valores sobre os quais se baseia estão desatualizados e preconizamos uma redução dessas tributações autónomas no Orçamento de Estado para 2025. Já uma reforma global no sentido da dupla tributação vemos com maior dificuldade já neste Orçamento.
Quando estamos a falar de um dos setores mais importantes…
O setor é um dos principais e tem sido mesmo o principal setor exportador. Temos uma indústria automóvel, quer de fabrico de veículos automóveis, quer de fabrico de componentes que é muito significativa no nosso país. Também ao nível de emprego tem um peso significativo com 150 mil empregos. Temos um peso significativo e o que acontece é que, por vezes, não é tida em conta a importância que o setor tem, quer no PIB, quer nas exportações e o mais importante nas receitas fiscais. O setor é o que mais contribui para as receitas fiscais do Estado, contribuímos com quase 20% do total das receitas fiscais que o Estado recebe. Por exemplo, ainda agora, o Governo espanhol recebeu a nossa congénere espanhola e anunciou mais um plano de apoio à indústria automóvel. Em Portugal não há essa consciencialização, como há aqui ao lado ou em Itália ou em França.