Israel entre o óbvio e o menos óbvio

Estamos a viver um jogo de equilíbrios perigosíssimo no qual Netanyahu é mestre.

Nota introdutória: a existência do Estado de Israel contemporâneo decorre da conjugação da má consciência dos países ocidentais, que durante séculos perseguiram e expulsaram os judeus dos seus territórios, com a capacidade daqueles se unirem e mobilizarem recursos e influência sobre os atores fundamentais do sistema internacional, com vista a terem uma pátria própria. A independência, em 1948, depois do horror do Holocausto, teve lugar ao abrigo do mandato da Palestina (aprovado pela Sociedade das Nações), governada então pelo Reino Unido, que reconhecia ao povo judeu um direito histórico na região.

Nada do que escrevo põe em causa a legitimidade da existência desse estado, apenas olha criticamente algumas opções políticas das últimas décadas.

Não há inocentes nesta história. As oportunidades de ter dois estados esfumaram-se sempre na incapacidade dos atores políticos locais porem as suas carreiras políticas ao dispor da história. Na verdade, para além das carreiras, punham em causa a própria vida: Anwar El-Sadat foi morto depois de ter feito a paz com Israel, a Yitzhak Rabin aconteceu o mesmo após assinar o acordo de paz com Yasser Arafat. Não por acaso, Arafat não aceitou assinar novo acordo com Ehud Barak, em 2002. Como escrevi nesta coluna, em abril passado, o que ocorre naquela região é um «Um jogo de sombras no Médio Oriente», no qual ninguém diz toda a verdade, e ninguém tem toda a razão – há aliás, um ‘conflito de razões’ entre direitos históricos, que só com cedências mútuas se pode resolver.

Quando Arafat recusou negociar seriamente com Barak, fechou-se a janela histórica da paz, e regressou-se a uma perspetiva de ‘soma zero’: só com muito boa vontade se pode acreditar no desejo dos governos israelitas implementarem um acordo de paz para a solução de dois estados. Paralelamente, só com muita ingenuidade se acredita que as lideranças palestinianas aceitam a existência de Israel. Isto é, ambos recusam ceder.

Acresce que, para o atual primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, a atual guerra surge como a oportunidade perfeita para continuar no poder e, cumulativamente, alargar as fronteiras de Israel com a política de colonatos (que sempre deixou crescer). O chefe de governo israelita percebe, como poucos, as divisões no médio oriente, decorrentes de razões étnicas, religiosas e de interesses económicos de longo prazo. A isso soma a relação especial com os EUA que têm, em Israel, o aliado fundamental na região.

A ‘entrada em cena do Irão’, que não é bem uma entrada em cena porque o Irão é a ‘mão que embala o berço’ do lado do Hamas e do Hezbollah, também não é mais do que um esforço para continuar a ser relevante. O Irão não quer uma guerra total com Israel, que pode ter consequências catastróficas para o regime, mas precisa de manifestar apoio aos seus ‘proxies’ (como agora se usa dizer), sob pena de perder credibilidade e relevância regional.

Estamos, pois, a viver um jogo de equilíbrios perigosíssimo no qual Netanyahu é mestre. Para já, contra manifestações, ventos e marés, e contando cadáveres, mantém-se à tona e consegue o que quer: sobreviver politicamente. Mais um dia de vida no Médio Oriente.