Andrés Pastrana.’O que aconteceu na Venezuela foi um golpe de Estado’

Presidente da Colômbia entre 1998 e 2002, Andrés Pastrana Arango foi o primeiro político a ser sequestrado por Pablo Escobar. O ex-jornalista tem sido uma das personalidades mais vocais na condenação de Maduro.

Para começar, pode dar-nos um resumo da sua obra enquanto político ao serviço da Colômbia?

Fui vereador em Bogotá em duas ocasiões. Fui o primeiro presidente da câmara eleito pelo voto popular em 1988. Fui raptado por Pablo Escobar, é importante. Fui senador da República, candidato à Presidência em 1994, ano em que as eleições me foram roubadas pelos narcotraficantes, voltei a candidatar-me em 1998 e fui Presidente entre 1998 e 2002. Hoje presido ao Centro Democrático Internacional, que é possivelmente a maior organização política, com 106 partidos a fazerem parte dela.

Como foi raptado por Pablo Escobar, porque aconteceu e como acabou por ser libertado?

Resumidamente, Pablo Escobar ameaçou-me de morte em 1982 por ser jornalista. Como jornalista, sempre persegui o narcotráfico e chegámos a formar um grupo de jornalistas que acabou por se chamar Kremlin e denunciámos os cartéis de droga na Colômbia. Fiz todo este tipo de denúncias e durante a campanha para presidente da câmara em 1988, em janeiro, Pablo Escobar raptou-me. Ele já tinha-me ameaçado de morte em 1982 e raptou-me a mim porque foi criado um grupo chamado Los Extraditables. A única coisa de que tinham medo era a extradição para os Estados Unidos, porque lá cumpririam as suas penas. Quando o Presidente introduziu a extradição por via administrativa, eles criaram um grupo que tinha um slogan que dizia «preferimos uma sepultura na Colômbia a uma prisão nos Estados Unidos». E começaram a raptar políticos. O primeiro rapto político foi o meu, em 1988, para impedir que o Governo extraditasse os narcotraficantes. Raptaram-me em Bogotá e depois levaram-me de helicóptero para uma cidade perto de Medellín. Eu não sabia onde estava. No segundo dia do meu sequestro, Pablo Escobar chegou à minha cela, onde me mantinham sequestrado, uma cela 3×1, e Escobar foi lá falar comigo. Nesse dia falei com ele, voltei para a minha cela, para o meu local de sequestro, e nessa noite Escobar disse-me que também iam sequestrar o Procurador-Geral da Nação e, na segunda-feira, o Procurador-Geral estava mesmo perto do local onde eu estava. Quando chegou ao aeroporto, foi raptado e os assassinos contratados mataram todos os guarda-costas do Procurador-Geral.

Quem me raptou foi o Popeye, e o Popeye também estava encarregue do rapto do procurador e, por isso, na operação para encontrar o procurador, chegaram ao local onde eu estava detido, mas nunca imaginaram que me iam encontrar porque estavam à procura do procurador. Pensavam que eu estava em Bogotá e eu estava perto de Medellín.

Portanto, nesta operação de procura do procurador, a polícia encontrou-me. Tanto que um polícia me perguntou: «Quem é que está aí dentro? E eu disse: ‘Andrés Pastrana’. Tinha um sequestrador que me estava a apontar uma arma à cabeça, e eu disse-lhe: ‘Não faças nada’. E um polícia disse ao outro «viemos buscar o santo e apareceu-nos a Virgem».

Então houve toda uma operação de negociação com o sequestrador. Eu era o homem que negociava, ele escolheu o sequestrador que ia negociar com a polícia e no fim libertaram-me e cheguei a uma cidade chamada El Retiro e fui libertado. O procurador foi assassinado nesse dia.

Acho que fui o único que sobreviveu, acho que só há um ou dois de nós que sobreviveram a um rapto por Pablo Escobar. Isso não significou que baixei a guarda, pelo contrário, continuámos a trabalhar contra o narcotráfico, a acreditar no Plano Colômbia, que é o meu plano mais importante como presidente para combater o narcotráfico, e continuamos a combatê-lo permanentemente. O cartel de Cali roubou-me as eleições em 1994 com Ernesto Samper Pizano, financiaram a campanha de Ernesto Samper por 15, 5 milhões de dólares, mais tarde dizem que foram 15, roubaram-me a presidência, mas essa luta continua e continua a ser uma das principais lutas pelas quais continuo empenhado.

Passando à atualidade, a situação na Venezuela agrava-se de dia para dia, com Nicolás Maduro a agarrar-se ao poder por todos os meios e Edmundo González exilado em Madrid. O presidente Pastrana é um dos principais ativistas da causa democrática venezuelana, tendo-se deslocado a Haia, sede do Tribunal Penal Internacional, para solicitar um mandado de captura para Maduro e os seus fiéis cúmplices. Acha que falta uma certa coragem política a vários dirigentes, mesmo na Europa?

Sim, porque o que aconteceu na Venezuela não foi uma fraude eleitoral, mas sim um golpe de Estado. Note-se que a primeira pessoa a reconhecer Nicolás Maduro é Vladimir Padrino, o seu ministro da Defesa. Portanto, quem apoia Maduro hoje está a apoiar um golpe de Estado. Eu disse na rede X, sobre a mediação de Lula e Petro, que eles estão a perder a oportunidade de ficarem na história como democratas porque estão a defender um golpe de Estado.

E essa é a pergunta que eu faço hoje a Sánchez, como presidente do governo espanhol: se ele tivesse ganho, estaria isolado na Colômbia ou estaria em Espanha? E eu digo que, com Edmundo em Espanha, Sánchez tem de o reconhecer como Presidente eleito da Venezuela, porque isso ficou demonstrado com as atas.

Eu digo que já ganhámos a batalha jurídica, porque com as atas qualquer pessoa pode ir à nuvem e as atas estão lá. Temos de ganhar a batalha política, e na batalha política estamos a ver que os parlamentos e os presidentes estão a começar a reconhecer Edmundo González.

Há aqui um facto muito importante que as pessoas não viram no caso europeu. No outro dia, o primeiro-ministro da Hungria, Victor Órban, escreveu no X sobre a transparência eleitoral, que o povo venezuelano podia votar livremente, como fez, e que os resultados eleitorais da Venezuela devem ser respeitados. Penso que isto é muito importante porque envia uma mensagem na Europa e penso que é a mensagem que está a começar a ser transmitida com o Parlamento espanhol a aprovar o reconhecimento de Edmundo e o presidente do Conselho Europeu a aprovar ou apoiar a democracia na Venezuela.

Há aqui duas questões importantes. Desloquei-me ao Tribunal Penal Internacional de Haia, há quinze dias, para protestar contra a perseguição implacável aos políticos e aos meios de comunicação social que [Maduro] está a levar a cabo. Hoje há crianças, crianças com deficiência que estão na prisão, crianças autistas, crianças com paralisia.

Fomos ao Tribunal Penal Internacional em representação de 31 antigos presidentes, o único que não apoiou, não sei porquê, foi Guillermo Lasso. Mas 31 ex-presidentes, 3 de Espanha e os restantes da América Latina, fomos dizer ao Tribunal «emita o mandado de captura internacional para Maduro, Diosdado Cabello e a cúpula militar». Também levámos ao Tribunal alegações de perseguição de crianças, jornalistas, políticos e pedimos ao Tribunal Penal que prestasse muita atenção à vida de María Corina Machado, a líder venezuelana, e de Edmundo González, enquanto Presidente.

Falou da votação no Parlamento Europeu. O que pensa da votação dos socialistas?

Estão a perder a oportunidade de serem democratas. O que aconteceu na Venezuela foi uma operação de sequestro numa embaixada espanhola em que foi cometido um crime, porque Edmundo tinha a sua mulher e família detida. Portanto, não se compreende que tanto na embaixada holandesa como na embaixada espanhola tenha acontecido o que aconteceu com as visitas de pessoas privadas, da vice-presidente e do presidente da assembleia venezuelana.

Não se compreende o voto socialista, porque o que estamos a defender aqui é a democracia e o que os socialistas fizeram no Parlamento Europeu foi votar precisamente contra a democracia. Hoje estão a apoiar um golpe de Estado. Eu não entendo que essa seja uma posição porque esses socialistas, bem, muitos deles, representam o fórum de São Paulo: o Presidente Lula, assim como o Presidente Petro, foram eleitos democraticamente e foram respeitados dentro das regras da democracia para serem Presidentes hoje.

María Corina Machado, de forma muito corajosa, aceitou as regras da narco-ditadura de Maduro, submeteu-se com Edmundo às eleições e ganhou-as. Mas aqui há um ponto que quero sublinhar: há uma fratura no seio das forças armadas. Se me pergunta qual é a razão pela qual digo que há uma fratura, é porque os militares estão encarregados de vigiar as assembleias de voto. Quem retirou as atas e por que razão María Corina Machado as tem? Porque os militares os ajudaram a ter essas atas para provar que ia haver, de facto, uma fraude que levou a um golpe de Estado.

Mas voltemos ao voto socialista. Queria dizer que o grupo socialista espanhol no Parlamento Europeu é o segundo maior e o mais influente. Acha que a delegação espanhola impôs a disciplina de voto aos restantes eurodeputados por causa da situação de Zapatero nesta situação da Embaixada de Espanha em Caracas? Acha que há uma ligação entre todos estes acontecimentos e acha que os socialistas espanhóis estão comprometidos?

Pode ser, porque o que estamos a ver aqui é que Zapatero tem grande influência sobre Sánchez, e como tem grande influência sobre Sánchez, logicamente tem influência sobre os deputados socialistas. Se Edmundo foi trazido para Espanha, então, logicamente, penso que o que motivou esta votação, que não compreendo, porque, repito, é precisamente defender uma ditadura e não uma democracia, pode muito bem ter sido orientada por Zapatero e pelo presidente Sánchez.

Sim, e é interessante que a justificação tenha sido o facto de o Partido Popular Europeu se ter aliado à extrema-direita…

Não se trata de um problema de direita ou de esquerda, trata-se de democracia. O que está em causa é a liberdade. Ou a defendemos ou não a defendemos. Aqui temos de defender a liberdade, a liberdade de expressão nos meios de comunicação. E é por isso que nós, na América Latina, não compreendemos como é que o Governo espanhol não reconheceu um Presidente como Edmundo González, como o demonstram as atas. Oito milhões contra três milhões, eis os resultados.

E o que pode ser feito que não se fez com Juan Guaidó?

Bem, vejamos, essa é uma pergunta muito boa. Edmundo González não é o Juan Guaidó número 2, 2.0. Essa é uma narrativa que a esquerda quer criar. Eles não têm absolutamente nada a ver um com o outro, nem se pode compará-los. Juan Guaidó entra para ocupar uma posição de Presidente responsável pela Venezuela devido a um vazio eleitoral e a um vazio constitucional, e esse vazio é preenchido, de acordo com a constituição venezuelana, com o presidente da assembleia. Foi isso que Juan Guaidó fez. Juan Guaidó nunca foi eleito pelo povo.

Hoje, Edmundo González, diferente de Guaidó, é um homem que obteve 8 milhões de votos. E é porque não deixaram os venezuelanos no estrangeiro votar. Se os venezuelanos no estrangeiro, que são 5 ou 6 milhões, tivessem sido autorizados a votar, a votação teria sido de 10 para 1 entre Edmundo González e Maduro.

Hoje, Edmundo González foi eleito pelo voto popular, pela vontade popular, diretamente, ao contrário do que aconteceu com Juan Guaidó, que se limitou a preencher um vazio de acordo com a Constituição venezuelana. É por isso que é importante. Sánchez tem de o aceitar, porque González foi eleito pelo povo, Guaidó não foi.

Como vê as posições do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, que tem branqueado um sistema tirânico?

É por isso que eu disse que Lula e Petro perderam a oportunidade histórica de apoiar a democracia. Petro é o chanceler de Maduro, ok? Petro é o chanceler do narco-ditador. E é por isso que não vamos encontrar um confronto entre Petro e Maduro. O que Maduro faz é dar abrigo a todos os amigos de Petro: os narcotraficantes, os guerrilheiros, as FARCe o Exército de Libertação Nacional. Eles estão a dar tempo a Maduro e é por isso que nós também não o entendemos. Como dissemos a Petro, «tu ganhaste na Colômbia em democracia e nós respeitamos-te. Edmundo ganhou na Venezuela numa democracia com as regras do narco-ditador e tu deves respeitá-lo».

O que estão a fazer é dar tempo a Maduro para tentar consolidar o seu poder. E é por isso que tenho a certeza de que Edmundo González será empossado a 10 de janeiro. O mundo vai começar a reconhecer este triunfo eleitoral nas urnas da Venezuela.

No discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, Petro fez um discurso anticapitalista, antiamericano e ambientalista, mas não se dignou a tocar no tema da Venezuela. A única referência que fez ao regime de Maduro foi chamar-lhe ‘Estado rebelde’ face ao sistema de poder e ao capitalismo. O que pensa destas declarações?

As drogas são uma das piores coisas para o ambiente. Atualmente, com Petro, a luta contra a droga foi paralisada e temos cerca de 350 mil hectares de coca plantados na Colômbia, se não mais. É o maior destruidor do ambiente. Destruímos cerca de 2,5 a 3 milhões de hectares de floresta tropical simplesmente para plantar cocaína. É um discurso em que Petro está a enganar o mundo, porque o maior destruidor, repito, é a droga. Os precursores químicos utilizados para produzir a cocaína, o ácido sulfúrico, o permanganato, a gasolina, o cimento, etc., são precursores químicos que vão para os grandes rios e não só destruímos a nossa floresta tropical, como já estamos no limite da floresta amazónica. Por isso, eu diria que o grande destruidor do meio ambiente hoje, se quiserem identificar, chama-se Gustavo Petro. Não é aquele que o protege, mas aquele que o destrói.

E já que estamos a falar de Petro, emitiu um comunicado de Budapeste onde acusa o Conselho de Estado de violar a democracia. Pode explicar melhor o que aconteceu?

Vejamos, basicamente o que aconteceu, Gonçalo, é que o Conselho Nacional Eleitoral me devolveu a minha personalidade jurídica e o meu partido elegeu-me presidente. Fui presidente graças ao meu partido, a Nueva Fuerza, e o Conselho de Estado declarou que não era legal, quando é legal precisamente porque me devolveram a personalidade jurídica.

Portanto, hoje tenho dois problemas: sou denunciado criminalmente pelo presidente por ter dado a minha opinião, sou denunciado civilmente por ter denunciado o seu governo e como o narcotráfico está a promover a insegurança, a fortalecer as guerrilhas e, por causa disso, está-me a violar dois ou três direitos humanos fundamentais. O da liberdade, o da liberdade de expressão e o da liberdade de oposição. É por isso que o estou a acusar criminalmente.