A questão da imigração tem sido central no debate político ocidental nos últimos tempos. A integração do problema na esfera pública, e principalmente na política, é já, por si, um sinal positivo, uma vez que a obsessão pelo politicamente correto tem desgastado o bom senso a cada dia. Com isto, o assunto deixa de ser exclusivo da direita conservadora e da extrema-direita.
As políticas que conduziram à imigração descontrolada, principalmente na União Europeia, estão agora a ser colocadas em causa por vários quadrantes do espectro político, já que se tornou impossível ignorar a tensão social que dela advém e, consequentemente, a reação popular. E isto torna-se ainda mais evidente quando nomes de peso – do centro esquerda à direita – começam a expressar as suas preocupações quanto ao tema. Durão Barroso, Carlos Moedas e Tony Blair são exemplos.
Moedas, o corajoso
Durante a cerimónia de celebração do 114.º aniversário da Implantação da República, no passado sábado, o presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, dedicou parte da sua intervenção para abordar o problema da imigração descontrolada e deu um passo importante para quebrar o tabu que há muito envolvia a questão.
«Ceder à inércia foi também o que se passou na imigração e hoje assistimos a manifestações de drama humanitário que nos envergonham a todos no país», afirmou o autarca lisboeta. «Nós precisamos de imigração, sim. Precisamos de imigrantes, mas não podemos aceitar uma política de portas escancaradas que conduz à desordem, que dá espaço a redes criminosas, que multiplica casos de escravatura moderna». «E se hoje temos esse claro problema de pessoas em situação de sem-abrigo no país, deve-se também a essa irresponsabilidade de lidar com a imigração. Esta irresponsabilidade aumenta a desconfiança na nossa sociedade e alimenta extremismos de um lado e de outro», acrescentou.
«Precisamos de uma política de imigração que valorize, que traga dignidade a quem chega ao nosso país e que assegure que quem chega valoriza o país que acolhe. (…) Esperamos que quem venha saiba e se queira integrar, que respeite a nossa cultura aberta», concluiu.
A extensa citação é importante porque se trata de um discurso que marca a mudança de atitude do centro, pelo menos do centro-direita, face a um problema que a todos afeta.
As fortes, mas sensatas, declarações de Moedas valeram-lhe a rápida e infundada associação ao «discurso da extrema-direita» por parte de várias fações da esquerda que insiste em ignorar um problema que é por demais evidente.
Durão Barroso alinhado
José Manuel Durão Barroso, ex-primeiro-ministro e ex-presidente da Comissão Europeia, seguiu a linha adotada por Moedas dias antes. Na conferência ‘Inspira Portugal, 50 anos depois’, em Madrid, o presidente não-executivo do Goldman Sachs sublinhou a importância que a existência de «uma fronteira exterior» tem para a Europa e que «a verdade é que os europeus não querem muito mais imigração e há limites ao multiculturalismo».
Durão Barroso acrescentou que a fricção social é maior «quando é imigração de países, de culturas ou de religiões com problemas de integração» e atribui a isto a culpa da «subida dos partidos extremos, xenófobos ou mesmo racistas».
São também declarações importantes de um nome de ‘peso’ do centro-direita que contam com um impacto acrescido a nível europeu, que acredita que o ignorar do problema trará resultados indesejados no futuro, até porque, e como disse o próprio, «se não há fronteira exterior não há identidade política».
A linha de ação de Bruxelas fica assim cada vez mais exposta e dá força às campanhas dos movimentos que tentam lutar contra o problema desde o primeiro momento, como é o caso do enfant terrible da União Europeia, Viktor Orbán.
Um mea culpa tímido de Blair
O ex-primeiro-ministro britânico do Partido Trabalhista, Tony Blair, admitiu que poderia ter gerido de forma diferente a situação da imigração durante a sua passagem pelo n.º 10 de Downing Street.
Foi durante o seu mandato de dez anos (1997 a 2007) que o fluxo de imigração disparou, mesmo que sofrendo um abrandamento durante os governos conservadores seguintes até 2020, quando disparou para máximos históricos.
«Em certas comunidades houve um grande influxo de pessoas», disse em entrevista à BBC, o que causou «tensões reais em algumas dessas comunidades».
Contudo, o ex-chefe do executivo do Reino Unido garantiu que, à data, eram necessárias «muitas pessoas para a economia britânica».
Mas se é verdade que o declínio demográfico europeu é um dos fatores que leva a Europa à situação de estagnação atual, é também impossível ignorar que o aumento da produtividade está cada vez mais relacionado com a evolução tecnológica, impulsionada pela inovação, do que propriamente com uma quantidade elevada de mão de obra.
O grupo dos 17
As movimentações no sentido de reverter as políticas de imigração são também evidentes em Bruxelas.
Na segunda-feira, dezassete Estados-membros da União Europeia apelaram a uma «mudança de paradigma» de modo a garantir que os requerentes de asilo cujos pedidos tenham sido recusados sejam efetivamente repatriados, como noticiou a Euronews, que teve acesso a um documento informal escrito por este leque de países. Nele pode ler-se: «As pessoas sem direito de permanência devem ser responsabilizadas. Uma nova base jurídica deve claramente definir as suas obrigações e deveres. A não cooperação deve ter consequências e ser sancionada».
Portugal não está neste conjunto de signatários, o que levou o Nascer do SOL a contactar o Ministério da Presidência que ainda não se pronunciou sobre o assunto até à data de publicação.
Mudança de rumo
Contudo, o Governo português está já a tomar medidas no sentido de reverter os acontecimentos.
O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, anunciou no mês passado a criação da Unidade de Controlo de Fronteiras e Fiscalização Pública para mitigar as falhas no que ao «afastamento e retorno de cidadãos em situação ilegal» diz respeito.
Algo que torna o não alinhamento com o grupo dos dezassete algo capaz de suscitar alguma surpresa.
Ainda assim, a ação do Governo mostra que há empenho em reverter a situação, que é grave.
Segundo dados da Eurostat, apenas 15 imigrantes foram expulsos num universo de 345 com ordem de repatriação no primeiro trimestre de 2024. Isto é, ainda sob a gestão do Partido Socialista, apenas 4% das ordens de expulsão foram executadas, expondo a ineficácia dos mecanismos vigentes à data.
De qualquer forma, a abordagem séria ao assunto da imigração é, de facto, animadora, uma vez que acabará por apaziguar tensões sociais e políticas e protegerá também os próprios imigrantes de condições desumanas.