Os resultados eleitorais para a Presidência da República e assembleia nacional divulgados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) não deviam deixar dúvidas: o candidato da Frelimo, Daniel Chapo, venceu com 70,6% dos votos, Venâncio Mondlane, apoiado pelo partido Podemos, conquistou 20,3% do eleitorado e o candidato da Renamo, Ossufo Momade, ficou-se pelos 5,8%. No papel, tudo parecia bater certo. Acontece, que os principais partidos da oposição e milhares de moçambicanos consideram que houve fraude no ato eleitoral e têm saído à rua em protesto, só que as manifestações duram pouco devido à ação musculada da Polícia da República Moçambicana (PRM) e da Unidade de Intervenção Rápida (UIR).
A situação ganhou outra importância quando a missão de observadores da União Europeia pôs em causa a legitimidade de vitória do partido que está no poder desde 1975 ao pedir à CNE a publicação das atas para «melhorar a transparência do processo eleitoral e salvaguardar a integridade dos resultados». Esta semana, foi o Conselho Constitucional de Moçambique a solicitar à CNE esclarecimentos sobre a discrepância do número de votantes entre as três eleições (presidenciais, legislativas e assembleias provinciais), só depois esse órgão pode validar os resultados eleitorais de 9 de outubro.
Manifestações e violência
Venâncio Mondlane convocou para ontem uma manifestação nacional, com maior incidência na capital, que pretendia juntar milhares de pessoas nas artérias que levam ao Palácio da Ponta Vermelha, residência oficial do chefe de Estado. O candidato presidencial que ficou em segundo lugar, mas reclama vitória nas eleições gerais, tinha anunciado a sua presença, mas foi aconselhado a não estar presente por uma questão de segurança, mas também porque corria o risco de ser preso e acusado de insurreição devido aos apelos feitos nas redes sociais, nomeadamente quando afirmou que «o povo tem de tomar o poder».
Houve manifestações um pouco por toda a capital, onde se registaram ações de extrema violência que deixaram um rasto de destruição. Segundo algumas ONG presentes no local, os manifestantes foram recebidos com gás lacrimogéneo e balas reais em alguns bairros de Maputo, e há relatos de vários mortos, já que a Polícia disparou diretamente contra a população. A ação violenta e desproporcionada da Polícia e da IUR deve-se ao cumprimento de ordens superiores, o Ministro da Defesa já tinha avisado que as forças policiais estavam de prevenção, mas também pelo facto de nos últimos dias a população ter atacado e incendiado várias esquadras e de alguns polícias terem sido perseguidos, um acabou por morrer depois de ser apedrejado.
O confronto entre a Polícia e manifestantes só não teve consequências mais graves porque as forças armadas estão, de certa forma, a conter os excessos da polícia. O facto de os generais estarem mais contidos pode significar que querem manter a ordem em vez de carregar sobre a população e aumentar a instabilidade no país.
A situação política está a preocupar alguns quadros da Frelimo, o que pode abrir a porta a uma eventual acordo com Venâncio Mondlane. Depois de um dia de grande agitação social, um membro do Comité Central defendeu o direito de as pessoas se manifestarem. «Defendo a liberdade, a justiça e a verdade. Defendo o teu direito à manifestação, manifesta-te de forma pacífica e com civismo, só assim facilitarás a defesa dos teus direitos. Milhões de braços, uma só força» afirmou Teodoro Andrade Waty. Este depoimento de um advogado é particularmente significativo num momento em que os moçambicanos lutam pela justiça e democracia.
Por outro lado, fala-se também na hipótese de se chegar a um acordo com Venâncio Mondlane, candidato apoiado pelo Podemos. Mas aqui pode surgir outro problema. Mondlane não é o líder do partido, esse cargo pertence a Albino Forquilha, e nem sequer faz parte da lista de deputados à Assembleia Nacional, mas conseguiu um grande resultado eleitoral – deu ao Podemos o papel de principal partido da oposição suplantando a Renamo – com promessas populistas que foram bem aceites pelos eleitores.
A situação vivida em Moçambique está naturalmente a ser acompanhada a nível internacional. Curiosamente, os EUA, Noruega e Suíça – países que estão fora da União Europeia – foram os primeiros a apelar à calma e à ordem institucional, já a China, que tem grandes investimentos em Moçambique, nada disse sobre a situação política, talvez porque não deseje qualquer alteração da ordem constitucional.
Já a Amnistia Internacional considerou que é a pior repressão dos últimos anos e lembrou que a Polícia já matou mais de 20 pessoas e feriu ou prendeu centenas de manifestantes.
Fuga forçada
A situação política tornou-se insustentável e Venâncio Mondlane deixou o país devido às «ameaças constantes», justificou. Na calada da noite, passou a fronteira de Ressano Garcia e refugiou-se na África do Sul, onde se pensa que está instalado. A vida no exílio trouxe novas oportunidades e Mondlane está a utilizar as redes sociais para comunicar com os seus apoiantes e criar uma resistência digital que faz tremer os alicerces do regime. Recorde-se que a 21 de outubro, Venâncio Mondlane foi obrigado a fugir do local quando decorria uma conferência de imprensa quando a polícia lançou bombas de gás lacrimogéneo sobre os assistentes. Isso passou-se poucos dias depois de dois elementos fundamentais da sua candidatura terem sido assassinados em Maputo.