O Ministério da Saúde está em polvorosa e o cerco à secretária de Estado da Gestão da Saúde está cada vez mais apertado. As 11 mortes, consequência das falhas no socorro por parte do INEM, motivaram uma averiguação da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) e estão a ser investigadas pelo MP, que abriu seis inquéritos. Quem devia ter feito o quê, quais as responsabilidades administrativas, disciplinares ou políticas, assim como apurar o nexo de casualidade entre as mortes e a falta de técnicos de emergência pré-hospitalar para atenderem às chamadas, são as questões por responder. Mas, entretanto, a pressão para que sejam apontados os responsáveis políticos está a aumentar. «A decisão é do primeiro-ministro que é quem está a gerir este caso», afirmou uma fonte governamental ao Nascer do SOL. Em causa não está o lugar da ministra mas sim da secretária de Estado que tutela o INEM, Cristina Vaz Tomé. O presidente do INEM, Sérgio Janeiro, que foi nomeado em Julho, poderá ser outra das vitimas, mas apenas se se confirmarem as responsabilidades do instituto em assegurar os serviços mínimos e se concluir que a greve não podia ter sido travada pela tutela. «Mas a sua demissão será sempre uma resposta pífia tendo em conta a gravidade da situação», afirmou a mesma fonte. Além disso a relação da ministra com a sua Secretária de Estado «não é a melhor e não existe muita confiança uma vez que não foi ela quem a escolheu nem teve nada a dizer sobre a sua nomeação». Seja como for, a gestão da crise e a decisão final está no gabinete do primeiro-ministro.
O que falhou?
«Falhas no cumprimento dos serviços mínimos eu acho que não houve, porque prevalece o que estava no pré-aviso da greve, que era um número de técnicos igual ao do turno de uma noite de domingo em período de férias, e estavam lá todos», afirmou Rui Lázaro, presidente do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (STEPH), ao nosso jornal. Mas nem sequer é este sindicato que está no olho do furacão. O STEH iniciou a greve às horas extra dia 30 de Outubro e anunciou um pré-aviso apesar de não ser obrigatório tê-lo feito porque estavam em causa horas extraordinárias que já tinham sido ultrapassadas por estes técnicos de emergência. Bastava não cumprir: «Foi um preciosismo, mas fizemo-lo para marcar posição e para apresentarmos um caderno reivindicativo de forma a que o governo soubesse o que era necessário para reverter a greve. Este pré-aviso não tem proposta de serviços mínimos mas ainda assim foram estabelecidos para as situações de catástrofe ou calamidade». Mas nos dias 31 de Outubro e 4 de novembro realizou-se outra greve decretada pela Federação Nacional de Sindicatos Independentes da Administração Pública (FNSINAP), que não tem acordo coletivo de trabalho com o INEM. Por isso os serviços mínimos que prevalecem são aqueles que estão estabelecidos no pré-aviso de greve. O número calculado foi o de trabalhadores que teriam de estar em funções numa noite de domingo em época de férias. E esses serviços mínimos cumpriram-se nos Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) .O problema é que o pré-aviso das greves da função pública são enviados para os membros do governo e não para as entidades tuteladas, como é o caso do INEM. Nestes casos o instituto tem 24 horas para tentar chegar a acordo com o sindicato do sentido de propor outros serviços mínimos. Mas isso não foi feito e o que conta é o que está no pré-aviso da FNSINAP.
Segundo Rui Lázaro, falharam duas coisas: «O INEM não ter pedido para negociar os serviços mínimos», apesar de não os receber. Ou seja, foi a secretária de Estado quem o recebeu. «Estas federações grandes não têm a mínima preocupação com as consequências de uma greve geral na saúde ainda mais na área de emergência». A segunda falha foi o INEM «não ter designado ninguém para os cumprir. O departamento de chefias intermédias deviam fazer isto de forma automática». Mas a verdade é que o INEM nunca o tinha feito em situações anteriores: «Há dezenas de greves gerais na Função Pública e nunca foi preciso decretar serviços mínimo porque trabalhavam sempre um número de técnicos superiores aos serviços mínimos». No dia 4 de Novembro, como os trabalhadores não foram notificados para cumprir serviços mínimos, sentiram-se no direito de exercer greve.
Corre tudo mal
O caos não se instalou apenas por causa da greve. Na segunda feira, 28 de outubro, dia normal, existiu um número mais elevado de chamadas em espera do que no dia 31, que era dia de greve geral. No dia 28 registaram-se 134 chamadas em espera em simultâneo e dia 31 o máximo foi de 111. Porquê, ainda não se sabe.
«Apesar de nós termos emitido uma circular e contactado diversos trabalhadores, com muitos esforços, não conseguimos que a escala tivesse sido cumprida acima dos 70%», justificou Sérgio Janeiro esta semana. Se o fez com eficiência ou não, o IGAS está a investigar. Já a greve às horas extraordinária que foi atalhada pela ministra não teve grande impacto, uma vez que durante esses dias não se verificaram grandes constrangimentos. Sendo que era esta que estava dependente da gestão do INEM.
Apesar estar a decorrer o processo de contratação de 200 técnicos, vão ser precisos muito mais para garantir que situações como estas não se repitam, dizem ao Nascer do SOL fontes do INEM. E não é só para o CODU. O Relatório de Atividade e Meios do INEM denuncia que o número de saídas dos meios próprios do INEM tem reduzido e uma forma significativa. Ou seja, o instituto não tem tido capacidade de manter as suas ambulâncias operacionais porque não há quem as guie. Além disso, mostra o agravamento do tempo do atendimento das chamadas por parte do CODU e o agravamento do défice dos técnicos principalmente depois de 2019.