O livro revela que estamos bem em Educação mas mal na Economia e tenta explicar esse paradoxo. O que se passa?
Qualquer teoria económica coloca a educação no centro do crescimento do PIB. E faz sentido: pessoas mais educadas, estão mais capacitadas para trabalhar em todas as vertentes e, portanto, a produtividade tende a aumentar assim como os salários. No entanto, em Portugal os níveis educacionais aumentaram muito, estamos já acima da média da Europa, mas a produtividade e os salários aumentaram muito abaixo da média europeia. Além disso, especializamo-nos em serviços pouco tecnológicos, que é onde as pessoas mais educadas contribuem mais. No setor do Estado há cada vez mais pessoas qualificadas mas a nossa posição nos rankings que medem a qualidade da governança está a cair. Nas empresas, os indicadores de investimento, inovação ou internacionalização, estão a crescer menos do que nos outros países apesar de as empresas terem também cada vez mais pessoas qualificadas. Ou seja, na Educação estamos muito melhores do que os outros e nas dimensões económicas estamos muito piores. O resultado final é que quando atendemos à capacidade média de transformar educação em salários, competitividade e produtividade, Portugal aparece como o segundo pior país da OCDE, apenas seguido pelo México. A pergunta a isto é porquê. E a resposta é difícil.
O inverso também aconteceu: crescemos mais na década de oitenta quando os níveis de Educação eram muito mais baixos.
Esta incapacidade de transformar educação em produtividade, emprego qualificado, melhoria da performance do Estado é muito mais forte entre 2000 e 2020 do que entre a década de 80 e 2000. É neste princípio de milénio que essa incapacidade é notória, não só em relação aos outros países como também em relação à sua História. É importante identificar este paradoxo para podermos conversar sobre isto.
O que aconteceu?
A partir do início do século dá-se uma viragem nos paradigmas da economia com a abertura a Leste, a inovação da tecnologia e a integração da China na OMC, que proporcionaram uma alteração brutal naquilo que é preciso para um país se desenvolver. Ficou muito claro a partir dessa altura que o desenvolvimento em Portugal, que até ali era aproveitar alguma qualificação para continuarmos a fazer o mesmo, só que um pouco melhor, passou a ser termos de aprender a fazer algo fundamentalmente diferente. É esse algo fundamentalmente diferente que não fomos capazes de o fazer.
O que nos faltou?
Algumas coisas, mas sobretudo ambição. Daí o título do livro. Ambição para termos mais escala, empresas maiores, com mais capacidade de internacionalização, com mais capacidade de conquistar o mundo, de construir grandes projetos internacionais e de conquistar mercados internacionais. Para tudo isso é necessário capacidade para planear, definir estratégias e colaborar entre empresas.
Essa falta de ambição vem de onde?
Vem de temas de enquadramento de política económica, mas há temas culturais muito importantes. Portugal aparece como um dos países que tem menor orientação para o longo prazo e maior aversão à incerteza. Este contexto cultural é um dos pilares que explica essa falta de ambição, tanto dos lado das empresas como do Estado. Há falta de ambição em que o Estado funcione bem e que Estado e empresas assumam os dois juntos um projeto que seja realmente ambicioso. Quando entramos na União Europeia havia alguma desta ambição e deixou de existir.
Fala em milagre na Educação.
Os resultados na Educação devem-se sobretudo a um investimento muito consistente e partilhado por toda a sociedade, que já tinha começado antes do 25 de Abril. Depois de 1980 foi uma aposta feita que nós todos beneficiamos. É preciso continuar a educar mais porque o mundo exige mais. Mas é também preciso criar uma economia que seja capaz de tirar partido desse esforço na Educação.
Dois dos exemplos que aponta é Singapura e Irlanda, em quê?
Quando olhamos para a Irlanda e Singapura percebemos que há uma estratégia clara de longo prazo articulando o setor privado com o público, há um acordo generalizado que não precisa de ter 100% da população e que não muda cada vez que há uma alteração do ciclo político.
Cita no livro a pergunta que foi usada por Clinton nas eleições de 92: ‘Porquê a incapacidade de criar empregos que aliciem jovens talentos’. Ou seja, já se vivia esta questão nos EUA há 30 anos.
Sim e esse é o grande paradoxo. Portugal, que aumentou brutalmente os níveis educacionais, tem as maiores taxas de sobre-qualificação, ou seja, pessoas a fazer trabalhos para os quais estão sobre qualificados. Somos um dos países que criou mais empregos em setores que não precisam de grandes níveis de educação. Não conseguimos criar uma economia para absorver esta Educação e por isso os jovens vão-se embora. Mas se os outros países conseguem, é possível nós conseguirmos.
Escreve também que se a eficácia nacional estivesse alinhada com a média da OCDE teríamos um nível de produtividade superior ao do Reino Unido.
O que esse número quer dizer é que há uma capacidade normal na média europeia de transformar educação em produtividade: pessoas mais bem formadas, se tiverem empregos condizentes, conseguem produzir mais valor. Se Portugal tivesse essa capacidade média, então haveria um salto enorme de produtividade. Mas não conseguimos, esse é o grande drama.
Onde falham as empresas?
Tentei medir cinco dimensões que é a qualidade de gestão, a capacidade de internacionalização, a dimensão, a capacidade de inovação e o nível de investimento. Retirei dados onde pudessem haver comparações entre países e nestas cinco dimensões, as empresas portuguesas estão entre as piores nos últimos 20 anos da União Europeia.
O que está por detrás disto?
No meu entender as causas prendem-se com uma dimensão cultural. Como já referi, temos uma grande aversão à incerteza e a menor orientação a longo prazo, que são os pilares desta falta de ambição. A indústria do calçado funciona porque o setor junta os seus empresários e organiza-os em torno de uma estratégia comum para conquistar o mundo. Também há pouca disponibilidade para recorrer a fundos de investimento para se transformarem para crescer. Muitos empresários não querem ou não estão disponíveis a perder o controlo.
Diz que grande parte desta transição cultural acelerava dando lugar aos mais novos na gestão.
O país está a ficar cada vez mais velho e como há poucos projetos, os que existem estão cada vez mais tapados por gestores cada vez mais velhos. E isso faz com que os jovens que têm esta capacidade de mudar não tenham lugar. E a transição cultural não acontece. Por outro lado, uma transição cultural mais acelerada dá espaço a esta juventude com mais dinamismo. Muitas vezes oiço muitos alunos dizerem que vão para fora porque numa empresa portuguesa, mesmo que se ganhe bem, não lhes dão responsabilidades e lá fora dão.
Outra questão é o medo do erro, a dificuldade em delegar.
Sim, a ausência de necessidade de controlo. Nós queremos que as pessoas a quem delegamos façam como nós íamos fazer o que bloqueia a transição. Até o ano 2000 isto funcionava: produzir têxteis permite esta dinâmica, mas hoje as empresas têm de inovar e isso significa aceitar o erro sem medo. Gosto muito de uma frase do ex-VP da Google: «O líder tem de delegar até ao ponto em que está confortável e se está confortável não delegou o suficiente».
Qual é o papel do Estado?
O Estado tem de resolver dois problemas grandes: menos burocracia e mais meritocracia. Devia premiar aqueles que estão a entregar resultados e mais foco nos resultados. Os resultado continuam a contar pouco, no entanto, se se cumprirem todas as vírgulas e todos procedimentos está tudo bem. Se no fim os resultados são excelente ou não é quase indiferente. Cada vez temos mais gente qualificada no setor público mas estamos a descer nos índices de qualidade de governance do ponto de vista relativo. O Estado tem de exigir o cumprimento das regras, mas acima de tudo tem de exigir resultados. E dar muito mais discricionariedade às pessoas para poderem cumprir os objetivos. Uma das principais razões de o PRR não estar a ser executado é porque a burocracia é tão grande e leva tanto tempo que nem se consegue gastar o PRR quanto mais ter resultados.
Mesmo na contratação de pessoas.
Sim, o processo de contratação, a atribuição de prémios, o aumento de salário, nada disto é ágil ou até possível. E este ambiente faz com que os gestores públicos, que são pessoas extraordinárias, estejam limitadas por correrem riscos pessoais se não cumprirem os procedimentos à risca. As pessoas desmotivam e acabam por sair. O problema é que o Estado acaba por ser pouco produtivo e por afastar talento de que precisa. Para um país funcionar as melhores pessoas têm de trabalhar no Estado, têm de ganhar bem, de se sentir motivadas e ter discricionariedade para gerir e para tomar decisões. Um modelo de gestão completamente diferente daquele que temos.
E quanto à fiscalidade?
Portugal aparece nos rankings como o país onde as empresas consideram a fiscalidade o tema principal para o seu funcionamento. A fiscalidade é demasiado pesada. Mas temos a outra parte que é o facto de responder a uma necessidade do Estado se financiar. Uma das razões por ser tão alta é porque há pouco crescimento. Se medirmos aquilo que o Estado gasta no seu funcionamento versus o lugar que ocupamos do ponto de vista de qualidade de governança, estamos bastante mal. Portanto, temos de crescer mais para gerar receita fiscal e baixar as taxas porque a base é maior, e por outro lado, temos que melhorar a forma como o Estado funciona. São estas as duas alavancas do sistema. Vale a pena aligeirar um pouco os processos. É capaz de haver um bocadinho menos de ‘justiça’, mas se conseguirmos ganhar em mais meritocracia, focar os bons gestores em resultados e conseguirmos entregar mais à população, é um trade off que vale a pena.
Estamos muito presos a questões ideológicas?
Muito, há sempre uma discussão ideológica se é o Estado que deve ou não fazer, se a TAP deve ser pública, etc. Este debate está completamente morto. Deve analisar-se as questões em concreto e encontrar a melhor solução. Se funcionar, funciona, se não funcionar deve encontrar-se outra solução. Este pragmatismo é fundamental. Não tenho nenhum princípio sobre se uma empresa de aviação deve ser pública ou privada. Depende do contexto, do país e da realidade. Além disso, muda-se de ideologia cada vez que temos eleições, o que é a instabilidade total. É mais importante ter uma estratégia do que uma ideologia.
Como é que isso tudo se consegue articular com vencer eleições?
O importante é ter uma estratégia que seja pragmática e realista, com objetivos claros e mensuráveis, que resultam de consensos entre o setor privado com ambição e o setor Estado que quer funcionar de forma eficiente. Esta é a visão estratégica que faz falta. Foi assim na Irlanda e na Singapura e resulta. Num país com poucos recursos como Portugal vejo muita dificuldade em mudar de paradigma sem assumir esta estratégia.
E é possível fazê-lo com os agentes políticos que temos?
No Portugal onde eu comecei a faculdade, a seguir à entrada na União Europeia, era perfeitamente possível. Hoje perdemos a ambição. Não há nenhuma agenda política em Portugal que se centre no que devemos fazer juntos para recuperar o tempo perdido. Falta uma elite que tenha a capacidade de dialogar com as pessoas, de querer liderar e de assumir o que é que significa liderar. Perdemos essa elite mas temos de a recuperar. Vão dizer que é difícil e impossível. Mas eu respondo que a alternativa é absolutamente caótica.